Problema crescente no País e no mundo, a demência atinge hoje cerca de 1,76 milhão de idosos brasileiros, mas 8 em cada 10 pessoas desse grupo não sabem que têm a condição. O imenso subdiagnóstico preocupa especialistas porque impede que pacientes recebam assistência para tentar desacelerar a progressão da doença e ter mais qualidade de vida. Também deixa familiares às escuras, sem a oportunidade de se preparar para lidar com o avanço da condição.
A estimativa do tamanho do subdiagnóstico da demência no País foi publicada em abril em um artigo de pesquisadores brasileiros no periódico The Journals of Gerontology. O trabalho foi o primeiro a ter uma amostra de idosos representativa de todo o Brasil – os estudos anteriores eram concentrados no Sudeste, majoritariamente em São Paulo; neste estudo, foram incluídos participantes de todas as regiões brasileiras.
Ao acompanhar o grupo de cerca de 5,2 mil idosos, os cientistas encontraram, por meio da aplicação de testes, uma prevalência de 5,8% de demência. Mas descobriram que somente 20% destes (ou 1,2% do total de participantes) tinham diagnóstico prévio, o que leva ao índice de 80% de pacientes sem conhecimento da condição.
Para a psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora da área de sustentabilidade e responsabilidade social do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e uma das autoras do estudo, o baixo índice de diagnóstico da demência justifica-se por diferentes fatores, desde questões culturais até o insuficiente preparo de profissionais de saúde.
“Começa pela dificuldade do diagnóstico, porque não existe um exame simples que diz se a pessoa tem o problema ou não. E passa também pela falta de conhecimento da população, falta de treinamento dos profissionais de saúde desde a fase de formação e pela baixa oferta de serviços de saúde que tenham a competência necessária para fazer esse diagnóstico. Há um estigma também em relação à saúde da população idosa”, diz ela, referindo-se ao fato de que muitos familiares e até profissionais de saúde não dão a devida importância para episódios frequentes de esquecimento – um dos primeiros sintomas de quadros demenciais – por considerar que trata-se de um sinal normal do envelhecimento.
Especialistas em desordens neurológicas tentam combater esse estigma, inclusive abolindo da prática médica o uso do termo “demência senil”. “Usar esse termo é um desserviço porque ele traz uma sensação perigosa de benignidade, como se a demência fosse esperada para a idade. Ela é, sim, mais comum em idades avançadas, mas não deve ser vista como uma coisa esperada”, diz Pedro Melo Barbosa, neurologista do Saúde Digital do Grupo Fleury.
Os médicos explicam que, embora algum nível de perda cognitiva seja esperado com o avanço dos anos, a demência se caracteriza por um comprometimento cognitivo que obrigatoriamente tenha impactos na funcionalidade da pessoa. O quadro também costuma ser progressivo, ou seja, com o processo instalado de perda de neurônios, a condição vai piorando com o tempo.
“A queixa de memoria é comum hoje em dia nao só em idosos, mas, quando é uma queixa em uma pessoa cognitivamente intacta, o que pode acontecer é ela ter uma velocidade de resposta mais lenta, pode esquecer o nome de uma pessoa e lembrar logo depois, ou seja, não existe uma perda de funcionalidade. O idoso pode não estar com toda a capacidade de memória, mas ele lembra de anotar os compromissos em um caderninho, por exemplo, ele tem algum mecanismo. Na demência, a pessoa começa a ter impactos: esquecer compromissos, não tomar seus remédios, não pagar mais suas contas”, explica Barbosa.
A Doença de Alzheimer é o tipo de demência mais comum – ela representa de 50% a 70% dos casos. Mas há outros tipos, como as demências vascular, frontotemporal e de corpos de Lewy (veja mais detalhes no quadro). Embora elas não tenham cura, medicamentos conseguem tratar os sintomas e conferir uma melhora cognitiva parcial em alguns pacientes, em especial aqueles nos estágios iniciais. A progressão, infelizmente, continua, mas pode ser desacelerada, daí a importância de um diagnóstico.
Há estudos que mostram que, assim como os medicamentos, terapias com estimulação cognitiva também podem minimizar os sintomas do quadro. “Se você não faz o diagnóstico, o pouco que a gente tem para ofertar não vai ser ofertado e a pessoa vai ter mais consequências negativas. Eu acredito que o diagnóstico é um direito. A pessoa pode até não querer saber, mas ela tem o direito de saber se quiser, porque pode fazer um planejamento com a família, entender o futuro dela”, diz Cleusa.
Queixas de esquecimento, portanto, mesmo entre idosos, devem ser levadas a sério quando são muito frequentes e comprometem alguma atividade que a pessoa não tinha dificuldades para fazer anteriormente.
Há ainda os casos de comprometimento cognitivo leve (CCL) nos quais ainda não há um quadro demencial e que intervenções como a estimulação do cérebro com exercícios e treinamentos pode reduzir o risco de a demência se instalar.
Embora seja mais raro, há também um grupo de demências reversíveis, causadas por outras condições de saúde. Se o paciente tem essa outra condição tratada, ele pode recuperar a função cognitiva. Entre os principais problemas que podem levar a uma demência reversível estão a depressão, apneia e outros problemas do sono, deficiência de alguns tipos de vitamina e uso de medicamentos ou drogas ilícitas.
Pesquisa revela que mais de 1,2 milhão de pessoas sofrem de Alzheimer no Brasil
Fonte: Estadão
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