O número de tabagistas está diminuindo em todo o mundo

Manter a população bem-informada é essencial para que os usuários tenham acesso a tratamentos e hábitos que os ajudem a acabar com o vício e ter uma vida mais saudável

Ele é causador do maior número de mortes evitáveis no mundo. Um terço da população mundial adulta, ou seja, aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas, são viciadas nele, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, 428 pessoas morrem por dia por causa dele. São perdidos R$ 56,9 bilhões a cada ano devido a despesas médicas e perda de produtividade. Do total de mortes que ocorrem no País, 12,6% são atribuíveis a ele, segundo um estudo feito pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). Não é difícil imaginar que o causador de todos esses problemas seja o cigarro.

Mas existem boas notícias sobre o tabagismo. Dados do estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 2017 (Vigitel) apontam que a frequência do consumo de tabaco entre os fumantes nas capitais brasileiras diminuiu 36%, entre 2006 e 2017.

Em 2016, o número total de fumantes era de 10,2%. Quando separada por gênero, a frequência de fumantes, em 2017, é maior no sexo masculino (13,2%) do que no feminino (7,5%). Se analisada por faixa etária, a ela é menor entre os adultos com 65 anos de idade ou mais (7,3%). Já as faixas etárias de 18 a 24 anos (8,5%) e de 35 a 44 anos (11,7%) apresentam um pequeno aumento em relação ao ano anterior, quando foram registrados 7,4% e 10%, respectivamente.

A frequência do hábito de fumar é maior entre os adultos com menor escolaridade (13,2%) e cai para 7,4% entre aqueles com 12 anos ou mais de estudo. O inquérito também revelou que entre as capitais com maior prevalência de fumantes estão Curitiba (15,6%), São Paulo (14,2%) e Porto Alegre (12,5%). Salvador foi a capital com menor prevalência de fumantes (4,1%).

“A história do tabagismo se confunde com a da cultura humana. No século passado, eram os homens que trabalhavam e assumiam todas as funções fora de casa. Eles tinham mais iniciativas sociais e o tabagismo era uma prerrogativa masculina. Mas isso vem mudando com a evolução da sociedade, ainda que os números não sejam iguais. Com o passar dos anos haverá, provavelmente, igualdade entre os gêneros, mas isso ainda é um resquício da sociedade”, contextualiza o cardiologista e coordenador médico do Pronto Atendimento do BP Mirante, Dr. Marcelo Sampaio.

Porém, o que faz alguém começar a fumar, se todos sabem que faz mal? Para o pneumologista da Unidade Referenciada Vergueiro do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Dr. Elie Fiss, a maior parte das pessoas experimenta o tabaco na adolescência, para se exibir para os amigos.

A idade média é de 16 anos e a maioria começa a fumar antes dos 19 anos de idade. Então até essa idade ou até os 21 anos, é preciso adotar muitas medidas para evitar que a pessoa comece a fumar e é necessário um investimento maior em auxílio para o tratamento do tabagismo.

Farmácias como pilar de ajuda

Os farmacêuticos têm um papel bastante importante no processo daqueles que desejam parar de fumar. Para isso, as farmácias e drogarias podem criar campanhas de prevenção e de orientação.
O objetivo é mostrar às pessoas que elas podem deixar de fumar. A farmácia oferece avaliação gratuita nos dias de campanha a fim de conhecer o hábito tabágico, o grau de dependência nicotínica, entre outras informações do paciente, e, após essa avaliação, orienta sobre opções de tratamento, diretamente na farmácia ou com auxílio médico.

As campanhas são válidas porque todas as pessoas sabem que o cigarro faz mal e que é importante parar de fumar, mas não sabem como fazer. Se o paciente estiver consciente dos benefícios de parar e estiver disposto a tentar, a farmácia o auxilia, desenhando um plano de tratamento e suporte que vai desde o uso de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs), como adesivos ou gomas de reposição nicotínica, até estratégias comportamentais para evitar recaídas.

Além disso, o fato de o farmacêutico ser acessível é um fator determinante. Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que menos de 10% dos fumantes conseguem ajuda profissional para deixar de fumar. O farmacêutico é para esse paciente a referência com quem contar desde a escolha do tratamento até o suporte durante os primeiros meses de cessação, que são os mais difíceis.

Normalmente, as farmácias escolhem o mês de maio para fazer as campanhas, por causa do Dia Mundial sem Tabaco, mas é possível realizá-las também em outras épocas, a critério da farmácia.

Fonte: coordenador do programa Assistência Farmacêutica da Associação Brasileira de Distribuição e Logística de Produtos Farmacêuticos (Abradilan), Cassyano Correr

O cigarro antigamente estava relacionado ao glamour, era visto na televisão como um hábito de pessoas ricas e bonitas. Ainda hoje o jovem quer parecer mais velho, imitar os pais ou outros adultos a sua volta. Por isso, a adolescência ainda é uma fase em que é preciso trabalhar muito para que o jovem não se inicie no tabagismo.

