Summit Inovação em Saúde: Tecnologias que salvam vidas

Summit Inovação em Saúde reuniu profissionais para debater novos recursos que aumentam o acesso, promovem maior qualidade de vida e se alinham com o novo comportamento dos pacientes

Atualmente, a tecnologia está presente em todas as esferas da vida em sociedade. Não poderia ser diferente nos cuidados com a saúde. São inúmeros recursos, ferramentas e aplicativos (apps) que podem ser utilizados para aumentar o acesso à saúde, melhorar a adesão a terapias, aprimorar a precisão dos diagnósticos e tornar mais assertiva a gestão dos negócios do setor. Para debater as novidades que devem causar impacto na área nos próximos anos, profissionais de tecnologia e da saúde se reuniram no Summit Inovação em Saúde, evento realizado pela Contento Comunicação em parceria com o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), com patrocínio do Guia da Farmácia e da Accera, na Digital House, em São Paulo (SP).

Já na abertura das palestras e debates, o diretor de inovação e assuntos tecnológicos do Sindusfarma, Jair Calixto, deixou claro o quanto considera importante trazer inovação tecnológica para o dia a dia do profissional do setor de saúde. “É muito fácil falar com engenheiros e técnicos sobre Tecnologia da Informação (TI); já para a área farmacêutica é mais complicado, pois temos que entender como tudo funciona, respeitar toda uma regulamentação. Há muitas aplicabilidades para a indústria farmacêutica e todas as demais áreas da saúde. Modelos tradicionais de negócio serão sepultados. Não é possível estancar a velocidade das mudanças; logo, é preciso acompanhar o ritmo. Quem for lento, ficará para trás”, destacou.

O primeiro passo para se inteirar das possibilidade tecnológicas para a área da saúde é entender o momento atual. Não há mais espaço para o uso do termo transformação digital. Isso porque o mundo não está atravessando um período de mudanças, ele já mudou. “Estamos na era da digitalização da informação, em que todas as velocidades de mudanças são mais rápidas, porque as informações são manipuláveis de maneira mais fácil”, afirmou o gerente de open innovation do Grupo Dasa, Thiago Julio, um dos palestrantes convidados.

Tentar estar a par das mudanças, ou melhor ainda, estar à frente delas, é fundamental para seguir relevante em qualquer mercado. “A tecnologia avança em velocidade exponencial, enquanto nosso dia a dia ainda é linear. Neste intervalo, está a disrupção. Você não consegue prever.”

Para onde estamos indo?

Para evitar que o setor de saúde fique para trás nas tendências e demandas atuais, é preciso conhecer as tecnologias que vêm ganhando espaço e devem modificar o modelo de negócios em saúde em âmbito global em um futuro próximo. De acordo com os especialistas convidados, existem alguns pontos que merecem maior atenção. São eles:

Medicina personalizada: nos primórdios da medicina, os diagnósticos e a prescrição de tratamentos eram dados por um indivíduo que detinha certo conhecimento e experiência no cuidado à saúde. Com o avanço da ciência, estudos clínicos realizados com grandes grupos populacionais passaram a servir de base para detectar o comportamento de uma doença ou definir a eficácia de uma terapia. Exames diagnósticos foram criados e passaram a utilizar parâmetros médicos para distinguir o que é saudável ou não. Agora, com mais um largo passo científico, o setor da saúde começa a trilhar um caminho de maior precisão, em que o diagnóstico, a indicação de tratamento e o acompanhamento posterior são feitos pensando no indivíduo e não mais em uma massa populacional com características semelhantes.

Muitas tecnologias já são realidade e devem ser aprimoradas nos próximos anos, como a imunoterapia, a terapia celular e o mapeamento genético. “A combinação de ciência com dados ajudou a compreender as doenças, a ponto de se começar a falar em cura do câncer. É um guarda-chuva gigante. Antes, a medicina era um misto de percepções apoiadas em exames padrão que trabalhavam com valores médios. Agora, será tudo voltado a cada indivíduo, para o histórico dele, para o seu DNA”, disse o diretor de inovação e gestão do conhecimento do Hospital Israelita Albert Einstein, Claudio Terra.

