As mudanças nas leis trabalhistas

Entenda quais alterações o governo Temer pode fazer nas leis trabalhistas e como elas devem impactar o varejo, caso sejam aprovadas este ano

Em seu primeiro pronunciamento em rede nacional como presidente da República, Michel Temer defendeu a necessidade de promover mudanças na legislação trabalhista. Mesmo sem que qualquer proposta formal tenha sido devidamente protocolada, o tema ganhou os noticiários, estampou as manchetes dos jornais e virou um dos assuntos mais comentados nas mídias sociais.

Um dos pontos que geraram mais polêmica foi a possibilidade de um aumento na jornada de trabalho que, segundo anunciado por alguns veículos, passaria de oito para 12 horas.

Para o advogado especialista em Direito Empresarial e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, mestrando em Direito e professor universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Pedro Henrique Abreu Benatto, é preciso ter cautela com as especulações em torno das possíveis mudanças.

“O que se tem de informação sobre tal assunto é o que está sendo veiculado pela mídia, entre uma entrevista e outra, e até mesmo nestas entrevistas não se pode extrair algo de concreto, pois ora representantes do governo falam uma coisa, ora falam outra. Ora dizem que a jornada poderá ser de 12 horas diárias, respeitado o limite de 44 horas semanais, ora a notícia diz que serão 48 horas semanais”, diz.

Em meio às informações desencontradas, há um consenso a respeito da principal intenção do governo: flexibilizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O regime trabalhista brasileiro ainda opera com regras criadas em 1943 e precisaria ser ajustado, considerando inúmeras mudanças ocorridas nas últimas décadas em relação à forma de contratação, ao modelo de serviços prestados, ao avanço da tecnologia e da informatização.

Ao levar em consideração as novas relações de trabalho, o governo acredita ser necessário rever o número de horas trabalhadas. Há modelos de varejo, por exemplo, em que o movimento aos fins de semana é muito maior do que às segundas-feiras. Então, por que não permitir que, aos sábados, os funcionários trabalhem doze horas e, no primeiro dia da semana, façam uma jornada reduzida, para compensar?

“Não se trata de uma mudança generalizada, aplicável a todos os empregados. O que a alteração busca é viabilizar que seja possível fixar uma jornada diferente daquela prevista na CLT, considerando as necessidades específicas da empresa e as condições dos trabalhadores”, explica o sócio diretor da Nahas Advogados, Dr. Rodrigo Bruno Nahas.

Para que essa flexibilização da jornada de trabalho seja possível, as normas previstas na Convenção Coletiva do Trabalho (CCT) e/ou os Acordos Coletivos do Trabalho (ACTs) – acordo celebrado entre o Sindicato dos Trabalhadores com uma empresa específica –, teriam de prevalecer sobre as regras da CLT, desde que observada a Constituição Federal e as normas das Organizações Internacionais do Trabalho (OIT).

“O que se tem de informação sobre tal assunto é o que está sendo veiculado pela mídia, entre uma entrevista e outra, e até mesmo nestas entrevistas não se pode extrair algo de concreto, pois ora representantes do governo falam uma coisa, ora falam outra. Ora dizem que a jornada poderá ser de 12 horas diárias, respeitado o limite de 44 horas semanais, ora a notícia diz que serão 48 horas semanais”

“É justamente nesse ponto que entramos na discussão sobre a possibilidade de a jornada de trabalho ser elevada de oito horas diárias para 12 horas. Caso a CCT ou o ACT venha a estabelecer que a distribuição das horas trabalhadas será diversa das oito horas diárias, esse modelo de contratação não será considerado ilegal. O que se deve deixar claro é a finalidade de cada norma. A CLT visa regulamentar todos os empregados. Já a CCT e o ACT têm como finalidade regulamentar as condições dos trabalhadores de uma determinada categoria ou segmento de atividade, pois se encontram mais próximos da realidade e necessidade dos trabalhadores de uma empresa”, detalha o Dr. Nahas.

Demais alterações

Além da flexibilização das horas trabalhadas, o governo também sinalizou que poderá promover outras mudanças, como a possibilidade de terceirizar atividades-fim de uma empresa. Atualmente, isso só é possível nos ramos de conservação, vigilância e serviços especializados.

Outra alteração prevista é a permanência do Programa de Proteção ao Empregado (PPE), criado para ter vigência até 31 de dezembro deste ano, com o objetivo de manter a empresa ativa durante o momento de crise do País, por meio de alguns recursos, como a redução da jornada de trabalho e redução do salário em até 30%, sem que isto seja considerado ilegal.

