Resíduos averiguados

Regulação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária pretende estipular regras para que a indústria de fitoterápicos apresente uma análise sobre os agrotóxicos que podem estar presentes em seus medicamentos

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) havia estabelecido que os fabricantes de fitoterápicos teriam até 1º de janeiro deste ano para apresentar a análise de resíduos de agrotóxicos para os seus produtos.

“Os objetivos são conhecer o perfil de contaminantes comumente empregados no cultivo de plantas medicinais e permitir que não sejam comercializados fitoterápicos que contenham resíduos de agrotóxicos acima de limites considerados seguros. Assim, o objetivo está focado na avaliação dos resíduos de agrotóxicos e não na comprovação de sua presença”, esclarece o gerente da gerência de Medicamentos Específicos, Notificados, Fitoterápicos, Dinamizados e Gases Medicinais (GMESP), da Anvisa, João Paulo Silverio Perfeito.

Entretanto, como esses testes são de difícil implementação e custos elevados, a diretoria da Anvisa suspendeu, por meio da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 196/17, o prazo para a apresentação dos testes enquanto as empresas ainda estão se adequando.

A publicação suspende os prazos estabelecidos nos § 4º e § 6º do Art. 13 e § 4º e § 7º do Art. 15 da RDC 26/14 e estão relacionados à apresentação dos resultados das análises de ocratoxinas, fumonisinas, tricotecenos e resíduos de agrotóxicos em fitoterápicos.

De que forma a segurança e eficácia dos fitoterápicos é comprovada?

A legislação brasileira atual divide os fitoterápicos em duas categorias, os Medicamentos Fitoterápicos (MFs), que têm sua segurança e eficácia baseada na apresentação de estudos não clínicos e clínicos; e os Produtos Tradicionais Fitoterápicos (PTFs), que comprovam sua segurança e eficácia por meio da comprovação do uso tradicional em seres humanos.

Em relação aos medicamentos, segundo explica o diretor presidente da Bionatus Laboratório Botânico e diretor vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e Promoção da Saúde (Abifisa), Elzo Velani, boa parte deles tem origem estrangeira e foi registrada a partir de estudos internacionais ou utilização tradicional em países da comunidade europeia há mais de 30 anos.

O executivo explica que, para um medicamento fitoterápico novo ser registrado no Brasil, deve ter estudos de toxicidade e testes de eficácia terapêutica até a fase IV (estudos executados após a comercialização do medicamento).

“Muitas empresas optam por lançar produtos de registro simplificado ou de origem internacional porque um estudo completo pode demorar mais de dez anos para ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, diz.

Segundo explica o gerente da gerência deMedicamentos Específicos, Notificados, Fitoterápicos, Dinamizados e Gases Medicinais (GMESP), da Anvisa, João Paulo Silverio Perfeito, a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 26/14 traz todos os requisitos, tanto para a apresentação dos testes, como para a comprovação da tradicionalidade.

“Essa RDC é complementada por meio da Instrução Normativa (IN) 4/14, que é um guia contendo cerca de cem páginas que detalham toda a regulação de registro de fitoterápicos no Brasil. A segurança e a eficácia de um fitoterápico também estão diretamente relacionadas à sua qualidade”, reforça o executivo, salientando que tanto os MFs quanto os PTFs devem seguir os mesmos requisitos detalhados de qualidade e boas práticas de fabricação presentes nas normas supracitadas e que são harmonizadas internacionalmente, a fim de possibilitar o monitoramento da qualidade dos medicamentos.

Embora os prazos tenham sido suspensos, várias empresas já protocolaram os resultados das análises de resíduos de agrotóxicos de seus fitoterápicos registrados. “A dificuldade de implementar essa análise não quer dizer que os produtos que estão no mercado estejam contaminados com resíduos de agrotóxicos. Ela está mais relacionada à dificuldade de adequação das empresas à realização das análises necessárias devido à sua complexidade”, reforça Silverio Perfeito.

Vale lembrar que, para a análise de aflatoxinas (tipo de toxina produzida por fungos), não houve alteração. Isso porque a exigência já fazia parte da norma anterior que tratava do registro de medicamentos fitoterápicos – a RDC14/10. Desta forma, os resultados das análises de aflatoxina continuam a ser exigidos pela Anvisa como parte do relatório de controle de qualidade de fitoterápicos.

Avaliação válida

Para o gerente de marketing da Aspen Pharma, Jackson Figueiredo, essa medida da Anvisa vem como uma proteção a mais para o consumidor, uma vez que todos os medicamentos fitoterápicos já são submetidos a um alto rigor de fabricação.

“A nova regra garante que não há presença de agrotóxicos nos medicamentos fitoterápicos e, caso haja, assegura que a quantidade apresentada no medicamento não faz mal à saúde”, diz.

“No Brasil, só é permitido o uso de agroquímicos em plantas medicinais quando o produto é registrado para aquela cultura específica, mas como até hoje não acontecia um acompanhamento deste processo, será um passo importante para o mercado”, conclui.

Para o diretor presidente da Bionatus Laboratório Botânico e diretor vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e Promoção da Saúde (Abifisa), Elzo Velani, a medida da Anvisa é válida, mas pondera que o País ainda não possui laboratórios qualificados para realizar esses testes em insumos farmacêuticos, e os estudos preliminares para se chegar a essas respostas são caríssimos e poderiam prejudicar o setor.

“Temos um grande impasse: não existem empresas capacitadas e auditadas pela Anvisa em número suficiente para realizar todas as análises, e a terceirização com empresas internacionais não está prevista na legislação. De qualquer forma, essa matéria merece um estudo mais profundo, porque os impactos no setor serão muito fortes e podem culminar no desaparecimento de produtos e empresas no médio prazo”, considera Velani, prevendo que a nova norma só será publicada quando esse problema tiver uma solução.

Existem riscos de contaminação entre os usuários?

Segundo o especialista da GMESP, não se espera que haja contaminação nos fitoterápicos comercializados no País, porém, não se pode afirmar com certeza, pois essa análise não é obrigatória até o momento.

“A Anvisa vem discutindo desde 2009, com diversos órgãos e com as empresas, o processo de implementação da análise de resíduos de agrotóxicos em fitoterápicos. Caso venha a ser descoberta alguma contaminação não esperada, o risco irá variar de acordo com o resíduo de agrotóxico encontrado”, pondera.

A Anvisa também abriu a possibilidade de dispensar de tal análise as plantas medicinais que compõem os fitoterápicos e que são produzidas pelo sistema de agricultura orgânica. Espera-se, com isso, estimular a produção de plantas medicinais pelo sistema orgânico.

“Internacionalmente, não são relatadas muitas contaminações em produtos regularizados pelas diferentes agências de referência. O que se conhece, normalmente, são contaminações em produtos não regulares, que são comercializados sem controle”, esclarece Silverio Perfeito.

Para o vice-presidente da Abifisa, todo resíduo de agrotóxico pode trazer prejuízos aos usuários, como ocorre também com os alimentos. Entretanto, os casos poderiam ser reportados de outra forma.

“Existe uma diretoria de Fármaco na vigilância da Anvisa que poderia reportar casos de não conformidade, quando houver, e apontar a extensão e o número desses casos”, avalia.

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