Em 10 anos, veja como a expansão de farmácias mudou ruas em Salvador

Número de estabelecimentos cresceu quase 10 vezes na cidade e provocou transformações urbanas

Em um quilômetro de caminhada, é possível encontrar seis farmácias. Na última década, elas foram abertas no lugar de lojas de móveis, concessionárias, restaurante de comida italiana, lanchonetes e salões de beleza. O bairro onde os estabelecimentos estão, a Pituba, concentra o maior número de drogarias de Salvador e é um exemplo de como a expansão das farmácias muda a paisagem urbana da cidade.

O número de farmácias está quase dez vezes maior na capital baiana desde 2010. Naquele ano, existiam 187 drogarias ativas em Salvador. Hoje, são 966 delas, espalhadas por 319 bairros, calcula o Conselho Regional de Farmácia do Estado Bahia (CRF).

Para te mostrar o que essa expansão muda nas ruas, a reportagem utilizou imagens de satélite públicas produzidas entre 2012 e 2022, que refletem o crescimento do setor. Só no ano passado, foram abertas 100 drogarias em Salvador – ou seja, a cada três dias, em média, uma farmácia foi inaugurada.

A crise sanitária é o impacto positivo mais recente para a expansão das farmácias no Brasil, somado por mudanças socioeconômicas. A primeira delas é o envelhecimento da população.

De 2000 a 2022, o brasileiro ganhou seis anos a mais de expectativa de vida – de 69 para 77 anos, segundo o IBGE. No país, existem 122 mil farmácias que atenderam um bilhão de pessoas e faturaram R$ 58 bilhões em 2022, de acordo com a Associação Brasileira Redes de Farmácias, que representa o setor.

“O envelhecimento pode estar associado a doenças crônicas, que exigem uso de medicações por muito tempo e você vai perceber uma maior presença das farmácias onde a população é mais idosa”, explica Bernardo Cabral, professor de Economia da Universidade Federal da Bahia que pesquisa indústria hospitalar.

Os avanços nas pesquisas científicas também alavancaram o setor farmacêutico na última década, junto ao aumento do poder de compra do brasileiro, avalia o professor. Permitidas pela legislação, as farmácias também se transformaram em estabelecimentos onde se compra de tudo, inclusive remédios – reflexo da autorização legal e da maior capilarização das farmácias que de mercados nas ruas.

Até os anos 90, as farmácias lembravam as boticas, espaços onde os medicamentos eram mais manipulados, menos industrializados. Na virada do século, as redes de farmácia começam a avançar pelo país, com uma estratégia econômica e territorial: abrirem próximas umas das outras, para competir pelo cliente. Na paisagem urbana, isso significa aglomeração.

“As farmácias vão ficando cada vez mais parecidas com estabelecimentos comerciais. E há estratégias para mostrar isso. Uma delas é o uso de cores e de logo muito mais forte, que não confundam o consumidor. Você vai conseguir identificar que drogaria é aquela só olhando a cor”, diz Deborah Pereira, farmacêutica e arquiteta especializada em arquitetura hospitalar.

O período de avanço das drogarias converge com uma mudança urbana: a verticalização da cidade. Casas são demolidas para a construção de prédios ou estabelecimentos comerciais – entre eles, as farmácias. O perímetro entre os bairros da Vitória, Canela, Graça e Barra também reflete esse movimento.

Na Rua da Graça, dois casarões vizinhos, onde funcionavam uma lanchonete e uma loja de roupas, viraram duas farmácias. A 100 metros delas, estão outras quatro farmácias – uma delas incorporou a estrutura da casa e funciona no térreo.

A mudança que as farmácias provocam na paisagem urbana varia de acordo com onde estão. As farmácias de rede, concentradas nos bairros mais centrais, apostam em modelos pré-moldados reproduzidos independentemente do endereço.

A liderança do negócio, no entanto, ainda é dos pequenos e médio empresários – 84% são comandadas por esses empreendedores, segundo o Sebrae.

Nesses casos, explica a arquiteta Deborah Pereira, as mudanças provocadas pelas farmácias na paisagem urbana variam mais entre si. Até porque, geralmente, cada empresário costuma abrir apenas uma farmácia – diferentemente das drogarias de rede.

É o que acontece na Fazenda Grande do Retiro, segundo bairro com mais farmácias em Salvador – são 25. Elas, na maioria das vezes, substituíram estabelecimentos de moradores e são avizinhadas por uma diversidade de negócios. Para chamarem atenção, as drogarias também apostam nas cores e na exclusividade dos serviços.

“Estamos focando no atendimento farmacêutico, para muita gente daqui a farmácia acaba sendo a única assistência à saúde”, conta Vitória Torres, dona de uma farmácia no local.

