Terceira idade mudará mercado

Envelhecimento da população implica em muitos desafios, mas faz elevar a renda do País e cria oportunidades a quem atua com o consumidor sênior

A população brasileira está vivendo cada vez mais. Neste ano, a expectativa de vida ao nascer subiu para 75 anos, um acréscimo de 3,7 anos em uma década. Se comparado aos últimos quinze anos, o aumento é de seis anos.

“Longevidade pode ser apontada com uma das maiores conquistas dos últimos cem anos no País”, afirma o presidente do Centro Internacional de Longevidade (ILC, na sigla em inglês), Alexandre Kalache. Para se ter ideia, em 1900, a expectativa de vida do brasileiro era de 33 anos. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que estima em 77,8 anos a expectativa de vida do brasileiro em 2025 e de 81,2 anos em 2060.

Atualmente, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos atinge 12% da população total do País, que é de 201 milhões de habitantes, representando, portanto, cerca de 24 milhões de pessoas, contingente que supera a população do Chile (18 milhões de habitantes).

Enquanto, em 1940, os idosos correspondiam a 4% da população brasileira, em 2025, esse contingente representará 16% do total de habitantes ou 35,4 milhões de pessoas. Desse grupo, perto de 6 milhões serão de pessoas “muito idosas”, aquelas com mais de 80 anos.

Enquanto isso, os números da população mais jovem têm caído seguidamente nas últimas décadas, tendência que deve se manter nos próximos anos. Em 2000, 30% da população tinha menos de 14 anos (52 milhões de pessoas), passando para 23% neste ano (47 milhões), devendo atingir 19% (41 milhões) em 2025 e não passando de 13% em 2060 (28 milhões).

Em 2010, de acordo com o IBGE, o Brasil registrou pela primeira vez o contingente de crianças menor do que a de idosos: contabilizou 13,8 milhões de crianças de até 4 anos contra 14 milhões de pessoas com mais de 65 anos. Isso se explica também pela variação na taxa de fecundidade. Se no começo dos anos 1960 a mulher brasileira tinha mais de seis filhos, atualmente tem menos de dois, devendo chegar a 1,5 em 2020, abaixo, portanto, do nível de reposição das gerações.

Conforme estimativas do IBGE, a partir de 2042, o número absoluto da população brasileira deve começar a cair. A população que se mantém mais estável em termos proporcionais é a de jovens e adultos (entre 15 e 60 anos), que representava 28% do total (49 milhões) em 2000, passou para 25% (51 milhões) neste ano e deve chegar a 22% (49 milhões) em 2025. Contudo, se forem somados os maiores de 50 anos, o contingente de mais velhos representa, hoje em dia, 38% da população.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que existem, atualmente, no mundo, perto de 800 milhões de pessoas com mais de 60 anos. E projeções da entidade indicam que esse contingente populacional deve atingir 2 bilhões de pessoas em 2050, o que representará 25% do total de habitantes do planeta. Ou seja, uma pessoa em cada cinco será idosa nos próximos 35 anos.

Nesse período, o mundo deverá ter mais pessoas com idade superior a 60 anos do que menores de 15. No Brasil, essa mudança é esperada antes, em meados de 2030. Poucos países terão uma inflexão no perfil populacional tão rápido quanto o nosso. A se confirmarem os números, em 2050, o País será o nono em número de idosos no mundo – hoje ocupa a 15ª posição. Em pouco mais de três décadas, o Brasil passará por uma mudança que a França levou um tempo quatro vezes maior para chegar e terá um contingente de idosos semelhante ao que Japão, Itália e Alemanha, países com mais idosos no mundo, têm hoje.

Screen Shot 2015 06 24 at 4.40.59 PM

Boa parte das causas para o envelhecimento da população é reflexo das políticas públicas de saúde preventiva, como as campanhas de vacinação que, no caso do Brasil, contribuíram para que a mortalidade infantil caísse de 20 por mil nascidos em 2000 para 14 por mil neste ano, devendo chegar a 11 por mil em 2015, segundo levantamento do IBGE.

