A colaboração entre indústria e varejo ganha cada vez mais força nos negócios, afinal, ao integrar dados e
insights, as empresas conseguem entender melhor as preferências dos clientes, personalizar ofertas, melhorar a experiência de compra, entre outros benefícios.
No varejo farmacêutico, o valor dessa estratégia pode se estender, por exemplo, para a área de Gerenciamento por Categorias (GC), trazendo soluções cada vez mais efetivas para a otimização do sortimento, ativação de categorias e melhor experiência de compra.
Para falar sobre o tema, entrevistamos, com exclusividade, o sócio na The Partnering Group (TPG), Julio Gomes. A empresa é criadora e precursora do GC e desempenha um papel crucial neste cenário, especialmente no setor farmacêutico, impulsionando a evolução e a aplicação dessa estratégia por meio de sua expertise, soluções inovadoras e metodologia colaborativa.
Acompanhe, a seguir, os principais momentos desta entrevista.
Guia da Farmácia • O seu trabalho, hoje, está muito atrelado com o conceito de colaboração entre indústria e varejo. Quando essa estratégia começou a ganhar forma de maneira global?
Julio Gomes • A colaboração entre indústria e varejo é central no meu trabalho e da minha carreira. Mas para entendermos melhor a evolução do Joint Business Plan (JBP), precisamos voltar um pouco mais no tempo, para a década de 1980. Naquela época, as relações entre indústria e varejo eram predominantemente transacionais e conflituosas, com cada lado buscando maximizar seus próprios ganhos. No entanto, a partir da década de 1990, com a ascensão de grandes redes varejistas, como Walmart e Carrefour, o jogo começou a mudar. Esses varejistas, com maior poder de compra e foco no consumidor final, passaram a exigir maior colaboração da indústria.
Nesse contexto, surgiu o Efficient Consumer Response (ECR), um movimento setorial que buscava eliminar ineficiências na cadeia de suprimentos e atender melhor às necessidades dos consumidores.
O JBP, como o conhecemos hoje, surgiu como uma evolução do ECR, incorporando elementos de planejamento estratégico e gestão por categorias. O JBP evoluiu de uma ferramenta para otimizar a cadeia de suprimentos para uma estratégia de criação de valor mútuo, impulsionada pela colaboração, inovação e orientação por dados.
Guia • E como está esse conceito de colaboração entre os setores no Brasil?
Gomes • Embora ainda em consolidação no nosso mercado, a busca por eficiência na cadeia de suprimentos, o crescimento do e-commerce e a crescente demanda por conveniência e personalização têm impulsionado a adoção de práticas colaborativas entre a indústria farmacêutica e as farmácias.
Por intermédio da troca de informações sobre tendências de compra e consumo, estoque e desempenho de produtos, indústria e varejo podem trabalhar em conjunto para otimizar o sortimento, o atendimento ao cliente e a efetividade comercial (vendas e lucratividade).
Precisamos adaptar os modelos de colaboração à realidade do mercado farmacêutico brasileiro. As particularidades do setor, como a legislação específica e a presença de diferentes canais de venda (farmácias independentes, redes de farmácias e drogarias), exigem flexibilidade e adaptação nas estratégias de colaboração, porque os desafios e temas são mais amplos do que o do varejo alimentar (adesão ao tratamento, acesso, etc.).
Apesar dos desafios, como a resistência cultural e a falta de maturidade em algumas empresas, a tendência é de que a colaboração entre indústria e varejo no Brasil continue a se fortalecer, impulsionada por fatores como a busca por eficiência, o crescimento do e-commerce e a demanda por soluções personalizadas.
Guia • Quando falamos em colaboração, ouvimos falar nas siglas JBP e JVC (Joint Value Creation). Poderia explicar as diferenças entre esses conceitos?
Gomes • O JBP, ou Plano de Negócios Conjunto, é um processo estruturado de planejamento colaborativo entre a indústria e o varejo, que visa criar um plano de negócios unificado para alcançar objetivos comuns. O objetivo é otimizar o desempenho de categorias de produtos, aumentar vendas, melhorar a experiência do cliente e gerar eficiência na cadeia de suprimentos.
Já o JVC, ou Criação de Valor Conjunto, representa a criação de valor mútuo e sustentável para a indústria e o varejo por meio da colaboração. É o resultado de um JBP bem-sucedido, que vai além do planejamento e busca gerar valor em todas as etapas da cadeia de suprimentos, desde o desenvolvimento de produtos até a experiência de compra do consumidor final.
Em outras palavras, o JBP é o plano, o meio para alcançar o JVC (a estratégia), que é o resultado, o objetivo final da colaboração.
Guia • As empresas brasileiras estão preparadas para o nível de parceria e transparência que os modelos de JBP e JVC exigem?
Gomes • Ainda é comum encontrarmos uma cultura de competição entre indústria e varejo, o que pode dificultar a construção da confiança mútua essencial para um JBP/JVC bem-sucedido.
Além disso, muitas empresas ainda não possuem processos e ferramentas adequadas para o compartilhamento de informações e o planejamento colaborativo, o que pode ser um obstáculo para a implementação do JBP/JVC.
Outro desafio é a resistência à mudança, pois a implementação do JBP/JVC exige uma mudança na cultura e nos processos das empresas, o que pode gerar resistência interna.
A falta de tecnologia e infraestrutura adequadas para o compartilhamento de dados e a comunicação eficiente também pode ser um fator limitante. Por fim, a definição de métricas claras e o acompanhamento regular do desempenho ainda são desafios para muitas empresas.