A reportagem enviou perguntas para a Pague Menos, Drogasil, São Paulo e Globo, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

Pituba: o bairro com mais farmácias em Salvador

A Pituba, bairro com maior quantidade de farmácias em Salvador (30), reúne os principais fatores que justificam a proliferação das farmácias nas ruas. Primeiro, o envelhecimento da população: 11,4% dos moradores do bairro têm mais de 65 anos. Há ainda o impacto do poder econômico da população local sobre a indústria farmacêutica: a renda média mensal por habitante da Pituba é de R$ 3,1 mil. O perímetro que engloba Pituba, Caminho das Árvores e Itaigara reúne 48 farmácias.

Nesses locais, elas surgiram tanto no lugar de casas, quanto de estabelecimentos comerciais que perderam força ao longo dos anos. A maioria das farmácias nessa região é de rede – o que é justificado pela possibilidade de rentabilidade mais alta dos negócios nesses territórios.

“Se tem uma farmácia em um determinado lugar, é porque ela percebeu algo sobre a região. O concorrente vai lá e coloca uma do lado. Essas redes grandes de farmácia vão começar por bairros com rendas mais altas, porque garante rentabilidade mais alta, mas no futuro não é impossível pensar que elas vão se expandir mais para os bairros”, explica o professor Bernardo Cabral.

Fazenda Grande do Retiro: segundo bairro com mais farmácias

A farmácia aberta por Vitória Torres, 25 anos, há dois meses, é uma das cinco da Rua Melo Morais Filho, na Fazenda Grande do Retiro. O bairro tem a segunda maior concentração de drogarias de Salvador – são 25 em situação regular. Tem farmácia que substituiu igreja, abatedouro de galinhas e lanchonete. “O bairro é popular, com um público bem idoso, que faz tratamento contínuo. Temos bastante esse público aqui”, arrisca Torres sobre o porquê de tantas drogarias no endereço.

O envelhecimento das pessoas do bairro, no entanto, não explica, sozinho, a quantidade de farmácias por lá. Até porque só 5% da população local tem mais de 65 anos. “Estamos focando no atendimento farmacêutico, para muita gente daqui a farmácia acaba sendo a única assistência à saúde”, sugere Torres sobre um outro possível motivo para a concentração de farmácias no endereço. Para Bernardo Cabral, professor da Faculdade de Economia da Ufba, essa avaliação faz sentido. “Em locais onde não há uma rede de saúde ou é difícil de chegar, a farmácia pode ser o único contato da pessoa com a saúde”, diz.

Brotas

Em 2017, uma casa azul e branca, com muro preto e branco, da Rua Frederico Costa, foi para o chão. No ano seguinte, surgiu uma farmácia de rede no lugar. A história se repete no bairro. No ano passado, foram abertas 15 farmácias na região, onde existem 40 farmácias – considerados os bairros que faziam parte de Brotas, mas se tornaram localidades independentes*. Hoje, vivem nessas áreas 182 mil pessoas, segundo a Prefeitura de Salvador. A densidade demográfica local é um dos chamarizes para a chegada de mais farmácias a cada ano – tanto de pequeno e médio porte quanto de rede. “Encontramos algumas regiões com várias farmácias no mesmo lugar, como Brotas. A proximidade da residência é um dos grandes benefícios da economia da localização. Com uma farmácia próxima a regiões de residência o consumidor pode ter uma concorrência de preço barateando os preços dos medicamentos localmente”, explica Thiago Rodrigues, mestre em Economia e assessor de investimentos.

*Cosme de Farias, Engenho Velho de Brotas, Vila Laura e Acupe

Centro da cidade

O perímetro que reúne os bairros da Vitória, Graça, Barra e Canela reúne 32 farmácias – a maioria de grandes redes, como na Pituba. “Podemos afirmar que todas as farmácias, todos os empreendimentos espalhados pela Graça, Vitória, ocupam lugar de residências. Nas avenidas Euclydes da Cunha e Marques de Caravelas, o que hoje são farmácias eram casas e antigas chácaras, construídas entre os anos 12 e 15 “, explica Rafael Dantas, mestre em História pela Ufba e pesquisador da história material e iconográfica de Salvador.

Um exemplo dessa transformação de casas em farmácias está na entrada do Corredor da Vitória, em direção ao Campo Grande. O térreo de um casarão do início do século 20 foi substituído por uma farmácia, em 2019 – os andares acima dela são de um prédio comercial. “Antes, a casa estava toda preservada dentro, com escadaria em madeira, portas e assoalho. Era ocupado por um curso de inglês”, detalha Dantas. Na Rua da Graça, uma das farmácias se integrou à estrutura do casarão onde foi aberta, em 2018.

Vendas nos sites e aplicativos de farmácias crescem até 60% em um ano

Fonte: Correio

Foto: Google Maps

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