Inverno exige cuidado redobrado

Órgãos são a porta de entrada dos vírus respiratórios que circulam com bastante intensidade no inverno

Na estação mais fria do ano, é comum que a população visite as farmácias e drogarias com mais frequência. O motivo? Comprar analgésicos, anti-inflamatórios, pastilhas, xaropes e até antibióticos que combatam as famosas “ites” (sufixo que significa inflamações) de ouvido, nariz e garganta.

Típicas do inverno, em decorrência do clima frio e seco associado à poluição dos grandes centros urbanos, as doenças das vias aéreas superiores são, na maioria das vezes, causadas por vírus, que costumam circular com mais frequência e sobreviver por mais tempo nesta estação climática, “especialmente porque as pessoas ficam muito próximas umas das outras em ambientes fechados e sem ventilação”, explica a pneumologista pediátrica do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo (SP), Dra. Maria Helena Bussamra.

“A garganta e o nariz fazem parte do sistema de defesa do organismo, logo, são a porta de entrada dos vírus e bactérias. Além disso, ouvido, nariz e garganta são interligados por pequenos canais, por isso, quando um é afetado, os outros também podem incomodar o paciente e até serem atingidos pelo mesmo vírus.”

Em determinado casos, a infecção pode acabar facilitando a invasão de bactérias, já que, por conta do corpo debilitado, há uma redução das defesas do organismo, alerta a especialista.

“No caso das crianças menores de dois anos de idade, isso é mais comum, já que seu sistema imunológico ainda é imaturo e elas não sabem expelir o muco, que acaba se acumulando nas vias aéreas superiores, criando o ambiente propício para a instalação das bactérias.”

As principais doenças na região da garganta são chamadas de faringite, laringite e amigdalite. Como o próprio nome sugere, os vírus ou a bactéria atacam faringe, laringe e amígdalas, respectivamente.

Além de causarem dor no local, o paciente pode apresentar tosse, mal-estar e febre, cita o otorrinolaringologista do Hospital Santa Catarina, em São Paulo (SP), Dr. José Carlos Burlamaqui.

“Alguns sintomas diferenciam a infecção. Na amigdalite e faringite, o acometido tende a sentir dor durante a deglutição. Por outro lado, na laringite, o vírus costuma atingir as cordas vocais, podendo alterar a voz e causar rouquidão.”

O médico acrescenta que a presença de pus na região da garganta não significa que a doença é necessariamente bacteriana, por isso a importância da avaliação médica antes de iniciar qualquer tipo de tratamento.

“Na maioria dos casos, os quadros são causados por vírus e duram entre quatro a sete dias. Dessa forma, o tratamento envolve muita hidratação e limpeza nasal com solução salina para fluidificar as secreções e, quando necessário, o uso de analgésicos e antitérmicos, como ibuprofeno, dipirona e paracetamol, para aliviar os sintomas.”

O Dr. Burlamaqui adverte que se o quadro viral se prolongar por muitos dias e o paciente apresentar febre alta e muito mal-estar, a infecção pode ter evoluído para bacteriana e, “neste caso, o tratamento envolve o uso de antibiótico”, garante.

O mesmo pode acontecer com o ouvido. Conhecida como otite média aguda, a inflamação é mais comum em crianças pela própria anatomia do crânio, que é menor e facilita a ligação com a garganta, e pela dificuldade de drenar a secreção. Segundo a Dra. Maria Helena, o acúmulo de muco pode atingir a tuba auditiva, facilitando a instalação do vírus.

“Além disso, sabe-se também que a otite costuma ser uma doença familiar. Se os pais sofreram com essa dor na infância, é bem possível que os filhos também apresentem o problema.”

Tome nota!

Em 2010, o Brasil alterou as regras para a venda de antibióticos, que passou a ser realizada mediante a retenção da receita médica, por isso, é imprescindível que a prescrição chegue à farmácia em duas vias: uma para o estabelecimento e a outra para o consumidor.

De acordo com a infectologista, professora da disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dra. Ana Cristina Gales, educar a população para o consumo consciente de antibióticos inclui esclarecer dúvidas sobre a posologia, o tempo de prescrição, o horário das doses, a validade do produto e o descarte correto.

“Alguns antibióticos são comercializados em pó e precisam ser reconstituídos com água filtrada ou fervida. Neste caso, é fundamental que o consumidor siga as orientações da embalagem corretamente, observe como o produto deve ser armazenado, em temperatura ambiente ou na geladeira, e qual é sua validade. Alguns antibióticos precisam ser descartados em um prazo de sete dias.”

A médica acrescenta que respeitar os horários, a quantidade administrada e o período do tratamento à risca, mesmo quando os sintomas já desapareceram, significa manter a concentração do antibiótico no sangue para obter sucesso total no tratamento.

“Quanto menor o tempo de uso, menos condições para a multiplicação das bactérias resistentes. Como normalmente elas sofrem mutações, podem se tornar imunes aos antibióticos.”

