Os impactos do home office na saúde

Excesso de trabalho, postura inadequada e falta de ergonomia traz consequências para o corpo

Passados três anos do pico da pandemia, a Covid-19 ainda deixa suas marcas. Quando o assunto é home office, quem passou a trabalhar de casa sentiu uma melhora na qualidade de vida em vários aspectos. Porém, agora, esse modelo cobra seu preço. O fato de ficar durante muitas horas trabalhando sentado no computador, se dividindo entre reuniões on-line e afazeres domésticos, tem aumentado a intensidade das dores musculares.

“O home office modificou, e muito, a rotina das pessoas. Esse modelo proporcionou um ganho de tempo, antes utilizado no deslocamento casa-trabalho, e trouxe a possibilidade de um tempo livre para a prática de atividade física. Por outro lado, um aumento na carga horária de trabalho, associado a um ambiente menos favorável ergonomicamente pode, sim, aumentar as dores nos profissionais que trabalham neste modelo”, afirma o diretor da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), Dr. Antonio Tufi Neder Filho.

O fisioterapeuta especializado em traumato-ortopédica do HCor, Thiago Resende Inojossa, nota que houve um aumento significativo com relação às queixas de dores e lesões musculoesqueléticas por uma série de fatores.

Entre eles: a ergonomia inadequada (posicionamento da mesa de trabalho, encosto da cadeira, altura e distância da tela do computador); aumento expressivo da carga horária; dificuldade de realizar a prática de atividade física supervisionada; e até mesmo a falta de exercícios. Somado a tudo isso, o estresse ajuda a agravar o quadro.

De acordo com os especialistas, as principais dores de quem trabalha no home office são relatadas na região cervical, dorsal e lombar, além de membros superiores (ombro, cotovelo e punho) e inferiores (quadril, joelho e tornozelo).

“Segundo estudo realizado em 2022 , as maiores queixas estão relacionadas à dor muscular, seguidas de tendinites, artralgias, alterações posturais e, em alguns casos, houve incidência de aumento de edema em tornozelos devido à diminuição do retorno venoso”, completa Inojossa.

A mesma pesquisa, que verificou a existência de dores posturais ligadas ao trabalho remoto antes e depois da pandemia, detectou que 80% das pessoas relataram dores no pescoço durante a atividade no home office; 76,6%, dores nas costas; 73,3%, nos braços; e 23,3%, nas pernas.

Segundo o levantamento, 73% dos entrevistados afirmaram que possuem um local específico para a realização do trabalho em casa e tentaram de alguma forma se adaptar. Mas isso não foi suficiente. Na maioria dos casos, os pés não encostam no chão, o tronco fica curvado, ombros e quadris desalinhados, e a cadeira, geralmente, não possui encosto ideal nem descanso para os braços na altura do cotovelo. Além disso, o punho não fica em posição neutra para mexer no mouse e teclado, e a tela do computador não está posicionada a uma distância adequada do rosto, que é de 45-70 cm.

Prevenção

Para evitar o agravamento dessas dores, é necessário adaptar o espaço de trabalho em casa, que precisa seguir preceitos da ergonomia, com o posicionamento correto da cadeira, mesa, apoio para mãos, cotovelos e pés.

“Orientamos também mudanças de posição, pequenos intervalos para caminhadas e a realização de exercícios simples, visando aumentar o retorno venoso, aquecer e fortalecer as musculaturas mais utilizadas no home office, como cervical, punho e lombar”, destaca Inojossa.

O Dr. Neder Filho recomenda ter uma atividade física de condicionamento, um sono de boa qualidade e atenção à postura. “Além disso, é muito importante fazer intervalos de 5 a 10 minutos a cada hora trabalhada na mesma atividade, como, por exemplo, a digitação.”

Mesmo com esses cuidados, muitas vezes, será necessário tomar alguma medicação – inclusive nos casos leves. Cada indivíduo tem suas particularidades, mas de modo geral, o tratamento envolve medicamentos para alívio das dores, relaxantes musculares e fisioterapia, de acordo com o Dr. Neder Filho.

No caso da fisioterapia, afirma Inojossa, os quadros leves podem ser tratados com técnicas para alívio da dor e redução dos sinais de inflamação, fortalecimento, adequação postural e orientações quanto à realização de uma atividade física da escolha do paciente e conforme liberação médica, como academia, natação, pilates e caminhada.

O estudo “Tendências do home office no Brasil”, feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) mostra que, em 2021, 57,5% das empresas adotaram o trabalho remoto no País de forma parcial ou total. Esse percentual caiu para 32,7% em outubro de 2022, mas há setores em que esse índice ainda é alto, como o de serviços de informação e comunicação (74%). O levantamento aponta que havia a percepção de que o modelo do home office seria reduzido drasticamente com o avanço da vacinação e o controle da pandemia. Mas o fato é que muitas empresas se estruturam para esse formato e muitas pessoas gostam dos benefícios que ele proporciona. Diante disso, o home office deve continuar fazendo parte da realidade de parte da população, que precisa estar de olho na saúde.

Covid longa nos músculos

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 10% e 20% das pessoas que tiveram Covid-19 desenvolvem alguma complicação prolongada. A chamada Covid Longa é objeto de estudo de várias pesquisas no Brasil e no mundo atualmente para entender causas, sintomas e tratamentos.

Uma pesquisa da Fiocruz Minas2, realizada em 2022, mostra que metade dos pacientes acompanhados ao longo de 14 meses teve sintomas pós-infecção. A pesquisa contabilizou 23 sintomas, como fadiga, tosse, dificuldade de respirar, mas também foram relatadas com frequência mialgia, dor no corpo e nas articulações.

“A Covid aumentou, sim, a incidência de dor muscular durante o quadro e até depois. Não é um quadro absolutamente comum, mas ele existe”, afirma o neurocirurgião do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital Nove de Julho, Dr. Alexandre Elias.

O Ambulatório Multiprofissional de Reabilitação Pós-Covid do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM)3, no Rio Grande do Sul (RS), criado em 2021 para estudos das sequelas da doença e reabilitação de pacientes, tem desenvolvido alguns protocolos.

Todas as pessoas atendidas têm algum sintoma de Covid Longa, sendo que os problemas mais frequentes são: falta de ar, dificuldade de caminhar longas distâncias, fraqueza e dores musculares. O tratamento é definido conforme as necessidades individuais, com sessões semanais de fisioterapia e uma de outra especialidade por, pelo menos, oito semanas.

Fonte: Guia da Farmácia
Foto: Shutterstock

Uma cesta de oportunidades

Edição 368 - 2023-07-14 Uma cesta de oportunidades

Essa matéria faz parte da Edição 368 da Revista Guia da Farmácia.