Após 25 anos da lei, 37% dos medicamentos brasileiros são genéricos

Promulgada em 10 de fevereiro de 1999, a Lei 9.787 foi o principal marco regulatório para a política dos medicamentos genéricos

Após 25 anos de regulamentação, a indústria de medicamentos genéricos é responsável por pelo menos 37% de todo o mercado farmacêutico no Brasil. Com faturamento anual de quase R$20 bilhões, os genéricos são os medicamentos mais comercializados no Brasil, à frente dos medicamentos similares e novos.

Promulgada em 10 de fevereiro de 1999, a Lei 9.787 foi o principal marco regulatório para a política dos medicamentos genéricos. Segundo os dados da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2022, foram produzidas mais de 2 bilhões de embalagens de medicamentos genéricos.

A legislação serviu para ampliar o acesso ao tratamento farmacológico, com medicamentos mais baratos. Hoje, o preço médio de um genérico é de R$ 8,50. Em comparação, os similares possuem um preço médio de R$15,03 enquanto os medicamentos novos chegam a R$ 45,62.

“O mercado de genéricos não só barateou os medicamentos, como também fez aumentar a qualidade e eficácia de todos os medicamentos existentes no mercado brasileiro, porque as cópias tiveram que ser submetidas a estudos de biodisponibilidade”, explicou o médico sanitarista e fundador da Anvisa, Gonzalo Vecina.

De acordo com a Meiruze Sousa Freitas, segunda diretora da Anvisa e responsável pela área regulatória pré-mercado dos medicamentos e alimentos, a qualidade dos genéricos vendidos no Brasil é submetida a uma série de testes de biodisponibilidade e bioequivalência. Nesses procedimentos, são analisados o desempenho dos fármacos no organismo e os resultados são comparados com os dados dos medicamentos de referência.

A verificação dos testes de bioequivalência pela Anvisa é um dos principais critérios para que o registro de medicamentos genéricos seja aprovado. Primeiro, a composição química do fármaco precisa ter a patente expirada, ou seja, após 20 anos de uso exploração exclusiva. Depois, é necessário a apresentação dos testes de bioequivalência. Para ser comercializado, a embalagem do medicamento deve trazer a identificação padrão do genérico e destacar o princípio ativo do fármaco. A legislação também determina que, para o consumidor, o genérico deve ser pelo menos 40% mais barato que o medicamento de referência.

No processo regulatório, a Anvisa faz uma avaliação constante dos laboratórios dos fabricantes, com inspeções nas instalações e verificação das “boas práticas de fabricação”. Segundo Meiruze, “a empresa é responsável por manter a qualidade dos produtos. Isso faz parte do cumprimento das boas práticas de fabricação estabelecidas pela Anvisa. A cada dois anos, são renovados os certificados dessas empresas, e a maioria das fábricas estão no Brasil, sendo avaliadas também pelas vigilâncias sanitárias estaduais e municipais, que fazem parte do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária”.

Ao longo dos 25 anos, os genéricos brasileiros se destacaram no tratamento de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, entre outras. Entretanto, a Anvisa tem apontado uma maior participação dos medicamentos genéricos nos tratamentos contra o câncer. Para a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), cerca de 90% das doenças conhecidas podem ser tratadas com medicamentos genéricos.

A criação

Em março de 1998, um ano antes da promulgação da Lei 9.787, o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) decidiu nomear para o comando do Ministério da Saúde o correligionário José Serra. Após uma gestão conturbada do ex-ministro Carlos Alburquerque, Serra assumiu a pasta num contexto de dificuldades para financiar o recém-criado Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo Vecina, o governo decidiu enfrentar a questão do financiamento público da saúde em duas frentes: primeiro, com aumento da arrecadação, em medidas como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); e, segundo, com cortes de custos, com maior regulação do setor da saúde e com barateamento da assistência farmacêutica.

Naquele período, os especialistas em saúde pública observavam os efeitos do Ato Hatch-Waxman que, em 1984, inseriu os medicamentos genéricos no mercado farmacêutico dos Estados Unidos. O entendimento era que, ao reduzir o preço dos remédios para os consumidores, os genéricos ampliaram o acesso a medicamentos e, por consequência, diminuíram os custos com tratamentos médicos.