De acordo com o Dr. Nahas, caso essas mudanças sejam concretizadas, os trabalhadores devem sentir o impacto. “Ocorrendo a terceirização nas atividades-fim, o que pode acontecer é uma redução drástica de empregados registrados como celetistas. Já a manutenção do PPE estará protegendo ainda mais o empregado, pois restringe o direito de dispensar o trabalhador durante sua vigência, desde que com ajustes nas condições de trabalho”, explica.

Possíveis consequências

No discurso em que anunciou a intenção de promover mudanças nas leis trabalhistas, Temer afirmou que a iniciativa seria uma das soluções para reverter o quadro de 12 milhões de desempregados e mais de 170 bilhões de déficit nas contas públicas.

“Temos de modernizar a legislação trabalhista, para garantir os atuais e gerar novos empregos. O Estado brasileiro precisa ser ágil. Precisa apoiar o trabalhador, o empreendedor e o produtor rural”, disse.

Atualmente, um trabalhador celetista com salário de R$ 1 mil custa R$ 528,89 a mais ao empregador. No entanto, Benatto ressalta que boa parte desse encargo, na verdade, não possui natureza trabalhista, mas, sim, tributária. “Os encargos, como contribuição previdenciária, contribuição para o chamado Sistema ‘S’ – conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais –, entre outros, fazem a folha de pagamento pesar consideravelmente para o empregador.”

Com as propostas noticiadas, os encargos de origem trabalhista, em tese, não seriam alterados. O empregador seria beneficiado com a flexibilização de alguns direitos que possibilitariam a redução do quadro de funcionários, a exemplo de permitir a extensão da jornada de trabalho de um colaborador para 12 horas diárias, sendo possível desligar outros funcionários que atuavam em horários anteriormente diversos.

CLT X Terceirizado X Pessoa Jurídica

Na contratação de um empregado celetista e de um trabalhador terceirizado, os direitos trabalhistas são os mesmos. A diferença é que, no caso do empregado celetista, quem arca com os custos empregatícios é o empregador, enquanto que, no caso de trabalhador terceirizado, é a empresa que presta serviço de terceirização que arca com as despesas.

Já na contratação de uma Pessoa Jurídica, o prestador de serviço não possui direitos trabalhistas, logo o custo é menor. O tomador paga pelo serviço prestado sem qualquer vínculo de continuidade com o trabalhador.

Já em relação à geração de emprego, há quem discorde. “Não é possível imaginar onde estender uma jornada para 12 horas diárias ajudaria no aumento da empregabilidade. Imagine uma empresa onde existam jornadas de seis horas diárias e o empregador necessita de dois funcionários para cobrir a demanda. Sendo permitido estender a jornada de um deles para 12 horas, o que acontecerá com o outro funcionário? O empregador manterá os dois trabalhando por 12 horas? Com certeza, não. Nesse simples cenário, o que se pode concluir é que a medida para ‘aumentar o emprego’ gerará um efeito contrário”, alerta.

Outro temor causado com o anúncio da intenção de promover mudanças nas leis trabalhistas foi a possível perda de direitos do trabalhador. De acordo com Benatto, isso não deve ocorrer, porém há um perigo à vista. “O que se pode extrair (da discussão sobre flexibilização) não é a retirada de tais direitos, mas, sim, permitir que todos os direitos existentes sejam objeto de negociação sindical, o que também é uma grande preocupação para a classe dos trabalhadores, principalmente diante do quadro de sindicatos existentes no País, que mais visam aos interesses dos seus dirigentes do que da categoria que representam.”

Ou seja, o direito a férias, 13º salário, previdência social, entre outros, serão mantidos, no entanto, poderão ser flexibilizados mediante negociação entre empregadores e sindicatos da categoria. Os acordos coletivos podem se sobrepor às regras da CLT, e algumas mudanças em relação a esses direitos podem ocorrer, como parcelamento do 13º salário, redução do horário de almoço, entre outros. Por enquanto, resta aos empregados e empregadores aguardarem que o governo apresente uma proposta formal de flexibilização, cuja expectativa é de que seja votada somente no segundo semestre deste ano.

Farmacêutico na mira

Edição 296 - 2017-07-01 Farmacêutico na mira

Essa matéria faz parte da Edição 296 da Revista Guia da Farmácia.