“Algumas ações já fizeram um grande serviço, como a proibição de propaganda na televisão, já que elas eram extremamente glamourosas. Outra ação importante foi a proibição do tabagismo em ambientes fechados e públicos”, revela ele.

Hoje, o ato de fumar tornou-se uma ação antissocial, já que as pessoas são divididas entre as que fumam ou não, em ambientes públicos. Antigamente, a área do fumante era a melhor dentro dos lugares; depois, isso se inverteu, e agora já não se pode fumar dentro de lugar algum.

Segundo a pesquisa Vigitel, se o custo do cigarro aumentasse 50% no País, essa seria uma das medidas mais efetivas para controlar o consumo de tabaco. Em dez anos, a ação poderia evitar 136.482 mortes, 507.451 infartos agudos do miocárdio e eventos cardíacos, 100.365 acidentes vasculares cerebrais (AVCs), 64.383 novos casos de cânceres e 4.076.353 anos de vida perdidos por morte ou incapacidade.

O vício do tabaco

O corpo é como se fosse uma casa com uma porta. As pessoas que não fumam mantêm essa casa com a porta fechada, e aquelas que fumam, vão abrindo a porta para as substâncias tóxicas.

“Essas substâncias, principalmente a nicotina, entram nessa casa (células) fazendo conexões com os receptores cerebrais, provocando dependência – primeiro psíquica e depois química. Então, ao parar de fumar, a pessoa se sente mal e tem sintomas de abstinência”, diz o Dr. Sampaio.

O grande problema, segundo o Dr. Fiss, é que a nicotina tem uma inalação muito rápida. Em menos de um segundo ela já atinge o cérebro. Lá, chega aos receptores nicotínicos e libera uma sensação de prazer e satisfação e acaba se tornando necessária ao organismo.

Para algumas pessoas, a nicotina consegue melhorar a tensão e a memória. Ela também tem um efeito antidepressivo. Porém, conforme o tempo passa, esses efeitos de bem-estar duram cada vez menos e o usuário precisa diminuir o intervalo entre um cigarro e outro.

“Quando uma pessoa para de fumar, ela precisa estar muito bem preparada psicologicamente, tem de estar com estabilidade emocional para evitar os sintomas da dependência. Entre os principais efeitos estão a exagerada vontade de buscar o fumo e a ansiedade. A partir daí o usuário tem sintomas físicos como taquicardia, elevação da pressão, suores e desconforto no peito. Tudo isso faz com que ele tente buscar o cigarro novamente. Mas os sintomas não evoluem, a abstinência dura de três a cinco minutos, volta mais tarde, mas tem uma certa estabilidade”, resume o cardiologista do BP Mirante.

Dados alarmantes

O cigarro mata 7 milhões de pessoas anualmente, o que corresponde a mais da metade dos usuários, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O tabagismo está associado a mais de 50 tipos de doenças. Entre elas estão:

  • Diversos tipos de câncer (pulmão, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo de útero, entre outros);
  • Doenças do aparelho respiratório (enfisema, bronquite crônica e asma);
  • Doenças cardiovasculares.

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, os fumantes vivem, em média, 10 anos menos que aqueles que não fumam.

O que acontece quando uma pessoa para de fumar?

20 minutos:

A frequência cardíaca e a pressão arterial voltam aos níveis normais.

48 horas:

As terminações nervosas começam a se regenerar. O olfato e o paladar melhoram.

2 semanas:

A função pulmonar começa a melhorar.

1 ano:

O risco de doença coronária cai para a metade.

5 anos:

O risco de ter um derrame é o mesmo de uma pessoa que nunca fumou.

10 anos:

O risco de morrer de câncer de pulmão cai para a metade em comparação com quem fuma.

Ao parar de fumar, a vida financeira da pessoa melhora:

Quem fuma um maço de cigarros por dia gasta em média R$ 240 por mês, considerando um custo de R$ 8. Por ano, o gasto médio sobe para R$ 2.880.

Com esse dinheiro, ela poderia:

  • Comprar uma passagem aérea para os Estados Unidos;
  • Pagar à vista o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);
  • Quitar uma parte do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU);
  • Ir mais ao cinema, teatro e shows.

Ajuda a parar de fumar, também, a dissociação de hábitos. Os usuários acostumam-se a tomar café e fumar, usar bebida alcoólica e fumar, almoçar e fumar logo em seguida, entre outros costumes. Tirar essa parte do vício é importante para que não se tenha desejos de uma maneira psicológica.

Existe certo comodismo, também, entre as pessoas que querem parar de fumar. O corpo humano não gosta de situações que são modificadas e trazem mal-estar. Quando a pessoa tenta parar de fumar, o cérebro diz: “não, eu preciso dessa substância, não pare”. Por isso, é um balanço entre a força de vontade e os elementos de estabilidade emocional versus a substância que está nos receptores.

