Qual o papel dos MIPs nas epidemias?

Medicamentos podem atenuar sintomas, a única ressalva fica para os casos de infecções causadas por vírus

Há pouco mais de cem anos, o Brasil, em particular a sua capital naquela época, Rio de Janeiro, passava por uma série de epidemias, a maioria delas provocada por problemas de falta de higiene e de saneamento básico – varíola, peste bubônica e febre amarela eram as mais graves. 

Na primeira década do século 20, foi necessária uma força tarefa para vencer os focos de transmissão. Encabeçada pelo sanitarista Oswaldo Cruz, que dirigia o Departamento Nacional de Saúde Pública, a brigada vistoriava, em alguns casos à força, casas à procura de focos de mosquitos e de ratos. Em 1904, o governo federal obrigou os cidadãos se vacinarem, gerando imensa onda de protestos no que ficou conhecida como a Revolta da Vacina. Apesar dos reveses, Oswaldo Cruz conseguiu, em quatro anos, erradicar as principais epidemias, em particular a febre amarela. 

E um dos vilões daquela época era o mesmo Aedes aegypti, transmissor da febre amarela, que hoje atormenta o País, transmitindo zika e chikungunya, além da velha conhecida dengue. Em pleno século 21, o Brasil está novamente diante de graves epidemias, como a zika, causadora da microcefalia, anomalia que leva à redução da circunferência craniana de bebês, entre outras complicações, e à síndrome de Guillain-Barré, moléstia que atinge o sistema nervoso. 

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, o País pode registrar mais de 1,5 milhão de casos ainda este ano, o que representa cerca de 50% dos casos de incidência do zika previstos para as Américas. Já a chikungunya é uma doença semelhante à dengue, com sintomas também parecidos: febre, mal-estar, dores pelo corpo, dor de cabeça, apatia e cansaço. Porém, a grande diferença da chikungunya está no seu acometimento das articulações, pois o vírus avança nas juntas dos pacientes e causa inflamações com fortes dores acompanhadas de inchaço, vermelhidão e calor local.

Já a dengue, que chegou a ser praticamente erradicada do País na década de 1950, com o controle do Aedes aegypti, devido a falhas na vigilância epidemiológica e a um modo desordenado de urbanização, retornou em 1976 e não parou mais de crescer. Segundo a Fiocruz, são mais de 15 milhões de casos registrados da doença desde seu retorno. Mas esse número pode ser bem maior, tendo em vista que muitos casos não foram notificados. De forma geral, toda região do País onde exista Aedes aegypti está sujeita a ter uma epidemia de zika, chikungunya ou dengue. 

As tentativas de controle das moléstias transmitidas pelo mosquito têm sido equivocadas, na visão de especialistas. “A falta de coordenação entre a vigilância epidemiológica, políticas de planejamento urbano e sanitário e estratégias de promoção da saúde estão na raiz do problema, assim como o uso de certos agentes químicos para controlar os mosquitos, tendo em vista seus efeitos sobre os seres humanos”, afirma a diretora de desenvolvimento profissional do Fórum Farmacêutico das Américas, organização que reúne associações farmacêuticas nacionais, a Organização Pan-Americana de Saúde e a Federação Internacional Farmacêutica, Josélia Frade. 

Surto recente

Outro problema enfrentado é a gripe H1N1, iniciado nos primeiros meses deste ano, sobretudo no estado de São Paulo, que registra mais de 80% dos casos do País. No total, foram apurados 1.365 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por influenza A/H1N1 até meados de abril, segundo boletim do Ministério da Saúde. O mesmo documento informa que nesse período foram compiladas 230 mortes por H1N1. São Paulo teve o maior número de óbitos – 119, correspondendo a 51,7% das mortes do País. 

Papel dos MIPs

Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) podem ser a primeira linha de tratamento para determinadas condições de saúde, principalmente para doenças ou sintomas de baixa gravidade. No caso de enfermidades causadas pelos vírus transmitidos pelo Aedes aegypti e a H1N1, eles podem ser utilizados para atenuar sintomas, mas alguns cuidados precisam ser tomados, adverte o diretor técnico de clínica geral do Hospital das Clínicas da  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), Dr. Arnaldo Lichtesntein. 

“Os sintomas iniciais da dengue são muito parecidos com os da gripe, sendo que ambas as infecções são muito comuns atualmente. Para a gripe, anti-inflamatórios a que a pessoa está acostumada podem ser o suficiente. Contudo, essa classe de medicamento é contraindicada para a dengue, pois pode piorar o problema de plaquetas, em especial no caso da dengue hemorrágica”, frisa. 