Outro fator de destaque se deve, principalmente, aos avanços da medicina moderna que permitem melhores condições de saúde à população com idade mais avançada, fato que se repete em vários países. Mas a longevidade rápida traz desafios importantes para o País.

De acordo com Kalache, que dirigiu o programa de envelhecimento da OMS, o País avançou na distribuição de medicamentos, como as drogas para doenças crônicas (diabetes e hipertensão), o que tem contribuído para a longevidade, mas as necessidades do público idoso serão um desafio para ser atendido.

“O Brasil está envelhecendo com grandes dificuldades socioeconômicas. Já os países desenvolvidos enriqueceram antes de envelhecer”, afirma Kalache. “O Canadá tem o dobro de idosos que o Brasil, mas lá os grandes problemas de infraestrutura, educação e saúde foram resolvidos, enquanto aqui, não. Além disso, envelhecemos muito rápido. Se hoje o Canadá tem 24% de idosos, em 2050, terá 30%. Já o Brasil parte de 12% para 30%, no mesmo período. Se a longevidade não for planejada adequadamente, teremos problemas sociais imensos nos próximos 50 anos.”

Para a consultora especializada em varejo farmacêutico, Silvia Osso, o rápido envelhecimento da população terá impacto sobre as perspectivas de crescimento econômico, devido à força de trabalho reduzida. “As despesas públicas relacionadas à idade serão aumentadas fortemente e o governo ainda não tomou providência, nem tem estudos avançados para enfrentar este desafio”, frisa Silvia.

Rota alterada

O envelhecimento da população do Brasil forçará o País a buscar uma adequação das políticas públicas voltadas para o idoso. “E terá de ser uma providência urgente, porque o processo de envelhecimento está acontecendo num ritmo acelerado”, sustenta o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João. “É uma transformação socioeconômica profunda, que está levando o Brasil a deixar de ser um País relativamente jovem para abrigar uma população predominantemente idosa. Isso é muito complexo e reflete em todas as áreas.”

Autoridades sanitárias no mundo inteiro, e no Brasil não seria diferente, estão preocupadas com a crescente expectativa de vida das populações, porque ela representa um custo sanitário elevado. “Seguramente, os idosos demandarão mais serviços médicos e consumirão mais medicamentos. Para se ter ideia do tamanho do problema, basta dizer que, no Brasil, há aproximadamente 10 milhões de diabéticos. Desses, 50% não estão diagnosticados. Dos pacientes diagnosticados, grande parte não inicia o tratamento. Dos que iniciam o tratamento, muitos o abandonam. Além disso, dos pacientes em tratamento, menos de 20% alcançam um controle glicêmico adequado. Idosos, em grande parte, têm problemas crônicos e degenerativos”, explica o presidente do CFF.

Responsabilidade compartilhada

Outro problema é quem vai cuidar dos mais velhos. Em 20 anos, o número de idosos vivendo sozinhos mais que triplicou no Brasil, passando de 1,1 milhão, em 1992, para 3,7 milhões em 2012.

“O Brasil está fazendo muito pouco para dar suporte à população idosa”, afirma o sócio diretor da Right at Home, empresa norte-americana de cuidados em domicílio, Eduardo Chvaicer. “Não temos sequer uma boa infraestrutura hospitalar e de atendimento básico de saúde, quanto mais serviços públicos de cuidadores”, observa Chvaicer, lembrando que, no Brasil, a profissão de cuidador de idosos não é regulamentada. “Existem vários projetos de lei para resolver isso, mas todos estão ainda distantes de ser aprovados. Com isso, não existem normas, por exemplo, quanto à qualificação desses cuidadores, desde os que exercem atividade remunerada até os cuidadores familiares.”

Screen Shot 2015 06 24 at 4.51.29 PM

Em países, como Canadá, Inglaterra e Japão, destaca Chvaicer, os governos possuem políticas públicas que fornecem serviços de cuidadores profissionais aos idosos ou oferecem remuneração ao familiar que se encarrega de cuidar de um idoso. “Já no Brasil, o serviço profissional de cuidadores tem de ser totalmente pago pelas famílias, sem qualquer auxílio do governo, nem mesmo dos planos de saúde. Precisamos, portanto, de políticas públicas que regulem a profissão, maior infraestrutura – casas de repouso e instituições de longa permanência, e até mesmo uma melhor conservação das vias públicas, hoje uma grande causa de acidentes entre os idosos”, finaliza.

