É sabido que o Brasil ainda tem muito a caminhar em direção à inclusão digital. Mas ao mesmo tempo, não é possível negar os avanços que a tecnologia e o mundo digital vêm trazendo nas mais diferentes áreas e setores da indústria, do varejo, da sociedade, dos serviços, educação e assim por diante. E cedo, ou tarde, tudo vai ficando mais e mais digital.
E a vez das bulas de medicamentos chegou. As mudanças começaram a acontecer quando a resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 47/2009, que Estabelece regras de bulas de medicamentos para pacientes e para profissionais de saúde, foi alterada pela RDC 769/2022, em 14/12/2022.
Com isso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a redução do envio de bulas impressas dos Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) disponibilizados em embalagens primárias (blisters, sachês, frascos, entre outros), que estão presentes nos sites dos fabricantes e da própria Agência.
“A disponibilidade dessas informações nos sites dos fabricantes já era uma prática do mercado. A revisão total do marco regulatório de bulas está prevista para acontecer nos próximos anos, com o objetivo de regulamentar a Lei 14.338 de 2022, que dispõe sobre a implementação da bula digital”, conta a vice-presidente executiva da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa), Marli Martins Sileci.
Segundo ela, uma pesquisa realizada pela (Acessa) e Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) demonstrou que dos 1.200 consumidores brasileiros entrevistados e observados nas farmácias, apenas 1% solicitou a bula de um MIP disponibilizado diretamente na embalagem primária.
“Com a nova regulamentação, as empresas passaram a enviar 10% de bulas do total de embalagens primárias enviadas. Tal medida ajudará a reduzir o impacto ambiental oriundo do descarte das bulas não utilizadas”, revela. Marli afirma que a mudança não trouxe impacto negativo à população, pois as informações continuarão disponíveis, seja pelas bulas físicas que continuarão disponíveis nas farmácias (agora em um volume adequado e condizente com a demanda da população), seja pelos profissionais farmacêuticos ou, ainda, pelos mecanismos digitais que permitirão o acesso imediato, a qualquer tempo, à versão on-line da bula desses medicamentos. “Sem contar que a bula digital garante que a informação esteja sempre atualizada, o que, sem dúvida, beneficia o consumidor”, comenta.
Digitalização necessária
Marli reconhece que o Brasil ainda enfrenta desafios em relação à inclusão digital; no entanto, diz que cada vez mais as pessoas estão propensas a utilizar tecnologias digitais em suas rotinas, o que pode tornar mais fácil a utilização da bula no novo formato.
“Sabemos que, em regiões mais carentes e afastadas, o acesso à internet é menor em relação aos grandes centros urbanos, mas a digitalização de todos os serviços é uma tendência no País”, afirma.
Para o Grupo Farma Brasil (GFB), representante institucional da indústria farmacêutica brasileira de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), as alterações previstas na RDC 769/2022 ainda são modestas, mas já sinalizam a possibilidade de discussão com a Anvisa para ampliar o modelo de bulas em papel, para o novo modelo. “Entendemos que a medida evita desperdícios de bulas impressas, visto que a maioria dos pacientes não as usa neste formato para MIPs”, declara o GFB. Já a Anvisa esclarece que, atualmente, a inclusão do
mecanismo digital para acesso às bulas não excluiu a necessidade do documento impresso nos medicamentos dispensados na embalagem secundária.
Segundo a Agência, a mudança trazida pelo arcabouço regulatório atual aumentará o acesso do paciente. A Agência destaca destaca que a racionalização das bulas impressas que acompanham os medicamentos é prática regulamentada por outras autoridades reguladoras estrangeiras, alinhada, ainda, à adoção de práticas sustentáveis que visam à minimização de impactos ambientais.
A entidade entende que a bula é um importante instrumento para o uso correto e seguro dos medicamentos e a adoção de um mecanismo digital impresso nas embalagens tem o potencial de ampliar o acesso de pacientes às bulas mais atualizadas constantes no Bulário Eletrônico da Anvisa. Além disso, para os medicamentos dispensados na embalagem secundária, não houve nenhuma alteração quanto à obrigatoriedade da presença da versão impressa.
A inclusão de código na embalagem para acesso não pode ser confundida com o que se convencionou chamar de bula digital. A nova figura foi instituída pela publicação da Lei 14.338/2022 e ainda está em processo de regulamentação pela Anvisa.
Avanço do QR Code
No Brasil – e no mundo – já existe uma cultura de consultas de informações via QR Code. Com as bulas de medicamentos isso não é diferente, especialmente no caso dos medicamentos adquiridos em blisters.
Apesar das informações disponibilizadas, o papel de quem está do outro lado do balcão da farmácia não se tornou menos importante. “O auxílio dos profissionais que trabalham nas farmácias e drogarias é importante para instruir as pessoas a buscarem as bulas por meio do QR Code. Além disso, os sites das farmácias e drogarias trazem informações sobre os MIPs e vídeos que explicam sobre o uso adequado desses medica-
mentos”, comenta Marli.
Sobre a popularidade do Código 2D QR Code, é possível afirmar que ele já faz parte do dia a dia do consumidor. “Qualquer pessoa que hoje tenha contato com um celular e conexão à internet sabe que, ao apontar a câmera para aquele conjunto de pontinhos, será apresentada a alguma informação nova, ação, interação, que rompe a barreira do físico e leva o usuário ao mundo digital. No setor da saúde não seria diferente usar esse recurso para o relacionamento com a marca, o marketing, o acesso a embalagens estendidas e tabelas nutricionais”, comenta o executivo do setor de saúde da Associação Brasileira de Automação-GS1 Brasil, Ricardo Amaral.
Ele afirma que o papel do QR Code é justamente levar o médico, paciente, profissional ou consumidor, ao local da informação e conectar o medicamento no mundo físico com sua bula no mundo digital, de maneira fácil, rápida e segura.
“Uma simples leitura do código permite o acesso à conversão do texto em voz ou linguagem de sinais, pode facilitar o acesso a informações específicas como posologia. Ainda em outros casos, até formatos diferentes de mídia, como um vídeo ensinando a maneira correta para se realizar um teste de Covid ou como utilizar uma bombinha para asma e bronquite”, finaliza.