A corrida bilionária das farmacêuticas para lançar o próximo ‘Ozempic’

Companhias investem pesado em pesquisa e desenvolvimento para criação de produtos com menos efeitos colaterais e em novas versões

O mercado de produtos voltados ao emagrecimento cresce a cada ano. Uma estimativa feita pela agência de notícias Reuters mostra que o setor pode valer em torno de US$ 100 bilhões até a próxima década. O número é impulsionado pelas taxas globais de obesidade, que triplicaram nos últimos anos, chegando a cerca de 1 bilhão de pessoas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), e pela revolução gerada pelo Ozempic (semaglutida), medicamento desenvolvido pela dinamarquesa Novo Nordisk para tratamento da diabetes tipo 2, que passou a ser usado também para a obesidade.

No último ano, as ações da farmacêutica subiram cerca de 60%. No entanto, vale uma ressalva. O Ozempic não é aprovado para o controle de peso ou para uso em adultos que não tenham diabetes tipo 2, segundo a própria fabricante, que não endossa a promoção de uso off-label do medicamento – isto é, em desacordo com o indicado na bula. Além disso, o tratamento deve sempre ser orientado por médicos e de acordo com avaliações individuais. A principal alternativa, também da Novo Nordisk, é o medicamento injetável Saxenda (liraglutida), indicado para o tratamento de adultos com obesidade e sobrepeso com alguma comorbidade associada e adolescentes acima de 12 anos com obesidade.

Não à toa, o fenômeno provocou uma corrida entre gigantes do setor para a descoberta do “novo Ozempic” – ou, pelo menos, de um concorrente mais eficaz, com menos efeitos colaterais, com valores mais acessíveis e que não precise, necessariamente, ser aplicado por meio injetável, como o medicamento pioneiro lançado no mercado americano em 2017.

Em janeiro de 2023, a Anvisa aprovou no Brasil um outro produto da Novo Nordisk para adolescentes e adultos obesos ou com sobrepeso, e pelo menos uma comorbidade relacionada: o Wegovy, cujo princípio ativo é o mesmo do Ozempic, porém em apresentações, doses e indicações diferentes – embora ainda seja injetável.

De acordo com Priscilla Mattar, vice-presidente da área médica da Novo Nordisk, a semaglutida é uma substância que pertence à classe dos análogos de GLP-1, um hormônio produzido principalmente no intestino. Priscila explica que a semaglutida tem 94% de similaridade ao hormônio produzido por nosso corpo e, dessa forma, age em uma área do cérebro chamada hipotálamo, que é responsável pela regulação do apetite, levando a uma redução da fome e aumento da saciedade — ou seja, a pessoa tem menos vontade de comer e fica satisfeita com pequenas quantidades de comida. “Isso, aliado à alimentação saudável e equilibrada, além de atividade física regular, promove maior perda de peso”, afirma.

Outras alternativas

Apesar da aprovação junto à Anvisa, o Wegovy ainda não está disponível nas farmácias brasileiras, o que deve ocorrer ao longo do ano. Na mesma situação está o Mounjaro (tirzepatida), da farmacêutica americana Eli Lilly. Aprovado pela Anvisa em setembro de 2023 para tratamento de diabetes tipo 2, o medicamento ainda não é comercializado no Brasil e também aguarda aprovação para o tratamento da obesidade.

Nos EUA, onde é comercializado com o nome de Zepbound, o medicamento já foi aprovado pelo FDA para o tratamento de adultos com obesidade ou sobrepeso com comorbidades relacionadas ao peso. De acordo com a farmacêutica, tanto no tratamento do diabetes tipo 2 quanto no de obesidade, a tirzepatida alcançou resultados que nenhum outro tratamento medicamentoso teve.

O efeito do Mounjaro nos resultados da Eli Lilly, uma empresa centenária, mostra o tamanho do potencial do mercado de drogas contra diabetes tipo 2, obesidade e comorbidades relacionadas ao sobrepeso, como a esteatose hepática (a popular gordura no fígado). No último trimestre de 2023, a Eli Lilly apresentou aumento de 28% nos resultados financeiros globais em comparação com o mesmo período de 2022, alcançando um total de receita de US$ 9,35 bilhões – somente as vendas de Mounjaro/Zepbound foram responsáveis por US$ 2,21 bilhões.

