Mercado brasileiro de Cannabis medicinal começa a se materializar

Regulamentação e desafios técnicos para a comercialização e uso do Cannabis medicinal seguem um ritmo de novos desenvolvimentos

Em dezembro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a resolução (RDC 327/2019), que criou a categoria “produtos de Cannabis” e possibilita a regulamentação, a produção e comercialização desses produtos no Brasil, bem como dispõe sobre os procedimentos para a concessão da autorização sanitária para a fabricação e a importação e estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais.

De acordo com a resolução da Cannabis medicinal e sua regulamentação, a comercialização será feita exclusivamente mediante receita médica de controle especial.

Nas formulações com concentração de tetra-hidrocanabinol (THC) de até 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias.

Já os produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Nesse caso, o receituário para prescrição será do tipo A, com validade de 30 dias, fornecido pela Vigilância Sanitária local.

Mercado engatinha e uso de Cannabis busca regulamentação em alguns países 

Em abril deste ano, foi liberada a autorização sanitária para a comercialização do primeiro produto à base de Cannabis no país para a empresa paranaense Prati-Donaduzzi, com o insumo importado, considerando que o plantio para fins medicinais no Brasil ainda é proibido.

Enquanto a produção brasileira não se estabelece, muitos pacientes brasileiros ainda dependem exclusivamente das importações de países que contam com laboratórios especializados, entre eles Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Áustria, Israel, Uruguai e Chile.

De acordo com a Anvisa, durante o ano passado foram importadas 18.921 unidades de medicamentos derivados da Cannabis. Este ano, somente entre janeiro e junho, os itens importados chegaram a 16.152.

Tramitação no Congresso

O futuro da Cannabis no Brasil depende ainda do Projeto de Lei 399/2015, que irá regulamentar cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de Cannabis para fins medicinais e industriais.

Em reunião realizada no início de setembro pela Comissão Especial sobre Medicamentos Formulados com Cannabis da Câmara dos Deputados para debater o PL, o deputado Luciano Ducci (PSB/PR), que é relator do substitutivo ao PL 399/2015, disse que a discussão hoje não é mais sobre se a liberação da Cannabis medicinal é boa ou ruim.

O parlamentar estima que a redução de custo do produto industrial, que é comercializado no mercado entre R$ 2 mil e R$ 3 mil a dosagem mensal poderia sair pela metade do preço.

Além da redução de custo, com uma produção nacional organizada, a qualidade e a certificação dos produtos teria um melhor acompanhamento. Isso evitaria também a falta de aferição de qualidade dos produtos importados, que não passam por controle no Brasil.

Pesquisas em andamento

A biotech Entourage Phytolab divulgou recentemente a primeira fase de testes com uma nova droga à base de CBD mais eficiente para epilepsia. A fórmula foi criada a partir da diluição do extrato de Cannabis em um óleo.

De acordo com a Entourage Phytolab, a diferença entre a formulação nova e as disponíveis é a combinação de seus componentes, melhorando a absorção do medicamento no organismo.

Comparada à geração atual de drogas à base de canabidiol, essa nova formulação aumenta em até duas vezes a concentração de CBD que chega ao sangue.

Desafios da formulação

De fato, os desafios enfrentados pelas empresas que decidem desenvolver produtos derivados da Cannabis no Brasil vão além da regulamentação. Kelly Bueno, responsável pelo marketing e suporte técnico dos produtos farmacêuticos da Gattefossé para a América do Sul e Central, comenta que as formulações contendo canabinoides também podem ser bastante desafiadoras.

De acordo com  Kelly, a Gattefossé, uma empresa francesa de 140 anos, fornece excipientes inovadores e soluções para desenvolvimento de medicamentos para indústrias farmacêuticas no mundo todo e vem investindo intensamente em pesquisas para simplificar as decisões de formulação e encurtar o caminho e o tempo para o desenvolvimento de novos produtos.  O portfólio da empresa inclui solubilizantes, promotores de permeação, melhoradores de biodisponibilidade, além de lubrificantes, modificadores de liberação e veículos  para via oral, via tópica e mucosas.

O começo 

A Cannabis foi introduzida na medicina ocidental no século 19, quando a planta foi usada pela primeira vez como um aditivo para medicamentos patenteados, mas na década de 1970 o desenvolvimento de terapias foi interrompido após a aprovação de leis que categorizaram a Cannabis como substância narcótica.

Em meio às restrições regulatórias, dessa maneira, mais de 100 moléculas ativas (fitocanabinóides) da planta têm sido identificadas. Ao mesmo tempo, formas sintéticas de canabinoides, como dronabinol, nabilona e canabidiol foram desenvolvidas e comercializadas para o tratamento de náuseas associadas à quimioterapia e para convulsões mioclônicas em pacientes com dois anos de idade ou mais.

Entretanto, somente em 2018 o FDA dos EUA aprovou o Epidiolex®, o primeiro fitocanabinóide purificado isolado da planta de Cannabis, indicado para formas graves de epilepsia.

“Com uma compreensão aprimorada dos benefícios medicinais e a crescente facilidade de regulamentações ao redor do mundo, há uma necessidade expressa de bases científicas para o desenvolvimento de formas de dosagens controladas e de qualidade, adequadas à idade e centradas nos pacientes, como alternativas para modos de ingestão não saudáveis, como inalar ou fumar, por exemplo”, analisa Kelly.

Canabinoides medicinais

De acordo com Kelly, entre as centenas de fitocanabinóides e terpenos isolados da Cannabis, duas moléculas lipofílicas se destacam: tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD), conhecidas por afetar processos fisiológicos, como humor, memória, apetite e sensação de dor. “Elas funcionam ativando os receptores endocanabinoides do sistema nervoso localizados em todo o corpo, inclusive no cérebro”.

O THC é responsável pelos efeitos eufóricos e psicoativos da Cannabis e tem aplicações como medicamento para tratamento de dores crônicas e náuseas associadas à quimioterapia. Outra indicação para o THC é o tratamento de esclerose lateral amiotrófica (ALS), inibindo a progressão da doença e alívio dos sintomas. O CBD, por outro lado, é um medicamento anti-inflamatório não psicoativo. É preferível ao THC por pacientes que precisam de tratamento para artrite, transtornos do humor e náuseas.

IDOR e Entourage Phytolab fazem estudos com Cannabis medicinal 

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Fonte: Pharma Innovation

Foto: Shutterstock

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