Categorias Relevantes

Segundo o Global AgeWatch Index 2013, produzido pela Organização Não Governamental (ONG) Help Age International, que luta pelos direitos dos idosos, o Brasil ocupa a 31ª posição no ranking dos países que oferecem melhor qualidade de vida e bem-estar a pessoas com mais de 60 anos. Os indicadores consideraram quatro áreas-chave: garantia de renda, saúde, emprego e educação e ambiente social. O Brasil obteve nota 58,9 e seu melhor desempenho foi na categoria garantia de renda, em que ocupou a 12ª posição, graças às transferências de renda implementadas pelo governo brasileiro, como forma de reduzir a desigualdade social. No entanto, no quesito emprego e educação para pessoas entre 55 e 64 anos empregadas, e o grau de instrução dos idosos, o País teve o seu pior desempenho, ficando em 68º lugar. Já nas categorias saúde e ambiente social, obteve as 41ª e 40ª colocações, respectivamente.

Mas não existem apenas idosos convalescentes ou dependentes no País. Boa parte da população acima de 60 anos no Brasil está bem mais ativa agora do que em décadas passadas. Muitos, inclusive, continuam trabalhando, não raro, sustentando suas famílias, o que é muito comum nas periferias das grandes cidades e em municípios do Nordeste.

“Mais idosos são o esteio da família hoje do que em décadas passadas e influem nas decisões de compra”, afirma o professor de estratégia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Franco Teixeira. Outros trabalham não porque precisam, mas por julgarem ter o que oferecer em termos profissionais. Fazem parte desse contingente profissionais liberais, executivos, especialistas, consultores.

Estudo do Instituto Data Popular indica que 25% dos idosos não vivem somente de aposentadoria, continuam trabalhando. Segundo o IBGE, quase 6 milhões das pessoas com mais de 60 anos trabalham, representando 30,9% do total. Mesmo na faixa com 70 anos, o percentual é significativo: 18,4% têm atividade remunerada. O total de pessoas com mais de 60 anos responde atualmente por 20% do consumo nacional, ou seja, um quinto da renda do País passa pelas mãos desse grupo. 

Segundo a FGV, esse montante praticamente dobrou em 23 anos – em 1992, o consumo dos idosos representava 10,8% da renda nacional. Vale lembrar que metade dos idosos tem poupança e quase 60% usam cartão de crédito, diz o estudo do Data Popular. Se forem incluídas as pessoas com mais de 50 anos na conta, o contingente salta para 38% da população e abocanha 40% da renda nacional, segundo levantamento da Nielsen.
Essa faixa da população desponta como novo filão de mercado para empresas de produtos e serviços, sobretudo os que estão nas faixas de renda mais altas. Com independência financeira, vontade de gastar e consciência sobre como e o que consumir, os idosos começam a chamar a atenção do mercado para a importância do atendimento personalizado e da fidelização.

Novo comportamento

Os idosos de hoje não são mais figuras que ficam apenas em casa vendo TV. Eles possuem vida ativa e são consumidores de quase tudo. O que precisam é de produtos e de atendimento de acordo com suas necessidades e limitações. É nesse ponto que há muito ainda a fazer.

De acordo com a analista de mercado da Nielsen, Mariana Morais, uma pesquisa global da instituição: A Melhor Idade – Estudo Realizado por Homescan Brasil – agosto 2013, revela que a maioria dos idosos se sente frustrada com a falta de conveniências de produtos e das lojas para facilitar sua experiência de compra. Mais da metade dos entrevistados da América Latina tem dificuldade para encontrar rótulos fáceis de ler (59%), informações nutricionais fáceis de entender (54%), embalagens com porções menores (54%) e embalagens de produtos fáceis de abrir (51%). Mais de 40% dos latino-americanos acreditam que as lojas de varejo não têm seções exclusivas para produtos voltados às necessidades dos idosos (45%), seções com caixas para deficientes físicos (43%) ou bancos para descansar (49%). Um em cada três entrevistados globais diz que varejistas não oferecem seções exclusivas de produtos voltados às necessidades dos consumidores mais idosos.