“Nosso objetivo é seguir investindo 27% do nosso faturamento em pesquisa e desenvolvimento e, atualmente, 40% do nosso pipeline é dedicado para moléculas em desenvolvimento na área de diabetes e obesidade”, diz Luiz Magno, diretor médico da Eli Lilly do Brasil. Segundo ele, Mounjaro é um produto muito importante para a Lilly nesse contexto, não apenas pelos resultados de negócio, mas principalmente pelo impacto positivo que ele traz para a vida dos pacientes.

Atualmente, a Eli Lilly está trabalhando no desenvolvimento de novos medicamentos a partir de resultados promissores de outras moléculas, como a retatrutida e a orforgliprona. No caso desta última, a grande vantagem é que se trata de um medicamento de uso oral, sem necessidade de jejum e que teve um impacto rápido na perda de peso dos voluntários – o estudo da fase 2 para obesidade apontou que a orforgliprona levou à diminuição de 15% do peso inicial dos pacientes em 36 semanas.

Promessa contra doença do fígado

Já a farmacêutica alemã Boehringer Ingelheim está com estudos avançados em relação à molécula survodutida, também para o tratamento da obesidade, mas que está apontando para resultados promissores no tratamento de uma forma grave de esteatose hepática não-alcoólica associada a distúrbios metabólicos, conhecida como MASH, e que pode levar a cirrose e câncer de fígado – 83% dos pacientes tratados com o novo medicamento tiveram melhora no quadro.

“O survodutida pode ser o primeiro medicamento para tratamento da obesidade que oferece tanto a redução da ingestão de energia como o aumento do gasto de energia no fígado”, afirma Thaís Melo, diretora médica da empresa.

Segundo ela, os estudos da fase 3 da survodutida tiveram início em 2023, e a expectativa é de que o medicamento seja aprovado nos próximos quatro a cinco anos, tornando-se a melhor opção de tratamento para as mais de 115 milhões de pessoas que vivem com a doença. A farmacêutica não abre dados financeiros sobre essas pesquisas, que estão sendo realizadas em parceria com a dinamarquesa Zealand Pharma. Com os resultados promissores da fase 2 anunciados no final de fevereiro, as ações da Zealand Pharma tiveram um salto de mais de 30%.

Aquisição e expansão

Para competir nesse mercado, a suíça Roche finalizou, em janeiro, a aquisição da farmacêutica americana Carmot Therapeutics, com um investimento total de US$ 3,1 bilhões (cerca de R$ 15,6 bilhões), obtendo, assim, acesso ao portfólio de pesquisa e desenvolvimento da empresa, que envolve estudos com três análogos de GLP-1 para tratamento de obesidade e sobrepeso em pacientes com ou sem diabetes.

“Essa aquisição também demonstra o foco contínuo em fortalecer nossa posição em relação a doenças metabólicas e cardiovasculares, incluindo o mercado de obesidade, que alguns analistas esperam que chegue a centenas de bilhões em 2030”, diz KT Park, head global de Gastroenterologia, Hepatologia e Metabolismo da Roche.

Ele lembra que mais de 4 bilhões de pessoas, ou 50% da população mundial, devem ter sobrepeso ou obesidade em 2035. “Com esses avanços, resta uma grande oportunidade para oferecer tratamentos avançados com melhor eficácia, mais segurança e mais tolerabilidade, assim como tratamentos de melhor qualidade e durabilidade, que preservem a massa muscular, por exemplo”, aponta Park.

Diante desse cenário de forte concorrência, a Novo Nordisk, hoje a empresa europeia com maior valor de mercado (US$ 595 bilhões), anunciou no final do ano passado um investimento de mais de R$ 30 bilhões na expansão de sua fábrica em Kalundborg, na Dinamarca. A nova planta terá o objetivo de criar capacidade adicional de produção, incluindo produtos que seguem a linha do Ozempic e do Wegovy, voltados para tratamento de diabetes e emagrecimento.

“Nosso objetivo é ser a principal força na ciência por trás da obesidade. E nesta área ainda existe uma lacuna enorme entre a eficácia atingida por meio dos tratamentos com medicamentos e por meio da cirurgia bariátrica. Por isso, uma das metas da nossa estratégia é diminuir essa lacuna”, diz Priscila Mattar.

Os desafios que o sucesso do Ozempic trouxe para a Novo Nordisk

Fonte: Época Negócios

Foto: Shutterstock

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