Vendas de fitoterápicos crescem 6% em ano de retração

Segmento mantém crescimento da receita em 2014, mesmo com cenário de instabilidade econômica mundial e desaquecimento no Brasil. Perspectivas para 2015 são boas

No Brasil, com os avanços da economia da última década, que permitiu a incorporação de cerca de 30 milhões de novos consumidores – oriundos de faixas de renda inferiores que ascenderam economicamente, o que fez com que a classe média brasileira saltasse perto de 50% desde 2005, atingindo aproximadamente 93 milhões de pessoas –, o setor de saúde teve um boom, ampliando os negócios em diversas áreas.

Estimativas da Confederação Nacional de Saúde (CNS) indicam que o setor movimenta cerca de R$ 510 bilhões por ano. Tal montante leva em consideração toda a cadeia do segmento, incluindo a indústria médico-hospitalar, as operadoras de planos de saúde e a indústria farmacêutica. Apenas a produção farmacêutica nacional abocanha aproximadamente 13% do total do setor de saúde. Em 2014, o segmento fechou com faturamento de R$ 65,7 bilhões, de acordo com levantamento do IMS Health.

Na contramãoda economia

A indústria de medicamentos está entre os segmentos que conseguiram passar ao largo da crise internacional e dos percalços da economia brasileira do último ano, sustentando crescimento na casa dos dois dígitos – saltou 13% de 2013 para o ano passado. Ao longo dos últimos anos, a taxa de elevação das vendas de medicamentos no Brasil tem sido seis vezes superior ao desempenho dos mercados desenvolvidos, segundo a Federação Internacional da Indústria Farmacêutica. A taxa média de expansão gira em torno de 13% ao ano, enquanto, nos países ricos, não chega a 2%. Em 2014, as vendas unitárias de medicamentos no País subiram 8% em relação ao ano anterior, segundo dados do IMS Health.

Laboratórios tradicionais têm investido no potencial de consumo dos medicamentos fitoterápicos no Brasil. “Empresas de capital nacional e até mesmo estrangeiras têm investido no desenvolvimento de fitoterápicos. Isso se explica pelo fato de que o desenvolvimento de um medicamento fitoterápico demanda menos recursos e menos riscos, se comparado aos produtos de síntese química”, afirma o professor de pós-graduação nas áreas de Fitoterapia e Farmacoterapia do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), Lincoln Marcelo Lourenço Cardoso.

“Aliam-se a isso a grande biodiversidade e o vasto conhecimento popular do uso tradicional das espécies vegetais brasileiras, que servem de subsídio para as hipóteses de pesquisa”, completa. Para o professor, a indústria de fitoterápicos, incluindo a pesquisa de fitomedicamentos, pode ser vista como a grande alternativa para o crescimento e a modernização da indústria farmacêutica brasileira, que ainda hoje é muito dependente de tecnologias e processos oriundos de empresas internacionais aqui instaladas. “As próprias políticas públicas do governo federal demonstram essa visão estratégica, no sentido de fortalecer toda a cadeia produtiva farmacêutica nacional”, observa Cardoso.

Para o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, o potencial do País no setor é enorme. “Vide a oferta de serviços e produtos fitoterápicos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e da rede pública, e o incentivo do Ministério da Saúde à pesquisa e ao desenvolvimento de plantas medicinais e fitoterápicos, em parceria com outros órgãos de fomento”, afirma.

Além disso, acrescenta Mussolini, a nova regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cria a categoria de Produtos Tradicionais Fitoterápicos, ampliando a lista de produtos com segurança e eficácia comprovadas. “Com a medida, é provável que os laboratórios farmacêuticos aumentem a oferta de medicamentos fitoterápicos”, estima.
Assim como vem fazendo ao longo dos últimos anos, o setor de fitoterápicos acompanha o crescimento da indústria farmacêutica como um todo. Apesar de ter registrado crescimento mais tímido em 2014, os negócios se mostram promissores, na visão dos empresários da área.

Resultados de quem faz

“Nos últimos três anos, o segmento de fitoterápicos cresceu aproximadamente 20% em unidades vendidas e 24% em valores, resultado muito positivo mesmo com o cenário adverso na econômica global que influiu em vários setores”, analisa o gerente de produtos Over the Counter (OTC) da Herbarium, Eduardo Cristiano P. de Oliveira. “Mesmo com crescimento mais discreto em 2014, deve-se destacar que vender 6% a mais em ano de retração é ainda bem positivo”, assinala o executivo, que se mostra otimista para este ano.
“Mesmo com uma esperada instabilidade do mercado brasileiro devido a questões político-econômicas, esperamos para 2015 um melhor desempenho nas vendas de produtos fitoterápicos. A busca por terapêuticas menos agressivas e hábitos de vida mais saudáveis tende a ampliar o número de consumidores do segmento que a cada ano buscam por mais produtos inovadores e sustentáveis.” A Herbarium tem em linha 30 medicamentos fitoterápicos, os quais receberão intensos investimentos em 2015, segundo Oliveira.

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“Historicamente, o ritmo de crescimento do mercado de fitoterápicos é mais lento que o da indústria farmacêutica em geral”, assinala a sócia e diretora de novos negócios da Brasterápica, Adriana Schulz. “Isso é natural, uma vez que a maior parte dos investimentos em lançamento de produtos, desenvolvimento de novas moléculas, além do volume de recursos direcionados às ações promocionais, são realizados em medicamentos sintéticos”, explica a executiva, lembrando que mesmo com crescimento menor do que o restante da indústria, os fitoterápicos têm trazido produtos importantes para o tratamento de males bastante prevalentes no mundo moderno. 

