Genéricos e as mudanças do mercado

Adoção da intercambialidade dos medicamentos similares não alterou a rotina de prescrição e dispensação de genéricos. Segmento se mantém como um dos mais pujantes do setor farmacêutico

Tomada por analistas do setor como uma das maiores mudanças do mercado farmacêutico brasileiro desde a implantação dos genéricos, em 1999, a intercambialidade de medicamentos similares com produtos de referência começou a valer em 1º de janeiro deste ano.

A mudança impõe testes de bioequivalência farmacêutica, biodisponibilidade e bioisenção aos medicamentos similares que já estão no mercado atualmente e para os novos, elevando a segurança aos consumidores e garantindo eficácia no tratamento para quem optar pela intercambialidade no ato da compra nas farmácias de todo o País.

Com isso, os similares se equiparam aos genéricos na possibilidade de ser intercambiáveis com os medicamentos de referência. Especulou-se que isso impactaria o mercado de genéricos, com os similares “roubando” participação dos primeiros. Contudo, segundo analistas, o que se vê é um alargamento do mercado, com similares e genéricos ganhando espaço.

“O que muda é a possibilidade de mais opções de tratamento ao consumidor, com preço acessível, elevando o acesso aos medicamentos. A concorrência pressiona o preço para baixo, aumentando o acesso e a adesão ao tratamento”, avalia o vice-presidente da Prati-Donaduzzi, Eder Maffissoni.

O presidente executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), Henrique Uchio Tada, concorda que a medida aumenta a oferta de produtos para a população e, consequentemente, eleva a competição no mercado farmacêutico. “Não podemos afirmar que o similar irá ganhar maior participação de mercado com a nova diretriz. Outros fatores conjugados devem ser também considerados, como, por exemplo, o preço praticado, a oferta de produtos nas drogarias e farmácias, a propagação entre a classe de profissionais prescritores para os medicamentos tarjados”, explica.

“Não há diferença técnica ou científica entre genéricos e similar. A alteração que existe é que o genérico usa na sua identificação o nome do princípio ativo, enquanto o similar ostenta marca ou nome comercial. Não há mudança para o consumidor se decidir comprar um genérico ou um similar, pois ambos passam pelos mesmos testes e estudos de comprovação de eficácia e segurança”, completa Tada.

Rotina de consumo

É difícil saber o que pode mudar nos hábitos do consumidor dos genéricos com a chegada dos similares intercambiáveis, observa o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini.

“Mas acredito que um dos objetivos do governo, que é estimular o aumento da oferta de produtos, não será atingido, pois o mercado já encontrou seu ponto de equilíbrio. Ele contempla as três principais categorias de produto – referência, genéricos e similares –, a variedade de opções e preços já atende às necessidades do consumidor. Justamente por isso é improvável que a intercambialidade resulte em redução de preço e oferta de novos produtos, mesmo porque o similar somente pode substituir o seu correspondente de referência ou genérico, nunca outro similar, sob pena da farmácia estar cometendo uma infração sanitária.” Em princípio, segundo Mussolini, os medicamentos de marca devem manter a sua participação, pois o mercado já está consolidado.

Já as autoridades sanitárias acreditam que a implantação dos similares equivalentes ou intercambiáveis deve elevar a concorrência no País entre os fabricantes de medicamento, barateando o custo do tratamento farmacológico a todos os brasileiros.

Diferenças mínimas

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as exigências de boas práticas de fabricação e parâmetros de qualidade são iguais para todos os produtos. A diferença entre similares e genéricos está no uso ou não de um nome de marca e na regra de definição de preços, já que genéricos têm de ter preço de entrada no mercado 35% menor que o produto de referência.

“A decisão sobre qual medicamento utilizar e quais as alternativas de substituição a partir da lista de medicamentos intercambiáveis é resultante da relação do profissional de saúde habilitado e do paciente”, diz a Anvisa.

“A prescrição é prerrogativa do médico ou de outro profissional legalmente habilitado. Assim, para utilizar quaisquer medicamentos sujeitos à prescrição ou para decidir sobre a substituição de um medicamento de referência pelo seu similar, um profissional de saúde habilitado deverá ser consultado”, completa a Agência, destacando que, em relação à dispensação, não há nenhuma previsão legal de troca do produto de referência pelo similar, se esta não foi a indicação do médico.

Medicamentos intercambiáveis, sejam eles genéricos ou similares, têm as mesmas características dos de referência e são considerados bioequivalentes. Isso significa que possuem concentração, posologia e indicação terapêutica idênticas, podendo substituir os medicamentos de referência.

Os similares intercambiáveis passam por testes clínicos iguais aos genéricos, o que assegura sua segurança. A diferença é que o similar pode variar em relação à forma do produto, prazo de validade, embalagem e rotulagem. Além disso, diferentemente dos genéricos, os similares intercambiáveis são vendidos sob marcas comerciais. Os medicamentos que já estão aprovados como bioequivalentes devem trazer na bula a informação de que são intercambiáveis.

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Decisão de compra

Por determinação da Anvisa, o paciente com a receita médica em mãos pode optar tanto pelo medicamento de referência, quanto pelo medicamento genérico ou similar intercambiável. A Agência lembra que a legislação vigente não prevê a intercambialidade entre similar e genérico, mas entre estes e os de referência.

Segundo informa a Agência, desde a adoção da intercambialidade dos similares, não houve mudanças nos patamares de pedidos de registros de genéricos e de similares na Agência, mantendo-se a média registrada no mesmo período de 2014. O mercado de genéricos se mantém como o carro-chefe do setor farmacêutico, ainda que não se tenham os números fechados dos primeiros meses do ano.

