Covid-19: 40% dos infectados assintomáticos não produzem anticorpos

Desafios da testagem no Brasil fizeram a vida do patologista Helio Magarinos Torres Filho mudar completamente desde o começo do ano

O patologista e diretor médico do laboratório Richet, Helio Magarinos Torres Filho, viu sua vida se transformar completamente a partir do fim de janeiro deste ano, mesmo antes da Covid-19 oficialmente chegar ao País.

Ele passou a comandar uma equipe que trabalha 24 horas por dia para realizar cerca de 1.500 testes de Covid-19 diários no estado do Rio de Janeiro.

O laboratório atende 17 hospitais da Rede D’Or, sendo 15 efetivos e dois de campanha.

Além de também aplicar os testes em suas unidades e fazer coletas domiciliares.

Magarinos conta que, no começo da pandemia da Covid-19, seu telefone só parava de tocar às 2 horas da manhã por causa da entrega dos resultados dos exames feitos no laboratório.

Como se sentiu ao ver o primeiro resultado positivo de teste de Covid-19 feito o laboratório?

O primeiro positivo do laboratório foi o exame de um dos primeiros casos de Covid-19 do Rio, no início de março.

Corremos para levar ao médico o resultado mais rapidamente. Felizmente foi um caso em que o paciente saiu bem, pois não estava grave.

A partir daí começamos a ter uma rotina intensa de resultados positivos nos testes, com o pico de positividade em abril, com 47% de resultados positivos, agora estamos com 19%.

A explicação para isso é que em abril fazíamos testes somente em pacientes com sintomas, cujo grau de positividade é bem maior do que em assintomáticos.

Atualmente fazemos também dos assintomáticos.

Realizamos até o momento 151 mil testes de RT-PCR e 35 mil de sorologia. Os testes são feitos, em grande parte, através de equipamentos, que são manipulados por biólogos.

Acompanho os resultados mais importantes e sinalizo quando percebo que necessita de alguma intervenção, como repetição por outra metodologia ou algum outro teste complementar.

Como sua rotina mudou desde o começo da pandemia?

No começo foi bem complicado, a gente não tinha os testes para fazer o diagnóstico. Quando surgiu o exame, faltaram os insumos por causa da corrida mundial por causa dos testes.

Depois, quando começamos a fazer os testes, isto impactou nossa rotina toda. Passamos a trabalhar 24 horas por dia e para isso precisamos reorganizar toda a equipe. Até hoje trabalhamos neste fluxo.

No começo, eu só ia dormir às 2h da manhã, porque ficava avisando aos médicos sobre os resultados positivos. Foi bastante complicado.

Hoje está mais tranquilo porque estamos mais organizados, o fluxo está fluindo melhor, não faltam mais insumos, e os resultados dos testes estão saindo mais rápido.

Como é ser patologista em uma pandemia?

Grande parte do meu trabalho foi e ainda é de consultoria quanto a interpretação dos resultados, e a melhor época e teste a ser realizado conforme cada caso.

Por exemplo, a sensibilidade em pacientes assintomáticos do RT-PCR é menor que 50%. Então, um resultado negativo não exclui a possibilidade de infecção. Se vier a ter sintomas, o teste deverá ser repetido.

Outras dúvidas mais comuns envolvem testes de RT-PCR que permanecem positivos por períodos mais prolongados.

Nestes casos, existe um consenso respaldado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e CDC (Centers for Disease Control and Prevention) de que após o 10º dia do início dos sintomas, pacientes que estão assintomáticos por pelo menos 3 dias, não são mais transmissores, independentemente do resultado do RT-PCR.

E outras dúvidas relacionadas aos testes de sorologia.

Cerca de 40% dos pacientes que foram infectados ficaram assintomáticos ou tiveram sintomas leves não produzem anticorpos.

Acho que a interação entre o médico que cuida do paciente que está infectado e o patologista clínico é de fundamental importância para o bem-estar do paciente.

Qual foi o maior desafio?

Entregar os resultados dos testes rapidamente, principalmente no começo, quando tínhamos muitos pacientes internados morrendo e sem o diagnóstico.

A gente tinha que priorizar estes pacientes que estavam internados e, ao mesmo tempo, ainda estávamos começando a montar as rotinas de testes, então não conseguíamos fazer muitos.

Ao mesmo tempo, começamos a orientar os médicos e pacientes sobre quando fazer o teste e qual era a necessidade de fazê-lo.

Como foi o treinamento dos profissionais que fazem a coleta do exame?

É muito importante que os profissionais estejam bem treinados para fazer a coleta, para não correr o risco de ter um exame falso negativo por ter sido coletado inadequadamente.

A coleta é muito importante até porque o exame é um pouco desconfortável.

Então, o coletador tem que estar preparado para dar as informações corretas para o paciente. E os profissionais precisam estar bem paramentados, avental, máscara, luva, gorro.

É preciso treiná-los muito bem para saberem manipular estes equipamentos de proteção individual e principalmente como tirá-los do corpo, porque se uma das partes destes EPIs estiver contaminado, o profissional pode se infectar no momento de se desparamentar.

E nos laboratórios?

Dentro do laboratório, para a manipulação das amostras, além da paramentação, treinamos os profissionais para trabalhar dentro de um tipo de capela na qual você não tem contato com a amostra, tem uma pressão negativa que puxa todo o ar do ambiente em que a amostra está sendo manipulada, e tem um vidro que te protege.

Todas as amostras precisam ser manipuladas dentro desta capela para não ter risco de contaminação, nem da pessoa que está manipulando nem do ambiente também.

Se você contamina o ambiente, você acaba podendo gerar um resultado falso positivo por causa da contaminação do ambiente.

Que lições o senhor aprendeu durante esta pandemia?

Tive que aprender a lidar ainda mais com uma situação de estresse quando nós não tínhamos muitas informações para trabalhar no começo. O início da pandemia foi bem exaustivo.

Além disso, precisávamos nos cuidar para não sermos contaminados e também não levarmos o vírus para dentro de casa.

Trabalhamos em um ambiente extremamente contaminante, que é o laboratório, então precisávamos vigiar bastante.

Tive que manter a distância de pessoas queridas da família, o que aumentou também o meu nível de estresse. 

Foi preciso rever algum conceito pessoal ou profissional durante a pandemia?

Sim, pessoal, revi meus conceitos quanto à preocupação com a minha própria saúde, pois, no início, se eu tivesse ficado doente, abalaria muito a operação e a equipe.

Então, precisei tomar todos os cuidados.

O laboratório está participando da elaboração de alguma vacina contra a Covid-19?

O laboratório está participando da elaboração de alguma vacina contra a Covid-19?

O Richet participou do projeto das vacinas dando apoio para alguns exames, em parceria com o IDOR, nos testes da vacina de Oxford.

Antes de tomarem a dose da vacina é preciso testar os voluntários para saber se já são portadores de anticorpos.

Os que já tiverem anticorpos não entram no estudo, pois não será possível averiguar o efeito da vacina.

Fizemos os testes, mas sem sabermos a identificação dos participantes.

No momento atual, após receberem a vacina, coletamos as amostras que são enviadas para Oxford, onde são feitos os testes para averiguação da formação ou não de anticorpos.

Mas, também tudo de forma anônima, ninguém tem a real identificação de cada voluntário.

Este tipo de pesquisa é chamado de “duplo cego”. Ninguém sabe a identificação correta de cada amostra.

 

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Fonte:  Globo Online

Foto: Shutterstock

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