“Não existe um uso seguro do cigarro. Ele pode causar cânceres, hipertensão, bronquite crônica, infarto, angina, doenças arteriais, entre outras. As mulheres que fumam têm maior incidência de embolia pulmonar, além de o cigarro causar complicações na gravidez, menopausa precoce, infertilidade, impotência sexual, osteoporose e úlcera no aparelho digestivo. O corpo todo fica prejudicado, além de ser óbvio que o pulmão seja o órgão com maior área de exposição”, alerta o pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Análise de dependência

Para saber se uma pessoa já está viciada, alguns testes podem ser feitos não só pelo médico, mas pelo próprio usuário. Um deles é chamado de Teste de Fagerström, que estima o grau de dependência da nicotina. De acordo com o médico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a partir de seis questões é possível entender um pouco melhor o vício. São elas:

1. Quanto tempo após acordar a pessoa fuma o seu primeiro cigarro:

a) Dentro de cinco minutos. (3 pontos)
b) Entre seis e 30 minutos. (2 pontos)
c) Entre 31 e 60 minutos. (1 ponto)
d) Após 60 minutos. (0 ponto)

2. A pessoa acha difícil não fumar em lugares proibidos como igrejas, bibliotecas, cinemas, ônibus, entre outros?

a) Não. (0 ponto)
b) Sim. (1 ponto)

3. O primeiro cigarro da manhã é o que mais proporciona satisfação?

a) Não. (0 ponto)
b) Sim. (1 ponto)

4. A pessoa fuma mais nas primeiras horas da manhã do que no resto do dia?

a) Não. (0 ponto)
b) Sim. (1 ponto)

5. A pessoa fuma mesmo quando está acamada por alguma doença?

a) Não. (0 ponto)
b) Sim. (1 ponto)

6. Quantos cigarros são fumados por dia?

a) Menos de 11. (0 ponto)
b) De 11 a 20. (1 ponto)
c) De 21 a 30. (2 pontos)
d) Mais de 30. (3 pontos)

Conforme a soma de resultados, a pessoa tem uma estimativa do nível do seu vício:

• 0 a 2 – Muito baixo
• 3 a 4 – Baixo
• 5 – Médio
• 6 a 7 – Elevado
• 8 a 10 – Muito elevado

“A pessoa que fuma um cigarro e em menos de uma hora quer fumar outro, está viciada. Esse desejo constante é a marca do vício. Existem pessoas que fumam uma vez por semana, outras uma vez a cada quinze dias. Normalmente, o vício é marcado pelo ato constante de buscar o cigarro e fumar”, contextualiza o Dr. Sampaio.

Para que o usuário abandone o vício, o primeiro passo é que ele tenha informação. As campanhas feitas por hospitais, entidades, Organizações não Governamentais (ONGs) e farmácias ajudam diretamente àqueles que buscam auxílio. Além disso, pode ser necessário um psicólogo e/ou psiquiatra para o apoio psicoemocional. Praticar esportes e adotar hábitos saudáveis e atividades de hobby e lazer também pode ser essencial na vida de quem decide parar de fumar.

Auxílio medicamentoso

Mas quem não consegue acabar com o vício sozinho conta com algumas opções terapêuticas medicamentosas. “Os medicamentos agem tentando substituir a nicotina por substâncias que são manipuladas quimicamente e podem ser interrompidas. Elas estabilizam a ansiedade e a vontade de fumar. Porém o medicamento mais efetivo tem uma taxa de sucesso de 35% a 40% – a ação bem-sucedida é a vontade própria de cada paciente”, comenta o cardiologista Dr. Sampaio.

São dois os exemplos de medicamentos: o adesivo, que faz a reposição da nicotina no corpo, e os chicletes de nicotina, que o paciente vai diminuindo a dosagem conforme diminui o número de chicletes. Existe, ainda, psicoterapia em grupo ou individual.

É importante que o fumante tenha a orientação correta antes de fazer uso desses medicamentos, pois eles têm outras ações e efeitos colaterais. É necessário, também, discutir opções, posologia, redução gradual do número de cigarros. As estatísticas revelam que quem interrompe o vício de forma bruta tem mais sucesso, mas é preciso ter equilíbrio. A interrupção gradual ajuda até certo estágio.

Existem diferentes pontos de vista para que uma pessoa possa considerar-se curada. Se ela não tem nenhuma vontade física de fumar, mesmo na presença de pessoas que fumam, é um bom sinal, por exemplo.

“Tem gente que vai considerar um ano sem fumar, outros, cinco anos, e assim por diante. Particularmente, eu acho que não pode falar nunca em cura. Deve ser considerado que o indivíduo está sem fumar. Mas, aos poucos, o fumante para de sentir vontade, começa a ter vontade de maneira mais espaçada e essa vontade passa cada vez mais rápido”, resume o Dr. Fiss.

Foto: Shutterstock

Contra o tabagismo

Edição 309 - 2018-08-01 Contra o tabagismo

Essa matéria faz parte da Edição 309 da Revista Guia da Farmácia.