Previsões e expectativas

A tendência, segundo Mussolini, é de que os genéricos ganhem participação de mercado, por conta da retração da economia em 2015. “As vendas do setor crescem, mas são insuficientes para compensar a perda de rentabilidade provocada pela disparada do câmbio, o aumento de tarifas e insumos e os reajustes salariais concedidos pelas empresas do setor a seus empregados nos últimos anos. Diante do clima de incerteza atual, que aponta para uma retração da atividade econômica e diminuição de renda da população, o Sindusfarma projeta um crescimento setorial, ao longo de 2015, alinhado com a inflação estimada para o período, em torno de 8%, o que representaria quase metade da evolução média de faturamento da última década. Essa situação poderá favorecer o segmento de genéricos, pois, com menos dinheiro disponível para cuidar da saúde, o consumidor poderá optar por produtos mais baratos na mesma classe terapêutica”, afirma o executivo, lembrando que a indústria farmacêutica é muito sensível em termos de emprego. “Quando o mercado de trabalho cresce ou se mantém estável, o setor vai bem; mas quando há instabilidade ou queda, a cadeia farmacêutica costuma sentir os efeitos negativos”, diz.

A presidente executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos), Telma Salles, concorda que a retração econômica pode beneficiar o segmento. “Com preços, em média, 60% inferiores aos dos produtos de referência, os genéricos ganham ainda mais relevância em cenários de economia estagnada e risco de comprometimento na renda”, diz a executiva, destacando que o desempenho acima da média do setor se dá principalmente pelo amadurecimento dos genéricos como uma política eficiente de saúde pública, aliando em um mesmo produto preço baixo, qualidade, eficácia e segurança.

Mesmo que o mercado farmacêutico não tenha avançado como nos últimos anos, o segmento de genéricos tem mantido crescimento expressivo, respondendo por um quarto da receita do setor – encerrou 2014 com faturamento de R$ 16,2 bilhões. O montante foi 18,5% superior aos R$ 13,7 bilhões aferidos em 2013. Já em unidades, a performance dos genéricos foi ainda mais expressiva, se comparada com a do setor como um todo. Cresceu de 10,6%, frente a uma alta de 7,9% registrada pelo mercado em geral. Foram comercializadas 871,7 milhões de unidades de medicamentos genéricos ao longo dos 12 meses de 2014, contra 788,2 milhões no ano anterior. Os dados são da Pró Genéricos com base nos indicadores do IMS Health.

Resultados peculiares

“Em um ano marcado pelo fraco desempenho da economia brasileira, o mercado de medicamentos genéricos conseguiu manter crescimento acima da casa dos dois dígitos em unidades, o que é expressivo”, sustenta Telma.

“Grande parte da economia brasileira sofreu retração, no entanto, acreditamos que o genérico continuará crescendo a taxas superiores ao crescimento médio do mercado farmacêutico, pois a população continua tendo como opção medicamentos com preço acessível e qualidade garantida” pondera o gerente de produtos do Grupo Cimed, Leonardo Lopes.

“Os três primeiros meses do ano foram ótimos para nós, pois continuamos crescendo dois dígitos acima do mercado, se comparado com o mesmo período do ano anterior, o que gera grandes expectativas”, adiciona Lopes, destacando que a Cimed investe na ampliação da capacidade fabril, no melhoramento dos processos produtivos e em pesquisa e desenvolvimento, por meio do Instituto Cláudia Marques.

Nele, é realizada a parte laboratorial de equivalência farmacêutica, incluindo testes de bioequivalência e biodisponibilidade. “Além disso, temos uma quantidade considerável de medicamentos aguardando análise e aprovação por parte da autoridade reguladora, incluindo medicamentos similares equivalentes e genéricos”, finaliza Lopes.

“Dois mil e quinze está sendo um ano mais difícil, ainda assim nossa perspectiva é de crescimento, principalmente porque os genéricos têm potencial de expansão”, adiciona Maffissoni, da Prati-Donaduzzi.

Segundo ele, mesmo com a retração da economia, a Prati-Donaduzzi tem mantido crescimento médio de 25% ao ano. “Uma das explicações para os bons resultados dos genéricos é o preço, que é inferior aos produtos de referência. Neste ano, aplicaremos nossos recursos para melhoria do processo produtivo e introdução de novos produtos. Estamos ampliando também nossa capacidade de produção com a construção de uma nova planta”, revela Maffissoni.

A nova unidade fabril, em Toledo, será inaugurada este ano, gerando 500 postos de trabalho e terá capacidade produtiva de aproximadamente 6 bilhões de doses terapêuticas por ano, aumentando em 50% a produção de medicamentos sólidos da Prati-Donaduzzi.

Maffissoni revela que o principal foco dos genéricos vendidos atualmente é para as doenças crônicas, como a hipertensão e o diabetes, mas vai além. “O mercado como um todo também está investindo em novas frentes e apostando no desenvolvimento de medicamentos inovadores, que tenham como finalidade o tratamento de doenças mais complexas”, observa o executivo. 

Quem decide a troca?

Se a receita previr o medicamento de referência, como deve agir o farmacêutico: fornecer ao cliente apenas o prescrito pelo médico, sugerir um genérico ou indicar um similar? De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a decisão sobre qual medicamento utilizar e quais as alternativas de substituição é uma prerrogativa resultante da relação do médico, do farmacêutico e do paciente orientado. A legislação vigente não prevê a intercambialidade entre similar e genérico. Ambos são intercambiáveis ao medicamento de referência, conforme lista disponível no portal da Anvisa.

Autor: Marcelo de Valécio      

Rastreabilidade

Edição 272 - 2015-07-01 Rastreabilidade

Essa matéria faz parte da Edição 272 da Revista Guia da Farmácia.

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