“Oportunidade com as preocupações básicas com esse público e investir em acessibilidade, como rampas, elevadores, iluminação da loja, seriam atitudes para melhorar a experiência de consumo dos mais velhos”, sugere Mariana.

Embalagens mais fáceis de abrir e rótulos que facilitem a leitura também são necessidades a ser atendidas, diz a especialista. Metade dos entrevistados ao redor do mundo afirma que é difícil encontrar rótulos de produtos que sejam fáceis de ler e 43% têm dificuldade para encontrar embalagens que sejam fáceis de abrir.

Outros dados da pesquisa Nielsen revelam que faltam produtos para atender às necessidades nutricionais específicas dos mais velhos. Mais de quatro em cada dez entrevistados não conseguem encontrar alimentos que satisfaçam necessidades especiais de alimentação (45%). Embalagens que contenham porções menores de alimentos (44%) ou que tragam informações nutricionais claras nas embalagens (43%) também são pontos não atendidos segundo os idosos entrevistados.

Com o gasto mundial de consumidores maduros projetado para atingir US$ 15 trilhões ao ano até o final desta década, de acordo com a consultoria norte-americana A.T. Kearney, este segmento crescente tem dinheiro e disposição para gastar. Segundo o IBGE, os idosos são responsáveis pela manutenção de 25% das casas no País e possuem potencial de consumo de R$ 7,5 bilhões, o dobro do da média nacional.

Algumas características fazem dos idosos um público especial na hora da compra. Eles são mais fiéis à tradição, têm pouca tolerância à demora e ao barulho e reagem extremamente bem à oferta de produtos que saciem suas necessidades. O idoso é um cliente que quer ser encantado por um diferencial. “A empresa que perceber isso e transformar em ação vai se sair melhor com esse público”, afirma Teixeira.
Uma loja que ofereça facilidade no carregamento da cesta de compras, auxiliando desde sua entrada até a colocação dos produtos no carro, certamente terá a preferência desse público, mesmo que cobre preços mais altos que seus concorrentes. “Mas ainda são poucas as experiências inovadoras voltadas para a terceira idade. O foco ainda são os jovens”, completa Teixeira.

Uma característica do idoso, segundo Mariana, é que seu ciclo de compra é mais rápido e ele vai mais vezes ao ponto de venda. Na maioria das vezes, durante a semana, no horário comercial. Apesar de não gastar mais do que outros públicos, ele está aberto a novidades – 24% das donas de casa com mais de 50 anos, por exemplo, costumam se sentir tentadas a comprar novidades, outras 10% compram novidades quando recomendadas, revela estudo da Nielsen. 

Entre os idosos, 46% acham propaganda essencial para conhecer as marcas, outros 23%, para terem mais informações. Mas eles não se sentem representados na publicidade. Mais da metade (51%) dos entrevistados ao redor do mundo na pesquisa Nielsen diz que a propaganda não reflete consumidores mais velhos. Outros citam a falta de conveniência nas lojas como dificuldade para as compras. Aproximadamente um em cada quatro consumidores diz que os varejistas não estão equipados com bancos para descansar (29%), vagas suficientes para deficientes (25%), banheiros para deficientes (23%), prateleiras fáceis de alcançar (23%) ou rampas e portas para deficientes (22%).

Há muito a ser feito para atender os idosos, quando as empresas entenderem isto, acontecerá uma revolução no mercado. “Temos uma grande faixa entre os 60 e 85 anos que não é dependente de ninguém e que vem crescendo a passos largos no Brasil. Temos de preparar os marqueteiros e designers para eles, e treinar os lojistas para atendê-los da melhor forma possível. Isso mudará o mercado”, avalia a presidente do Instituto de Estudos em Varejo (IEV), Regina Blessa.

 

Por Marcelo de Valécio

O que vai para a Cesta?

Edição 271 - 2015-06-01 O que vai para a Cesta?

Essa matéria faz parte da Edição 271 da Revista Guia da Farmácia.

Deixe um comentário