No Brasil, a primeira definição de genéricos foi trazida pelo ex-ministro Jamil Haddad, no governo Itamar Franco. Por meio do Decreto 793 de 1993, trazia uma primeira definição dos medicamentos enquanto uma cópia, sem citar os testes de biodisponibilidade que garantem a qualidade do fármaco. Os genéricos passaram a ser introduzidos como um medicamento cópia sem marca, apenas com a rotulagem padrão.

Em 1998, para apresentar uma proposta de regulação da indústria dos medicamentos genéricos, o Ministério da Saúde tomou como base um projeto de lei que já estava em discussão no Congresso Nacional próximo da caducidade. A redação inicial do PL 2020/1991, de autoria do deputado federal Eduardo Jorge, na ocasião do PT de São Paulo, apenas proibia o uso de marcas comerciais nas embalagens de medicamentos genéricos.

O governo federal queria aprovar a regulação dos genéricos antes do período eleitoral, sem os entraves com uma nova legislatura. Para isso, o Ministério da Saúde estabeleceu uma comissão interna, chefiada pelo então secretário Vecina, que incluiu no PL 2020/1991 uma série de propostas para estabelecer uma regulamentação dos genéricos mais robusta. Por exemplo, foi incluída a obrigatoriedade dos testes de biodisponibilidade e bioequivalência farmacêutica e as definições de medicamentos genéricos, similares e de referência.

Para Gonzalo, o primeiro desafio para a política de genéricos foi combater a desinformação sobre a qualidade dos medicamentos e convencer as indústrias do setor. “O desafio inicial do genérico foi fazer com que indústrias farmacêuticas aceitassem uma regulação do seu lucro. Porque o genérico, uma das regras da entrada do medicamento genérico no mercado, é que ele tinha que ter o preço 40% inferior ao preço do produto original. Para entrar no mercado, essa era a regra. Mas, em compensação, ele ganhava o mercado todo”, relembrou.

Em setembro de 1999, meses depois da promulgação da nova legislação, o governo apresentou o Decreto 3.181/99, que regulamentou a Lei dos Genéricos e trouxe as regras para a distribuição dos produtos, com a embalagem característica que é um dos maiores símbolos da política dos genéricos.

A indústria atual

Atualmente, a indústria de genéricos brasileira é composta por quase 90 laboratórios nacionais e internacionais que oferecem cerca de 2.500 produtos diferentes. Para Tiago de Moraes Vicente, presidente da Pró-Genéricos, a relação entre a agência e o setor tem ajudado a fortalecer a cadeia de produção e distribuição dos medicamentos. “Nossa indústria é muito pujante e conta com o apoio extremamente valoroso da Anvisa que, tal como a lei, é um dos pilares que sustenta a nossa indústria”, afirma.

Entretanto, apesar da expansão dos genéricos, laboratórios com foco na descoberta de novos medicamentos alegam dificuldades na proteção das tecnologias patentárias. Segundo Renato Porto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), a Lei dos Genéricos iniciou uma das maiores políticas públicas em saúde do país, mas as indústrias focadas em novos medicamentos ainda sentem a demora na concessão de patentes.

“O sistema de proteção de patentes do Brasil é igual aos de outros países, com 20 anos. Porém, o Brasil leva muito tempo para conceder uma patente. Hoje, o INPI leva 10 anos para conceder uma patente. O que significa dizer que eu deposito essa patente e eu vou ter a patente daqui a dez anos”, explica.

Para ele, a falta de proteção às tecnologias dos laboratórios impacta diretamente na disponibilização de novos medicamentos genéricos. Com a maior agilidade na concessão de patentes, os medicamentos genéricos teriam um maior acesso às inovações do setor farmacêutico.

“O principal desafio é que a gente saia desse viés de que são duas indústrias que concorrem entre si. Não! A gente precisa ser muito rápido na inovação. Para ser mais rápido ainda no genérico e no similar. Então, quanto mais rápido eu trouxer uma terapia gênica para cá, mais rápido a indústria vai trazer o genérico. E aí, quando eu falo essa frase, não é só dizer em tempos regulatórios, em patentes, no que a gente começou. É absorver no Brasil a tecnologia capaz de fazer produtos cada vez mais arrojados. Cada vez mais inovadores”, explica.

Fonte: Jota

Foto: Shutterstock

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