HPC

‘Efeito batom’: o que o aumento das vendas do cosmético tem a ver com crises econômicas?

Consumo de itens que causam bem-estar não são paralisados quando as finanças apertam, mas, substituídos

Há poucos fenômenos econômicos mais curiosos que o “efeito batom”. Baseado na observação de seus negócios, Leonard Lauder, um dos herdeiros da gigante de cosméticos Estée Lauder, percebeu que, quando uma crise econômica se instala, a venda de batons costuma subir.

A tese do “efeito batom” (em inglês, “lipstick effect”) ganhou, então, fama após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando a economia americana ficou debilitada e, mesmo assim, a empresa percebeu um disparo na busca pelo produto.

Para Lauder, as crises não impedem a compra, mas fazem os consumidores substituírem itens caros pelos mais baratos. E um dos itens da linha de frente dos cosméticos de baixo custo é justamente o batom.

O empresário viu o mesmo efeito se repetir na crise das hipotecas nos Estados Unidos, em 2008, o que “consagrou” sua teoria. Mas, no Brasil, a teoria foi posta à prova.

Pandemia

Dados das principais consultorias de consumo mostram que o “efeito batom” ainda não surgiu desde o último abalo econômico, causado pela pandemia de Covid-19. E o motivo é bastante óbvio: o uso de máscaras tira qualquer propósito de embelezar os lábios.

As principais empresas de cosméticos que atuam por aqui acreditam, porém, que o ponto de virada pode ter chegado. Internamente, elas já percebem que a flexibilização da obrigatoriedade das máscaras e o aumento da circulação trouxeram um reforço da demanda.

A procura é tamanha que as empresas têm dificuldades de manter a produção e, por vezes, enfrentam falta de estoque. Ainda são efeitos da pandemia, que desarranjou as cadeias logísticas em todo o mundo.

O que dizem as empresas

Avon afirma que houve um “crescimento expressivo” no segmento de batons entre janeiro e julho de 2022, sem informar valores. A empresa atribui o aumento à busca por “conforto e alegria diante de cenários adversos, como o da pandemia”.

De acordo com a Avon, uma pesquisa realizada com consumidoras no ano passado aponta que 80% das entrevistadas recorreram a itens de beleza para aumentar a sensação de bem-estar durante o isolamento social. “O batom vermelho também está intimamente ligado à autoestima feminina: 78% das entrevistadas afirmaram que utilizam o item para se sentirem bem”, diz, em nota.

Grupo Boticário enviou nota em que diz que está “bastante otimista” com a não obrigatoriedade do uso de máscaras, a retomada total de atividades presenciais e eventos. “Os batons devem colorir as ruas este ano, voltando a assumir a liderança entre os itens mais buscados de maquiagem, junto com as máscaras de cílios e itens para olhos”, diz a empresa.

Já a Ruby Rose afirma que cerca de 30% do faturamento da empresa vem dos batons e notou 70% de crescimento em volume de vendas em meio digital ao longo da pandemia. Em valores, as vendas online pré-pandemia rendiam por volta de R$ 1 milhão. Hoje, a empresa diz que triplicou o valor.

“Agora, estamos lançando uma nova marca, focada na geração Z, e que atende com produtos para beleza, skin care e amplia nossa atuação até os produtos para o corpo”, diz a coordenadora de marketing da marca, Nathalia Oliveira.

Calma nessa hora

Sem o rigor de uma pesquisa acadêmica, o “efeito batom” foi amplamente discutido nos últimos 20 anos. No fim, tornou-se uma anedota para descrever como o consumo de itens que causam bem-estar não são paralisados, mas, em geral, substituídos.

A professora da ESPM e especialista em consumo, Cristina Helena Pinto de Mello, explica que o batom é apenas um elemento simbólico para descrever a busca de “pequenas compensações” quando não se tem recursos para gastos mais elevados.

A professora afirma ainda que essas “pequenas indulgências” não são exclusivas do universo feminino. Homens estão tão sujeitos quanto elas a esse tipo de consumo de ticket baixo para elevar os ânimos.

Partindo para os números dos últimos anos, o batom realmente parece não ter, no Brasil, o mesmo carrego que Leonard Lauder percebeu nos Estados Unidos.

Levando em conta a última crise financeira do país, a teoria até parece ser certeira. Dados da Euromonitor International mostram que, durante a recessão de 2015 e 2016, o batom cresceu 10,3% no primeiro ano e 12,8% no segundoMas é preciso olhar além deste recorte.

Já a analista de beleza e cuidados pessoais na Euromonitor, Mariana Teixeira, afirma que, apesar de o batom aparecer como uma das categorias de maior crescimento em valores correntes, trata-se de uma continuidade da trajetória de anos anteriores. “Não houve uma mudança no padrão de consumo”, afirma.

Em 2020, o segmento de lábios caiu 7,7%. No ano seguinte, mais 6,2%. Para 2022, a Euromonitor espera uma alta de apenas 1,2% no setor.

A analista aponta ainda que as tendências do mercado de beleza também apontam para outra direção. Está em alta o conceito de “beleza mais natural” e de produção mais sutil, que sofre grande influência dos produtos asiáticos (o chamado “k-beauty”).

E o esmalte?

Curiosamente, o esmalte acaba se beneficiando de uma lógica parecida com o batom nos EUA: o aspecto mais democrático, com um preço médio ainda mais baixo que o do batom.

A diretora de uso e consumo da Kantar, Aurélia Vicente, afirma que a pandemia trouxe uma mudança estrutural de comportamentos, mesmo com a flexibilização e retomada gradual dos hábitos sociais em 2022. Para ela, o próprio “hábito de se arrumar” ainda não atingiu patamares pré-pandemia.

Aurélia Vicente diz que o batom ganhou alguma penetração de público desde a reabertura e consegue se manter estável em volume. Mas há o desafio de desvendar o quanto a mudança de costumes deixa nebuloso o futuro da indústria.

Ainda de acordo com a Kantar, o batom perdeu penetração, de 24,1% em 2014 para 17,8% na projeção para 2022. Nos anos de crise, houve alguma reação. Mas nada que demonstre uma corrida em massa para o produto.

Fonte: G1

Foto: Shutterstock

Deixe um comentário