Apesar dos desafios, a colaboração entre indústria e varejo oferece diversas oportunidades, como maior eficiência, redução de custos e aumento de vendas, tornando as empresas mais competitivas.
Além disso, permite que as empresas trabalhem juntas para oferecer uma experiência de compra mais completa e satisfatória aos clientes.
A colaboração também pode estimular a inovação e o desenvolvimento de novos produtos e serviços, e contribuir para a construção de um relacionamento mais sólido e duradouro entre indústria e varejo. As empresas brasileiras estão se adaptando aos modelos de JBP e JVC, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Guia • Como a colaboração entre indústria e varejo está relacionada aos novos conceitos de GC?
Gomes • A colaboração entre indústria e varejo está no centro dos novos conceitos de GC, representando uma mudança profunda na maneira como as empresas trabalham juntas para otimizar o desempenho das categorias e atender às necessidades dos consumidores.
O GC organiza as categorias de produtos como unidades estratégicas de negócios, com foco em atender às necessidades e expectativas dos clientes (shoppers). Ele exige uma análise profunda do mercado, dos consumidores e da concorrência, a fim de definir estratégias de sortimento, precificação, promoção e exposição de produtos que maximizem os resultados da categoria.
Ele é o motor que impulsiona o sucesso da categoria. As empresas passam a compartilhar informações,
insights e recursos, permitindo a tomada de decisões estratégicas conjuntas e a criação de uma visão unificada da categoria.
Aliás, esta abordagem colaborativa no GC evoluiu para um conceito omnicanalidade, integrando as estratégias em todos os canais de venda, tanto físicos quanto digitais.
A utilização de dados e as análises avançadas também têm se tornado cada vez mais importantes, permitindo uma gestão mais precisa e eficiente das categorias, com foco em personalização e otimização de resultados.
A colaboração entre a indústria e o varejo é essencial para o sucesso do GC nos dias de hoje. Essa colaboração permite que as empresas trabalhem juntas para otimizar o desempenho das categorias, atender às necessidades dos consumidores e impulsionar o crescimento do mercado, criando um círculo virtuoso de sucesso compartilhado.
Guia • Aliás, qual a importância que o TPG tem no cenário GC?
Gomes • Somos os criadores e precursores do GC e desempenhamos um papel crucial neste cenário, especialmente no setor farmacêutico, impulsionando a evolução e a aplicação dessa estratégia por meio de sua expertise, soluções inovadoras e metodologia colaborativa.
Recentemente, anunciamos uma aplicação da metodologia de GC para Áreas Terapêuticas (um GC para prescrição) que é uma das maiores inovações que estamos trazendo para o mercado brasileiro.
Guia • Qual a análise do TPG sobre as farmácias do País no conceito de colaboração e GC?
Gomes • Na nossa visão, as farmácias brasileiras demonstram uma crescente evolução nestes conceitos, principalmente pela busca por eficiência, influência e crescimento do e-commerce e necessidades dos shoppers. Mas ainda estamos num estágio básico.
O canal farma têm se mostrado cada vez mais receptivo à colaboração com a indústria, reconhecendo os benefícios mútuos que essa parceria pode gerar e demonstrando avanços no GC de forma colaborativa, impulsionadas pela necessidade de atender às expectativas dos shoppers e otimizar o desempenho das categorias.
A colaboração com a indústria tem permitido que as farmácias acessem informações e insights relevantes sobre o mercado, os shoppers e consumidores e as tendências das categorias, o que contribui para a tomada de decisões estratégicas mais eficazes.
No entanto, ainda existem desafios a serem superados, como a resistência cultural, a falta de maturidade em algumas empresas e o receio em compartilhar informações sensíveis.
A superação desses desafios permitirá que as farmácias brasileiras aproveitem ao máximo os benefícios desses conceitos.
Guia • Recentemente, o TPG apoia o Manual de Categorias Farma, realizado pelo Guia da Farmácia e Contento Comunicação, e que visa trazer uma solução ideal para diversas categorias do canal, considerando as perspectivas do varejo e da indústria. Na sua visão, qual a importância desse projeto?
Gomes • Nossa participação no Manual de Categorias nos proporcionou uma perspectiva única sobre a importância crucial desse projeto para o desenvolvimento do setor farmacêutico no Brasil.
O Manual, em sua essência, oferece um guia estratégico abrangente para farmácias de todos os portes e níveis de maturidade em GC. Ele consolida a importância da colaboração entre indústria e varejo, com o objetivo de profissionalizar o setor e impulsionar o crescimento sustentável do mercado.
Um dos grandes destaques do Manual é o seu caráter prático e acessível. Mesmo farmácias que ainda não implementaram o GC podem se beneficiar das informações e ferramentas disponibilizadas no Manual para iniciar sua jornada. O Manual oferece um passo a passo claro e conciso, com linguagem descomplicada e exemplos reais, que facilitam a compreensão e a aplicação dos conceitos.
Acredito que o Manual de Categorias Farma servirá como referência para o setor farmacêutico brasileiro, impulsionando a adoção do GC como ferramenta essencial para o crescimento e a profissionalização das farmácias. A colaboração entre indústria e varejo, consolidada no Manual, permitirá que o setor atinja um novo patamar de excelência, com foco na saúde e no bem-estar dos pacientes.
Fonte: Guia da Farmacia
Foto: The Partnering Group