As pesquisas clínicas, que hoje demandam bilhões por ano das indústrias farmacêuticas em pesquisas globais de massa, também poderão ser simplificadas. Ferramentas digitais, como o Apple Watch, já permitem que cada indivíduo monitore uma série de parâmetros do seu organismo. Esse deve ser o futuro. “Realizar estudos de ampla escala é muito caro. Temos que mudar o jeito de fazê-los. Uma pessoa que coleta dados de si mesma coleta melhor do que em um centro multidados”, acredita o diretor de inovação e linhas de serviço da Optum Brasil, Felipe Rizzo.

Revolução digital: em 2013, somente 13% dos altos executivos falavam que inovação digital era importante para a indústria farmacêutica. Em 2015, esse número já havia saltado para 84%. O percentual ainda é baixo, considerando que a digitalização da saúde já é um processo em curso. “Para sobreviver, empresas de saúde vão ter que ser mais inovadoras, elas não têm outra escolha. O DNA do negócio e as formas como se enxerga a saúde vão ter que mudar. Se o mercado virar e você não fizer parte da realidade, vai ter que buscar um novo emprego. Uma vez que uma inovação pega tração, já fica muito difícil alcançá-la”, alertou o médico e fundador do Health Innova HUB, Fernando Cembranelli.

Quando se fala da digitalização da saúde, um dos pontos mais debatidos é a adoção de um prontuário eletrônico único para cada paciente. Assim, todo o histórico dele seria unificado em um mesmo documento, que poderia ser acessado por qualquer profissional de saúde e, inclusive, pelo paciente. Isso é possível com a construção de um banco de dados desestruturado e livre de códigos, onde informações sobre as condições do paciente, medicamentos que ele toma e exames anteriores estarão disponíveis e padronizadas.

Para garantir a segurança dos dados, já são consideradas algumas medidas possíveis. “O documento deverá ser editável apenas por players da saúde, quando necessário. E o sistema mantém registrado o responsável pela alteração. Somente pessoas capacitadas vão escrever sobre o que o paciente tem e o próprio doente não terá que contar de médico para médico seu histórico”, defendeu a sócia da HCO advogados, Ane Chang.

Atualmente, só 10% a 20% da população utiliza o sistema de saúde da forma esperada e condizente com seu estado clínico. Há quem use em excesso e quem use menos do que deveria. Todos os anos, varejo e indústria têm US$ 1 trilhão de perdas relacionadas apenas com a não aderência medicamentosa. Isso também pode ser resolvido por meio de soluções digitais, com o acompanhamento virtual de um profissional de saúde ao tratamento, esclarecimento de dúvidas por chat, entre outras possibilidades.

“A tecnologia e a inovação vêm para quebrar chatices, vem para transformar os processos que têm interação cansativa. O paciente acha difícil agendar um exame, por exemplo. Tem que fazer preparo, ficar de jejum. Precisamos achar ferramentas que facilitem isso e aumentem a adesão aos cuidados com a saúde. Tecnologia é só o meio”, reforçou o product owner que atua na VR Benefícios, Rômulo Aguiar.

CASES PRÁTICOS

A jornada de transformar a saúde por meio de conhecimento e tecnologia começou em 1990 para o cofundador & CEO da Pixeon, Roberto Cruz. Quando o computador ainda era uma invenção recente, ele ajudou a desenvolver um software para consultórios médicos que, ainda por meio de arquivos em disquete, ajudava a organizar os prontuários dos pacientes. Em seguida, a empresa promoveu a digitalização das chapas de raios-x e demais exames de imagem. Agora, trabalha no desenvolvimento de uma tecnologia capaz de auxiliar o médico na detecção de possíveis lesões de câncer em uma tomografia.

Hoje, a Pixeon tem dois mil clientes que utilizam ferramentas capazes de fazer a diferença na vida de mais de 40 milhões de pacientes por ano. Com a experiência de mais de quase três décadas no setor de tecnologia para saúde, Cruz não se arrepende de ter escolhido trilhar o caminho da inovação. “Estima-se que um empreendedor ganhe, ao longo da vida, de 30% a 50% menos do que um executivo. Mas o poder de transformar, de ver as coisas mudando, é o que me move.”

