Desafios da saúde e as promessas da presidente

Novo governo tem pela frente o desafio de ampliar o financiamento da saúde pública, melhorar gestão e qualificar atenção básica do SUS, além de dar sequência a programas de atendimento à população

Sustentáculo das ações de saúde pública no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior do gênero no mundo, estando disponível para mais de 200 milhões de pessoas. Abrange desde o atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, passando pelo tratamento de doenças complexas e raras, incluindo o fornecimento de medicamentos.

Criado pela Constituição de 1988, o SUS se tornou, em seus quase 27 anos, uma das maiores políticas públicas de inclusão social. Alterou o conceito de atendimento à saúde, tornando o acesso um direito universal e gratuito a todos os brasileiros. É referência mundial aos países que pretendem universalizar o atendimento aos seus cidadãos.

O SUS é administrado por três esferas de governo: União, estados e municípios, sendo que o financiamento do sistema é dividido entre eles. Os estados têm de destinar 12% do que arrecadam à saúde e aos municípios, 15%. Já a União não tem percentual fixo para esses investimentos, mas é obrigada a igualar o gasto do ano anterior acrescentado do percentual de variação do Produto Interno Bruto (PIB).

Atualmente, o País aplica aproximadamente 7% das Receitas Correntes Brutas na saúde, mas especialistas do setor estimam que é necessário ampliar este gasto para 10%, o que injetaria mais de R$ 40 bilhões por ano ao sistema. Além disso, analistas dizem que é fundamental melhorar a gestão, considerada ineficiente e suscetível a descaminhos.

Resultados observados

Entre as conquistas do SUS, estão o controle e a eliminação de diversas doenças por meio de um eficiente plano de vacinação que atinge o País todo e é considerado o maior programa de imunização do planeta. No âmbito do SUS, são promovidos por ano mais de 3 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 500 milhões de consultas médicas e 30 milhões de procedimentos oncológicos, além de responder por 97% dos procedimentos de quimioterapia realizados no País.

Além disso, o SUS realiza o maior número de transplantes de órgãos públicos do mundo. O sistema conta ainda com assistência farmacêutica, vigilância sanitária e laboratórios públicos. A universalização produziu resultados positivos. Segundo o Relatório de Progresso 2013, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (em inglês, Unicef), o Brasil é um dos países que mais reduziu a mortalidade infantil no mundo – a taxa de óbito de crianças até cinco anos caiu 77%, entre 1990 e 2012; a de recém-nascidos (até 27 dias) declinou 31%, em 10 anos; e a taxa de mortes de crianças de até 1 ano baixou 70%, de 1990 a 2013.

Também os índices de desnutrição em menores de cinco anos melhoraram em todas as suas variáveis, segundo o Ministério da Saúde (MS). A mortalidade em geral caiu no Brasil nas últimas décadas e o aumento na esperança de vida de 69 anos, em 1988, saltou para 72 anos, em 2008.

Custos apurados

Apenas os gastos da União com ações e serviços de saúde cresceram 232%, saindo de R$ 24,7 bilhões, em 2002, para R$ 90,1 bilhões em 2014, de acordo com o MS. Cresceu também o acesso a medicamentos nos últimos anos. Atualmente, o SUS distribui gratuitamente perto de 600 tipos de medicamentos nas unidades públicas de saúde espalhadas pelo
território nacional.

Entre 2010 e 2014, os gastos com medicamentos aumentaram 78%, segundo o MS. “Se descontarmos o aumento do preço dos medicamentos, o crescimento real da dotação orçamentária para aquisição de medicamentos pelo ministério supera 54%”, afirma o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, do MS, Carlos Augusto Grabois Gadelha.

O destaque, segundo o secretário, é a evolução experimentada pelo Farmácia Popular. Em 2010, o programa contou com um orçamento de R$ 348,6 milhões; em 2014, houve crescimento de 639%, atingindo mais de R$ 2,57 bilhões. Atualmente, o programa conta com mais de 31,3 mil farmácias credenciadas e 546 unidades da Rede Própria, estando presente em 4.260 municípios brasileiros (76,4% do total). Com a incorporação dos medicamentos para prevenção de infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC), houve redução de 41% na mortalidade por doenças cardiovasculares no País nos últimos 20 anos.

Em que pese os números superlativos do SUS, há muitos obstáculos a ser vencidos para que a saúde pública atinja o nível de abrangência e qualidade que a população brasileira anseia. Segundo pesquisa do Datafolha realizada antes das eleições, 45% dos brasileiros apontavam que a saúde era o principal problema do País.

O que o governo terá de fazer

O que não vai faltar é trabalho e cobrança para a equipe da presidente reeleita Dilma Rousseff, que destacou na campanha soluções que pretende dar para a saúde dos brasileiros:

• Ampliar os programas Saúde da Família, Farmácia Popular e Brasil Sorridente;
• Expandir o Mais Médicos com o lançamento do programa Mais Especialidades, uma rede de clínicas com médicos especialistas (cardiologistas, ginecologistas, ortopedistas, pediatras, oncologistas, oftalmologistas e nefrologistas) para reduzir o tempo de espera
por atendimento;
• Ampliar os exames de mamografia;
• Criar mais Unidades de Pronto Atendimento
24 horas (UPAs);
• Universalizar o Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que hoje atende 72,8% da população;
• Ampliar o Rede Cegonha – atendimento da gravidez até o primeiro ano de vida do bebê;
• Incentivar a adesão dos estados aos programas contra drogas Brasil Seguro e Crack, é Possível Vencer;
• Ampliar a distribuição gratuita de medicamentos por meio da Rede Aqui Tem Farmácia Popular.