“Grandes empresas têm voltado suas atenções para esse mercado, que não deixa de ser atraente, e a Brasterápica é uma delas. Então, as expectativas para 2015 são boas, e deve ocorrer um ritmo um pouco mais acelerado de crescimento daqui em diante”, observa Adriana. Sedativos, expectorantes, laxantes e produtos para terapia vascular estão entre as classes terapêuticas mais importantes e também as que têm apresentado crescimento acima da média, segundo a executiva.

Com grande potencial de crescimento no Brasil, os fitoterápicos avançam mais do que os sintéticos, adiciona o gerente de marketing da Aspen Pharma, Jackson Figueiredo. “Os fitoterápicos possuem alto potencial de mercado e deverão ter um ótimo crescimento em 2015”, acredita.

A empresa vai continuar a apostar no segmento, incluindo o lançamento de um novo fitoterápico até o fim do ano. “Cerca de um terço da receita da Aspen no Brasil vem dessa categoria. O crescimento médio nos últimos três anos tem sido de aproximadamente 15%”, diz o executivo. Atualmente, a empresa possui dez marcas de fitoterápicos em seu portfólio, tendo como destaque neste segmento o Calman, líder de venda há dois anos, segundo Figueiredo. “A companhia registrou aumento de 10% com esse produto mantendo a liderança de mercado e participação de 49%. Outro item que atingiu a liderança do mercado em que atua foi a Alcachofra, responsável por 58% de market share”, acrescenta.

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A linha de fitoterápicos da Natulab cresceu 42% em unidades comercializadas e 45% em receita em 2014, se comparado com os números do ano anterior. Segundo a farmacêutica analista de inteligência de mercado e marketing de produto do Natulab, Valnizia Mendes, produtos que atuam no sistema nervoso central, expectorantes e sistema digestivo são os mais vendidos. O grupo possui cerca de 20 medicamentos fitoterápicos no portfólio, sendo que vai continuar a investir na expansão e introdução de novos fitos, sobretudo em produtos diferenciados.

“A expectativa para 2015 é de que o mercado continue a crescer a taxas de dois dígitos”, acredita Valnizia. “Quando comparamos os números do mercado de medicamentos fitoterápicos do Brasil com os da Europa, verificamos o quanto existe de oportunidade para o setor se desenvolver”, diz, destacando que produtos que atuam no sistema nervoso central ainda constituem as áreas mais promissoras, em virtude das mudanças que vêm ocorrendo na sociedade e a busca por tratamentos mais alternativos. “Vamos apostar no crescimento, para tanto, temos cerca de dez novos produtos previstos para ser lançados ao longo do ano, a exemplo do Seakalm, que se consolidou como o fitoterápico mais vendido do Brasil em unidades comercializadas, segundo o IMS Health.”

Entraves do setor

Em que pese o crescimento do setor registrado nos últimos anos, estima-se que apenas 10% dos brasileiros consumam regularmente medicamentos fitoterápicos. Em parte isso se explica pelo fato de o mercado local ser ainda recente em comparação aos europeu e asiático, que consomem o produto há muitos anos.

Outro motivo está relacionado à desinformação sobre o produto. Para a Abifisa, uma faixa considerável da população brasileira ainda não tem conhecimento dos benefícios dos medicamentos fitoterápicos, principalmente em relação ao baixo índice de efeitos colaterais e reações adversas. Não por acaso, as prescrições médicas desses compostos ainda são inferiores às realizadas nos países desenvolvidos.

Segundo a Abifisa, em países, como Alemanha, França, Reino Unido, Japão e Estados Unidos, não existe descrédito com relação aos medicamentos fitoterápicos, desde que produzidos sob os rigores da indústria farmacêutica, com boas práticas de fabricação e controle, e submetidos à apreciação dos órgãos reguladores.

Mas esse cenário pode estar mudando no Brasil. “Houve avanço na preocupação, tanto por parte das empresas como das agências reguladoras, em produzir medicamentos fitoterápicos cientificamente validados, ou seja, disponibilizar para a população produtos fitoterápicos com sua eficácia cientificamente comprovada”, revela a coordenadora de pesquisa da Amazônia Fitomedicamentos, Denise Mollica Marotta.

De acordo com a Anvisa, o Brasil, atualmente, está alinhado com as tendências mais modernas em termos de regulamentação de medicamentos fitoterápicos, sendo sua legislação baseada principalmente no modelo europeu, considerado o mais avançado no segmento. “A legislação dessa área vem sendo atualizada de forma a acompanhar o desenvolvimento do setor. Mais recentemente, por exemplo, criamos os produtos fitoterápicos tradicionais, um novo segmento em que se encaixam aqueles extratos vegetais com uso tradicional e comprovado no País”, afirma a Agência.

A profissionalização do setor pode se aproveitar de outro aspecto: a boa aceitação do brasileiro para produtos oriundos da natureza. “Tradicionalmente, o consumidor brasileiro tem grande apreço e aceitação pelos produtos ditos naturais”, observa Cardoso, do ICTQ. “Embora os fitoterápicos passem por importantes processos tecnológicos durante a sua concepção, o fato de possuírem extratos vegetais como constituinte ativo principal aproxima o usuário do produto”, diz.

A Anvisa destaca ainda que as alterações mais recentes incluíram a criação do Produto Tradicional Fitoterápico e a publicação da lista de fitoterápicos de registro simplificado. “Isso traz grande benefício para a população por meio da oferta de opção terapêutica mais próxima do conhecimento do paciente, de sua história e tradição. Além disso, a norma amplia o elenco de tratamento de saúde com referência sólida ou consagrada pelo uso”, revela.

Autor: Marcelo de Valécio

Fito 2015

Especial Fito 2015

Essa matéria faz parte do Especial Fito 2015.

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