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso inadequado ou excessivo dessas medicações, bem como seu emprego na criação de animais, faz com que a resistência bacteriana ocorra de forma mais acelerada.

A infectologista alerta que “70% do uso de antibiótico é empregado na criação de animais e na agricultura”, por isso a necessidade do consumo consciente não só nos humanos.

Sobre os sintomas mais comuns da otite média aguda, o otorrinolaringologista cita dor de ouvido, febre alta, diminuição da audição e até saída de pus. “Na maioria das vezes, o quadro é viral e também pode evoluir para uma infecção bacteriana”, esclarece ele.

Para tentar prevenir as infecções das vias aéreas superiores, o médico do Hospital Santa Catarina orienta manter a carteira de vacinação sempre em dia, lavar as mãos com frequência, carregar álcool em gel na bolsa, fazer a limpeza nasal com solução salina diariamente e, especialmente para a população da cidade de São Paulo, “usar umidificador em casa porque a umidade relativa do ar fica muito seca nesta época do ano, quase comparada ao deserto”, avisa.

Combate à dor

Seja para combater a infecção na garganta ou no ouvido, o uso de antibiótico só deve ser feito quando a doença for causada por bactérias. Embora não se tenha um método de diagnóstico eficaz para detectar infecções bacterianas em vias aéreas superiores, a infectologista, professora da disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dra. Ana Cristina Gales, garante que o médico é capacitado para diferenciar o quadro viral e o bacteriano.

“No caso da garganta, existe um teste rápido realizado em grandes hospitais ou até em consultório médico para detectar se há presença do estreptococo do grupo A, uma bactéria muito comum e altamente contagiosa, que se espalha pelo ar quando a pessoa infectada tosse ou espirra sem colocar as mãos na frente da boca.”

“Entretanto, nem todo especialista tem a possibilidade de realizar esse teste, por isso, na maioria das vezes, o diagnóstico costuma ser apenas clínico”, acrescenta ela.

Cinco dicas para orientação do uso correto do antibiótico

Com foco no combate à resistência bacteriana, a indústria farmacêutica Pfizer tem uma campanha global chamada “Pequenas Ações Salvarão Milhões de Vidas”. No Brasil, a ação tem como objetivo orientar as práticas domésticas que podem auxiliar no consumo adequado de antibióticos. Confira as dicas que todo farmacêutico pode dar ao consumidor!

1 – O antibiótico deve ser tomado rigorosamente de acordo com a receita médica, respeitando o número de dias e o tempo de intervalo entre as doses. Suspender a medicação pode facilitar a resistência bacteriana, e prolongar o tratamento também é contraindicado.

2 – Antibióticos ministrados juntamente com pílula anticoncepcional pode cortar o efeito do contraceptivo. Quanto ao consumo de álcool, além de sobrecarregar o fígado, seu efeito diurético pode reduzir a concentração do medicamento no sangue.

3 – Partir um medicamento ao meio pode alterar sua dosagem, prejudicando o tratamento. Se o paciente tem dificuldade com comprimidos, é preciso pedir ao médico uma alternativa, como o antibiótico líquido.

4 – Não descartar a medicação na pia, no lixo ou vaso sanitário. Esses resíduos, quando em contato com bactérias do solo, dos rios e mares, podem favorecer o aparecimento de microrganismos resistentes. Procurar farmácias e postos que ofereçam programas de coleta.

5 – Nunca aproveitar antibióticos que tenham sobrado em prescrições anteriores.

Uma vez confirmada a presença da bactéria, o uso de antibiótico torna-se fundamental para a resolução da doença. Em geral, nas infecções das vias aéreas superiores, consideradas leves e moderadas, recomenda-se o uso do medicamento oral (líquido, comprimido ou cápsula). “O antibiótico via intramuscular e endovenosa só é prescrito em quadros graves, já que atinge o local da infecção de forma mais rápida.”

De uma maneira bem simplista, conforme ressaltou a Dra. Ana Cristina, o antibiótico atua nas etapas do ciclo de vida da bactéria, “interrompendo a síntese proteica ou impedindo a multiplicação do DNA bacteriano”, explica a infectologista.

“Hoje em dia, já sabemos por meio de estudos que quanto menor o tempo de uso do antibiótico, menor a chance da multiplicação das bactérias resistentes, um problema muito grave no mundo inteiro.”

Sobre o uso combinado de antibiótico com anti-inflamatório, os especialistas ouvidos nesta reportagem garantem que não é mais uma prática usual, já que “o anti-inflamatório costuma causar muitos efeitos colaterais, como dor de estômago e problemas nos rins”, adverte a infectologista.

Foto: Shutterstock

Conhecimento é Tudo!

Edição 319 - 2019-06-06 Conhecimento é Tudo!

Essa matéria faz parte da Edição 319 da Revista Guia da Farmácia.