Pensamento semelhante é o que fez a sócia-fundadora da Fofuuu, startup da área de saúde e educação, Ligia Cardoso, a largar uma carreira promissora no mercado financeiro para se dedicar ao desenvolvimento de um software que utiliza recursos lúdicos para aumentar a adesão de crianças aos exercícios de fonoaudiologia. Dentro do consultório, a prática das atividades necessárias para o desenvolvimento da fala geralmente é realizada com sucesso. O problema é que o treino deve ser repetido em casa, nos demais dias da semana. Ao realizar pesquisas junto a entidades de fonoaudiologia, a Fofuuu levantou que 95% das crianças não fazem a repetição dos exercícios de maneira desejada e 95% dos pais não conseguem engajar os filhos na terapia.

Dessa dificuldade, nasceu a ideia de reinventar a experiência do tratamento. Com recursos de neurociência, inteligência artificial e reconhecimento de som, o app da Fofuuu busca engajar as crianças por meio de jogos. A fonoaudióloga pode personalizar o jogo de acordo com a necessidade de cada paciente, definindo quais sons devem ser trabalhados. “Lançado em abril, o app já teve mais de oito mil downloads e os usuários relatam um aumento de engajamento de 70% por parte das crianças”, comemora Ligia.

Ecossistema brasileiro

Apesar de já existirem iniciativas de sucesso, o ambiente de inovação no Brasil não é dos mais fáceis, quando comparado a outros países. No Vale do Silício, região perto de São Francisco, nos Estados Unidos, considerado berço da inovação no mundo, a mentalidade disruptiva é lei. Os profissionais que ali atuam não se conformam com o modelo atual das coisas. E eles têm apoio para pensar além do óbvio.

“Duas grandes universidades da região, Stanford e Berkley, são voltadas a formar pessoas interessadas em novos modelos de negócios. Além disso, há um investimento farto em novas ideias porque os empreendedores que já tiverem sucesso voltam a investir em startups da região. O dinheiro retroalimenta esse sistema de inovação”, descreveu o médico e sócio da I9MED Point of Care, Carlos Ballarati.

Já no Brasil, o cenário é bem diferente. Inovar ainda é difícil e o ecossistema é imaturo. “Existe dinheiro, mas faltam bons projetos. Além disso, somos avessos ao fracasso. O capital tem medo do risco e procura startups mais estruturadas. A educação falha e as universidades com mentalidade retrógrada fazem com que tenhamos pouca afinidade com a disrupção”, complementou o especialista.

Quando se trata de inovação em saúde, a dificuldade em inovar é ainda maior. Isso porque os profissionais do setor são treinados para minimizar riscos, enquanto que inovar funciona em lógica oposta. Trata-se de tentativa e erro. Além de combater essa mentalidade, é preciso ainda ficar atento às questões regulatórias que envolvem as novas tecnologias. De acordo com a advogada e gerente de produtos do Dr. Consulta, Lara Garcia, tecnicamente não há nenhuma lei que fale sobre telemedicina ou e-saúde, mas diversas entidades já se pronunciaram sobre o tema.

“Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento em que reconhece o mobile health como o futuro da saúde. Publicou também um pacote de estratégias com o passo a passo que os países deveriam seguir para inserir a tecnologia na saúde”, conta. Pelo menos 32 nações seguiram as recomendações e lançaram documentos com estratégias, inclusive o Brasil, que, em 2014, divulgou o documento Estratégia de e-saúde para o Brasil. “Ali, recomenda-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) incorpore o acompanhamento a distância para gestantes e doentes crônicos. Não é lei, nem política pública, é manifestação de vontade”, destacou Lara.

Mudança urgente

Através dos séculos, o mundo experimentou diversas eras de mudanças tecnológicas. A primeira delas foi no século XVIII, quando a mecanização à vapor foi adotada. “Agora, nos encontramos na 4ª revolução industrial, em que falamos de inteligência artificial, robótica, internet das coisas. Ainda não sabemos dizer onde tudo isso vai parar”, disse o sócio-diretor na Spi Integração, Élcio Brito.

Fato é que a mudança está em curso e o setor de saúde ainda se encontra estacionado. Mesmo as indústrias farmacêuticas, tidas como o setor que mais investe em Pesquisa e Desenvolvimento entre todos as áreas da economia, ainda não está se movimentando como deveria. De acordo com dados apresentados pelo diretor líder do time de consultoria em Operações e Indústria 4.0 da PwC Brasil, Rodrigo Damiano, apenas 7% das farmacêuticas são digital champions. ‘Uma parcela muito pequena trabalha com gestão de dados, cultura de inovação e soluções digitais. E nenhuma das que trabalham é brasileira.”

