Farmacêutico da farmácia: Uma profissão em resgate

A industrialização no processo de fabricação dos medicamentos acabou por distanciar o farmacêutico da prática clínica; agora, entidades de classe lutam para retomar o papel deste profissional no cuidado da saúde da população

Os primeiros registros da profissão de Farmácia são da época das antigas boticas coloniais. Nesses pequenos estabelecimentos, geralmente de propriedade familiar, o farmacêutico trabalhava com preparados magistrais de origem vegetal ou animal e fazia a indicação e orientação quanto ao uso correto das substâncias.

Essa característica artesanal e caseira da profissão se manteve firme até o início do século 20.

Entre as décadas de 1930 e 1940, iniciou-se um processo de industrialização na produção dos medicamentos que, aos poucos, transformou a realidade da profissão.

A mudança definitiva no perfil da profissão chegou em 1970, quando a indústria farmacêutica sofreu um intenso processo de expansão e passou a produzir em larga escala, com formulações padronizadas.

A partir de então, o farmacêutico se distanciou de vez da prática clínica, para assumir um perfil tecnicista. “Dentro desse novo contexto, o profissional começou a ser visto apenas como intermediador entre o paciente e a indústria farmacêutica. Se antes tínhamos um farmacêutico que participava diretamente no cuidado com o paciente e a família, ele passou a ser visto como o profissional que fornecia e dispensava medicamento”, conta a farmacêutica assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF-MG), Danyella Domingues.

Como o farmacêutico pode voltar a ser o profissional de confiança da família?

Para retomar o papel de cuidador perante à sociedade, o farmacêutico precisa adotar um padrão de qualidade de atendimento, seguindo diretrizes que norteiam a profissão.
“As entidades de classe e o Conselho Federal de Farmácia (CFF) têm feito um amplo trabalho, tanto de conscientização para adequação do profissional a esse novo momento do mercado, quanto a fornecer subsídios e cursos para que esse profissional esteja mais capacitado para atender de forma mais técnica e correta o paciente. Esse empoderamento é consequência de uma prestação de serviço de excelência”, destaca a assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF-MG), Danyella Domingues.

Essa mudança ainda foi intensificada por processos regulatórios que não abordavam o cuidado farmacêutico entre as atribuições dessa profissão ou dentro da perspectiva de atendimento e de assistência à saúde da população. “A diretriz legal não existia. De 1973 até 2014, tivemos em vigência a Lei 5.591/73, que conceituava a farmácia apenas como estabelecimento de comércio de medicamento”, destaca Danyella.

Resgate da profissão

As consequências do distanciamento do farmacêutico e dos cuidados com a saúde da população foram desastrosas. Os sistemas de saúde ficaram sobrecarregados, já que, mesmo diante de males corriqueiros, as pessoas buscavam o auxílio dos médicos em hospitais públicos e privados.

Ao mesmo tempo, a automedicação cresceu vertiginosamente, aumentando os quadros de intoxicação e casos em que sintomas de problemas graves eram mascarados. Diante desse quadro, as entidades de saúde perceberam a necessidade de resgatar as origens da profissão de Farmácia.

“Hoje, no mundo inteiro, há um movimento de resgate do papel do farmacêutico como profissional da saúde e aqui nós seguimos nessa direção”, garante o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter da Silva Jorge João.

Nos últimos anos, devido um trabalho intenso das entidades de classe, muitos avanços foram obtidos em direção ao empoderamento do farmacêutico no Brasil.

Como empoderar o farmacêutico?

Para que o profissional seja capaz de recuperar seu espaço no cuidado com a saúde da população, é preciso combinar dois fatores:

• Legislação
Para participar de maneira ampla no cuidado com a saúde da população, o farmacêutico precisa ter respaldo legal. As entidades de classe vêm fazendo um bom trabalho e, nos últimos anos, conseguiram ampliar a atuação farmacêutica de 19 para 117 especialidades; obtiveram autorização para a abertura de criação das farmácias clínicas; e regulamentaram a prescrição farmacêutica.
Com a Lei 13.021/14, também ficou estabelecido que as farmácias são estabelecimentos de saúde, aptos a prestar assistência farmacêutica.

• Formação
Para que os farmacêuticos estejam aptos em atuar nas novas frentes regulamentadas por lei, é preciso que eles recebam formação compatível nos cursos de ensino superior.
Para isso, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou a Resolução 06/2017, que institui as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o curso de Farmácia. Entre as principais mudanças, está a obrigatoriedade de destinar 50% do currículo a conteúdos voltados ao cuidado em saúde.

“Nós conseguimos, junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a atualização da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), de dois para oito ocupações e de 19 para 117 especialidades”, destaca Jorge João. Com isso, o farmacêutico ganhou respaldo legal para atuar em áreas nunca antes imaginadas, como a floralterapia, a estética, a perfusão sanguínea, entre outras.

Também foram publicadas mais de 90 resoluções que trouxeram benefícios à prática da profissão. As que desencadearam as maiores transformações no cenário profissional foram as de números 585 e 586, ambas de 2013, que dispõe sobre a criação das farmácias clínicas e permite a prescrição farmacêutica, respectivamente.

Perfil dos farmacêuticos no Brasil

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Nesse mesmo ano, o CFF coordenou o processo de criação do Fórum Nacional de Luta pela Valorização da Profissão Farmacêutica, que participou ativamente da mobilização pela aprovação da Lei 13.021/14, outra grande conquista. “Essa lei recuperou a autoridade do farmacêutico nas farmácias e colocou a enorme capacidade técnica do profissional a serviço da população brasileira no cuidado com a sua saúde”, afirma Jorge João.

Resultados palpáveis

Diante de importantes conquistas, o desafio atual é ter profissionais capacitados para atuar nessas novas funções garantidas por lei. O caminho para obter farmacêuticos qualificados inicia-se na graduação, onde toda a base de conhecimento é obtida. Por isso, a pedido do CFF e demais entidades regionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o curso de Farmácia foram reformuladas e agora estabelecem que 50% da carga horária do curso deve ser destinada ao eixo Cuidado em Saúde.

De acordo com o coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo, Prof. Valter Luiz da Costa Júnior, as novas diretrizes envolvem o conjunto de ações e de serviços ofertados ao indivíduo, à família e à comunidade, por meio de atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde, além da prevenção de doenças, e que possibilite às pessoas viverem melhor.

“O que falta agora é a construção de processos regulatórios afinados com o sistema educacional e de saúde, que atuem nos processos de avaliação das Instituições de Ensino Superior (IES) para que se garanta o cumprimento do que está preconizado nas DCNs.”

Foto: Shutterstock

Estrelas do mês

Edição 302 - 2018-01-01 Estrelas do mês

Essa matéria faz parte da Edição 302 da Revista Guia da Farmácia.