 

Médicos e hospitais

De acordo com relatório da KPMG – O que dá certo: gerando mais valor em conjunto com pacientes, cuidadores e comunidades –, divulgado em setembro de 2014, os maiores desafios da saúde pública no Brasil são o acesso do paciente ao SUS, tanto na atenção primária quanto na secundária, e a variação geográfica no atendimento em função de uma
rede descentralizada.

Existem hospitais de nível internacional no Sudeste, enquanto que, nas regiões Norte e Nordeste, há falta de equipamentos hospitalares e recursos humanos. Outras insuficiências apontadas no estudo incluem o tamanho insuficiente da rede de saúde para atender toda população, a baixa velocidade para chegar a um diagnóstico inicial e a falta de canais de reclamação. Também o acesso a especialidades médicas, como pediatria, cardiologia, ortopedia, precisa aumentar de forma significativa para poder atender à demanda reprimida.

Mas o maior gargalo está na falta de médicos para atuar no interior do País e nas periferias das grandes cidades. Segundo o governo, mais de 3 mil municípios solicitaram médicos ao MS, dada a dificuldade que enfrentavam para atrair e contratar profissionais de saúde. Para tentar suprir essa carência, o governo criou, em 2013, o programa Mais Médicos, de contratação emergencial de profissionais. O chamamento não atraiu os brasileiros e as vagas foram abertas para profissionais do exterior. Foram contratados 14,4 mil médicos para 3.785 municípios e 34 distritos indígenas. Desse total de profissionais, cerca de 80% são cubanos contratados por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

A lei que criou o programa estabeleceu um teto para a vinda de estrangeiros de até 10% do total de médicos brasileiros registrados no País (aproximadamente 400 mil). As entidades médicas de classe – Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos Médicos (Fenam) – criticaram o fato de os médicos estrangeiros serem liberados do processo de revalidação do diploma. “Além disso, não foram apresentadas garantias de trabalho aos profissionais a ser alocados e tampouco foi oferecido um plano de carreira à categoria. Sem contar o viés ideológico da proposta”, afirma o presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNS), Renato Merolli.

Com a recusa dos brasileiros, as entidades médicas, contudo, não apresentaram proposta alternativa à providência emergencial de contratação de profissionais para as regiões necessitadas. A meta do governo com o programa é aumentar a proporção para 2,5 médicos por mil habitantes, contra a atual taxa de 1,8/1.000, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na Espanha, essa taxa é de 4/1.000; na Argentina, 3,2/1.000; nos Estados Unidos, 2,4/1.000; e em Cuba, 6,7/1.000.

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Surtos epidemiológicos

Outro desafio importante para a saúde pública brasileira é encarar a fase de transição epidemiológica que o País experimenta. Ao mesmo tempo em que não venceu moléstias típicas de nações subdesenvolvidas, como dengue, malária, tuberculose, o País tem de conter doenças crônicas e degenerativas comuns em regiões desenvolvidas, como hipertensão, diabetes
e câncer.

Ao longo do último século, o Brasil passou por mudanças profundas no seu perfil demográfico, deixando de ser um País rural para se tornar uma nação essencialmente urbana. Além disso, a pirâmide etária sofreu um estreitamento devido a mudanças, tanto na taxa de fecundidade e de natalidade, quanto na expectativa de vida do cidadão.

“A mortalidade infantil, a desnutrição e as doenças infectocontagiosas regrediram. No entanto, algumas doenças infecciosas continuam a representar um desafio para o sistema de saúde pública”, salienta Gadelha. As doenças crônicas não transmissíveis vêm crescendo em importância na atenção à saúde, em especial nos países mais desenvolvidos e, segundo a Organização Mundial de Saúde, já são responsáveis por 58,5% de todas as mortes ocorridas no mundo.

“A situação não é diferente no Brasil, particularmente em razão do envelhecimento populacional observado. Em 2060, a população de 65 anos ou mais quadruplicará, e representará 27% da população brasileira. Já a faixa de cidadãos com 80 anos ou mais sextuplicará, e representará 9% da população brasileira. No nosso caso, as neoplasias são a segunda causa de óbitos no País. Embora ainda tenhamos muito a avançar, hoje existem no SUS opções de tratamentos de ponta para doenças de alta complexidade, como os tratamentos minimamente invasivos para o Mal de Parkinson”, destaca Gadelha.

O levantamento da KPMG apontou pontos deficientes também na saúde privada – as exigências burocráticas desnecessárias por parte dos planos de saúde que criam atrasos significativos no acesso, além da recusa sistemática de uma série de exames e procedimentos. A regulação dos planos de saúde, área cada vez mais problemática e que atende a 51 milhões de usuários atualmente, carece de tratamento eficiente.

Mesmo depois de uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de 2011, que sistematizou prazos máximos de atendimento, usuários de planos sofrem para marcar consultas, realizar exames e até para ser atendidos no pronto-socorro. Além disso, as empresas encontraram uma brecha para ficar à margem da regra da agência: deixar de atuar com planos individuais, mantendo suas carteiras nos planos coletivos, em que podem atuar livremente.

Autor: Marcelo de Valécio

Especial Anuário 2015

Essa matéria faz parte do Especial Anuário 2015.

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