No varejo farmacêutico, a distância das novas tecnologias parece ser ainda maior. Muito porque o empresário acredita que investir em novos recursos é caro e uma realidade ainda muito distante. No entanto, os especialistas convidados pelo Summit Inovação em Saúde mostraram não ser necessário investir montantes vultosos em recursos mirabolantes.

Muitas vezes, mudanças simples em uma rotina que causa atrito na experiência com o consumidor é o suficiente para ser inovador. “Antes, era muito difícil romper barreiras de entrada em modelos de negócio tradicionais. Hoje, pequenas ideias vêm para fazer isso. O Nubank não criou o sistema financeiro, apenas eliminou a necessidade de um cartão de crédito físico”, pontuou o sócio da Quantum4 Soluções de Inovação Consultoria, José Duarte.

Relevância das iniciativas

Cabe ao varejista se informar, se abastecer do máximo de informações possíveis e filtrar aquelas que se encaixam na sua realidade. O publicitário e professor da ESPM, Cesar Bentim, responsável pela mediação dos debates do Summit Inovação em Saúde, acredita que eventos desse tipo são importantes para abrir a mente e fazer brotar ideias. “Tivemos aqui a visão de profissionais de diferentes áreas, o que nos permitiu ter um panorama amplo do que é tecnologia em saúde. Agora, é preciso refletir, debater com os colegas e focar no que pode ser feito efetivamente, senão a inovação fica etérea”, provocou.

Independentemente do tamanho da inovação, ficou claro, ao final do debate, que o paciente deve ser o grande beneficiado pelos avanços tecnológicos. “A gente tem que entrar na vida das pessoas, e não fazer as pessoas saírem da vida delas para entrarem no nosso aplicativo”, pediu a médica e fundadora da LifeDoc, Andressa Gulin.

Números da IQVIA mostram que o paciente brasileiro já indica que caminho deseja seguir quando se trata de cuidados pessoais. “Uma em cada vinte pesquisas feitas no Google é a respeito de saúde. Mais de 60% das pessoas monitoram seus problemas de saúde e 60% se medicam antes de ir ao médico. O paciente está mudando e está se tornando mais ‘inteligente em saúde”, revela o gerente sênior de marketing Consumer Health Care no Brasil da IQVIA, Rodrigo Kurata.

Esse movimento de se tornar mais responsável e interessado pela própria saúde vem do avanço da tecnologia. Com um celular em mãos, o paciente tem acesso a uma série de informações que antes eram restritas ao médico. “É preciso avaliar a mudança de comportamento desse cliente. Precisamos buscar hipereficiência, desmaterialização para democratizar e personalizar”, afirma o CEO e fundador da GROW +, Paulo Beck.

Para alcançar essas novas demandas do consumidor, o profissional do setor farmacêutico precisa estar mais aberto às novidades e observar o que já está sendo feito em outros setores e que pode ser aplicado na sua realidade. “Em viagens e missões internacionais que fiz, percebi que o setor farmacêutico está um pouco distante dessa inovação e está correndo o risco de sofrer com disrupções, principalmente o varejo, que lida diretamente com o consumidor final”, comentou o diretor da Contento Comunicação, Gustavo Godoy.

Para aproximar o setor das práticas que já estão ocorrendo em outros campos, surgiu a ideia de criar o Summit Inovação em Saúde. “É preciso aproximar o setor farmacêutico dos outros ecossistemas e estar muito atento ao comportamento do consumidor. Entre todos os estabelecimentos de saúde, a farmácia é o que o paciente mais visita ao longo de sua vida e pode se proporcionar muito mais em serviço e inovação. Existem diversas formas de integração onde todos podem ganhar muito com isso. Estamos num momento de realizar essa transformação”, finalizou o executivo.

Tecnologia aplicada ao varejo

Edição 310 - 2018-09-01 Tecnologia aplicada ao varejo

Essa matéria faz parte da Edição 310 da Revista Guia da Farmácia.