Para o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e médico infectologista do Hospital Albert Einstein, Dr. David Salomão Lewi, o mais importante é ter o diagnóstico correto. “Não se deve tomar qualquer tipo de medicamento sem ter um indicativo do problema, sobretudo nas moléstias transmitidas pelo Aedes aegypti. Em alguns casos, um analgésico pode ser administrado, mas sob orientação médica, para se evitar riscos, como o de hemorragia nos casos de dengue tratados com anti-inflamatórios.”

O surto fora de época de H1N1 (a doença costuma acontecer no inverno) fez com que os estoques do oseltamivir acabassem das farmácias em abril último, principalmente no estado de São Paulo. Para evitar que isso também ocorra com MIPs utilizados nos casos de gripe, as farmácias devem reforçar o estoque de anti-inflamatórios, analgésicos e soros, além de produtos, como álcool gel e vitaminas. 

“Para o paciente que está com sintomas de dengue, zika ou chikungunya, a indicação é o uso de soro para reidratação oral, além do paracetamol. Como preventivo, o farmacêutico deve recomendar ao paciente o uso de repelentes, mosquiteiros e monitorar possíveis focos de criação dos mosquitos”, diz o presidente da Farma & Farma, associada da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), Rinaldo Ferreira.  

Orientações ao paciente da farmácia

H1N1

Mesmo sendo uma doença com índice importante de letalidade, a gripe causada pelo H1N1 desaparece depois de alguns dias, assim como as outras. Seus sintomas são similares aos da gripe comum, e incluem febre, tosse, garganta inflamada, dores no corpo, dor de cabeça, calafrios e fadiga. O tratamento deve ser feito sob orientação médica. A recomendação é beber bastante água para evitar a desidratação. Medicamentos para febre e dor podem ser usados para amenizar os sintomas. Já para prevenção da doença, lavar regularmente as mãos e usar álcool gel são práticas indicadas pelos especialistas, assim como não tocar olhos, nariz ou boca na rua e evitar contato próximo com pessoas doentes.

Zika

Ainda não existe tratamento específico para a zika, segundo o Ministério da Saúde (MS). O tratamento dos casos sintomáticos recomendado é baseado no uso de acetaminofeno (paracetamol) ou dipirona para o controle da febre e manejo da dor. No caso de erupções pruriginosas, os anti-histamínicos podem ser considerados. No entanto, é desaconselhável o uso de ácido acetilsalisílico e outras drogas anti-inflamatórias em função do risco aumentado de complicações hemorrágicas descritas nas infecções por síndrome hemorrágica, como ocorre com outros flavivírus.

Chikungunya

Segundo o MS, até o momento, não existe um tratamento específico para chikungunya. Os sintomas podem ser tratados com medicação para a febre (paracetamol) e as dores articulares (anti-inflamatórios). Assim como nos casos de dengue, não é recomendado usar o ácido acetilsalisílico devido ao risco de hemorragia. Repouso e beber líquidos em abundância são atitudes recomendáveis.

Dengue 

Medicamentos que podem ser usados contra a dengue são o paracetamol e a dipirona, para aliviar as dores. Mesmo sendo de venda livre, os médicos recomendam que os pacientes só comecem a tomar esses compostos após consulta e diagnóstico médico. Durante o tratamento, é fundamental beber muita água para manter o corpo hidratado. Não se devem tomar medicamentos à base de ácido acetilsalisílico, ácido salisílico, salicilato de sódio, metilsalicilato, diflunisal e salicilamida em composição única ou associados a outros princípios ativos, pois eles são anticoagulantes e aumentam as chances de hemorragias.

 

Farmacêutico: como contribuir 

1-Repassando informações sobre o combate ao Aedes aegypti, individualmente ou por meio de palestras e da divulgação e compartilhamento de conteúdos nas redes sociais.

sobre os riscos da automedicação desassistida.

3-Indicando a farmacoterapia adequada para o alívio de sintomas e, sempre que necessário, encaminhando os pacientes aos serviços de saúde.

4-Explicando sobre as barreiras de proteção e o uso correto de repelentes, incluindo os naturais, à base de plantas medicinais.

5-Divulgando informações corretas às gestantes sobre o risco do vírus zika para a ocorrência de microcefalia.

Fonte: Conselho Federal de Farmácia (CFF)

MIPs 2016

Especial MIPs 2016

Essa matéria faz parte do Especial MIPs 2016.

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