Em maio de 2019, através do julgamento do RE 657.718/MG, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou experimental, salvo em casos excepcionais.
O referido julgado teve seu início em 2016 e foi finalizado após longas discussões e debates entre os ministros.
A decisão proferida pela Suprema Corte foi acertada, e dela é importante pinçar este trecho do voto do ministro Luiz Roberto Barroso: “Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis. Seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade. Bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas”.
São inúmeros os casos de decisões judiciais que condenam a União e, muitas vezes, estados e municípios a fornecerem remédios sem registro e de altíssimo custo. Mencionadas decisões, frequentemente, vêm dotadas mais de clamor sentimental do que de fundamentações técnicas e jurídicas.
Risco da autorização do uso de medicamento sem registro
Autorizar o uso de um remédio sem registro e de altíssimo custo, coloca em risco a saúde de milhares de cidadãos que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS).
Alocar os escassos recursos da saúde em um ou poucos pacientes, para que estes possam utilizar tratamentos caros e não registrados pela Anvisa, prejudica os demais necessitados do SUS. Os quais muitas vezes não conseguem obter os medicamentos mais básicos ou realizar consultas médicas.
E nesse ponto entra a dúvida sobre a questão da alocação de recursos escassos na área da saúde, a qual envolve a complexa ponderação entre o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de muitos outros. Segundo o Ministério da Saúde, os gastos com remédios de alto custo nos últimos anos de 2009 a 2018, foram de R$ 6 bilhões com o cumprimento de decisões judiciais. Em 2018, o montante passou de R$ 1 bilhão.
A Advocacia-Geral da União aponta que, de 2007 a 2018, os gastos da União com a judicialização da saúde cresceram 4.600%. Por ano, a União chega a desembolsar R$ 1,5 bilhão com a compra de produtos judicializados. Somando o gasto de estados e municípios, o valor estimado com estes processos alcançaria R$ 7 bilhões.
Planejamento e controle
Ainda, por se tratarem de demandas não programadas e muitas vezes com caráter emergencial, há um fator preponderante nesses processos. O fator é a onerosidade e dificuldade nas ações de planejamento e de controle por parte dos gestores públicos. Planejamento, provisionamento, compras em escala, controle de estoques e chamadas de preço não podem ser usados em decorrência de determinações judiciais urgentes e com prazos exíguos. Dessa forma, acaba acarretando um aumento de custos totais para as políticas governamentais de saúde.
Da mesma forma, em hipótese alguma pode-se culpar o doente pela judicialização da saúde. Uma vez que ela é claramente resultado da omissão ou desorganização do Estado. Dessa forma, é dever deste aprimorar os tratamentos e as terapias que possam estar disponíveis para a população.
Saúde como direito máximo
Não podemos esquecer que a nossa Constituição Federal enxerga a saúde como um direito máximo e uma fonte importante para as discussões de democracia e inclusão social. Porém, seu propósito de atender a toda a população brasileira não tem sido eficiente.
Sabemos que há filas nos hospitais, postos de saúde, lista de espera para realização de cirurgias e para obtenção de medicamentos. Por conseguinte, essa escassez do Estado acaba gerando uma busca da população pelos seus direitos básicos, como a saúde.
Não é por menos que uma das soluções encontradas pela população foi a reivindicação judicial por cirurgias e medicamentos. Apesar da relação entre este crescimento e a saúde pública se intensificaram com as intervenções do Poder Judiciário no acesso aos medicamentos. Tal fato, torna-se uma constante e uma pedra no caminho na atual configuração da saúde e do orçamento público.
Todavia, as demandas trazidas pela judicialização abrangem problemas como onerosidade e dificuldade para organização dos gastos públicos. Afinal, não há planejamento nem controle dos gestores públicos dada sua imprevisibilidade.
Porém, ainda que de suma importância, os gastos públicos não são o único ponto relevante nesta discussão, há também os efeitos à saúde do cidadão que irá utilizar um medicamento sem registro.
Saúde do cidadão
De acordo com Barroso: “Para que um novo medicamento possa ser registrado e oferecido ao mercado, deve cumprir um complexo procedimento. Dessa forma, garantindo que o fármaco utilizado pelo paciente seja seguro, não tóxico ou prejudicial para o organismo humano. Além de poder controlar os seus efeitos colaterais. Assim, tendo capacidade de atuar positivamente sobre a doença, e de qualidade. Ou seja, sido fabricado de acordo com uma série no de exigências e práticas estabelecidas. Além disso, com o registro, permite-se a regulação econômica e o monitoramento dos preços dos fármacos.”
A Lei 6.360/76 exige que para qualquer medicamento colocado no mercado, devem ser feitos testes que comprovem sua eficácia e segurança sem qualquer ressalva. O valor terapêutico de um medicamento é suscetível de demonstração e comprovação científica. O medicamento precisa demonstrar a sua validade para o que pretende.
A preocupação com a saúde pública é constante. Daí, a permanente e necessária fiscalização do Estado. E mais, atenção aos produtos que serão postos à disposição da sociedade. Deve haver fiscalização prévia para policiar a comercialização de produto farmacêutico, resguardando segurança e eficácia para o uso.
Exigências legais
A exigência legal se aplica a qualquer medicamento que pretenda obter registro, autorizando sua comercialização. Dessa forma, um medicamento que teve seu registro concedido sem apresentar nenhum teste é impróprio de pleno direito. Portanto, não pode ser convalidado e muito menos autorizado em decisões judiciais.
O direito à saúde tem dupla dimensão. É um direito de todos e impõe às autoridades sanitárias um dever. Dessa forma, há por parte das autoridades da Anvisa e dos fabricantes de medicamentos um dever de assegurar a qualidades dos remédios. Além disso, há a responsabilidade do Poder Judiciário de evitar a judicialização, moderando suas decisões e deixando de proferi-las de forma irresponsável.
Espera-se que com este novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal a judicialização da saúde diminua, eis que com a repercussão geral, haverá uma contribuição direta para fixar diretrizes que deverão ser obrigatoriamente observadas pelos magistrados e tribunais em nível nacional.
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Fonte: Revista Consultor Jurídico
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