Farmácia Popular pode ter maior orçamento desde 2016

Queda no número de unidades credenciadas e desigualdade regional no acesso aos medicamentos são alguns problemas que se intensificaram desde 2015

Após ter os recursos reduzidos seguidas vezes desde 2015, o Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) pode ter o maior orçamento dos últimos oito anos em 2023, de acordo com a proposta aprovada no Congresso Nacional.

O valor, acima de R$ 3 bilhões, é essencial para a manutenção dos serviços, ameaçados no plano anterior, mas também deverá ser utilizado para atacar problemas que têm se intensificado, defendem especialistas.

Em dezembro, o grupo de transição da Saúde chegou a definir que “resgatar” o programa era uma das dez prioridades consideradas emergenciais para o novo ministério atuar nos primeiros 100 dias de governo.

Alguns dos principais pontos apontados por associações do ramo são a queda no credenciamento de farmácias e a desigualdade regional no acesso aos serviços.

O tema motivou um novo estudo da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), em parceria com o Centro de Regulação e Democracia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), que identificou os principais gargalos do programa e medidas que podem auxiliar na sua resolução.

— O Farmácia Popular tem um papel fundamental, mas se o governo não tivesse abandonado nos últimos anos, e tivesse cuidado melhor do programa com mais planejamento e investimento, teríamos vivido avanços melhores, com melhor adesão aos tratamentos e maior redução dos agravos. O estudo foi apresentado ao governo de transição e pretendemos apresentar à nova ministra assim que possível — diz o presidente-executivo da associação, Sergio Mena Barreto.

O desmonte ocorreu ainda que trabalhos apontem o impacto positivo da iniciativa na saúde da população brasileira. Um estudo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que ele foi responsável por evitar 287,3 mil hospitalizações e 19,4 mil óbitos decorrentes de hipertensão arterial, diabetes e asma em 2016, gerando uma economia de R$ 233 milhões que seriam gastos em internações no SUS.

Criado em 2004, o PFPB fornece os medicamentos de forma gratuita para as doenças estudadas pelo Ipea, e subsidiada, com descontos de até 90%, para outras como glaucoma e osteoporose, além de fraldas geriátricas e anticoncepcionais. Inicialmente contava apenas com unidades públicas, da chamada rede própria, mas em 2007 passou a contar com convênios com drogarias particulares.

Desde 2017, o governo acabou com as redes próprias, e o Farmácia Popular passou a funcionar apenas na modalidade com os convênios.

No entanto, depois daquele ano o número de drogarias credenciadas apenas caiu, mostra o relatório da Abrafarma. Entre 2015 e 2021, o número diminuiu 9,1%.

Hoje são pouco mais de 30 mil farmácias conveniadas, apenas 34% do total no Brasil e 2.174 a menos que em 2017.

A associação defende a ampliação no cadastramento de unidades, especialmente para atacar um outro problema do programa: a desigualdade regional na oferta.

O novo relatório mostra que 65% dos brasileiros atendidos pelo PFPB estão em apenas cinco estados: São Paulo (25%), Minas Gerais (16%), Rio de Janeiro (9,9%), Rio Grande do Sul (8%) e Paraná (6,5%), embora essas unidades federativas representem menos de 50% da população total do país.

Além disso, nove estados nas regiões Norte e Nordeste têm menos de dez farmácias conveniadas, são eles Acre, Alagoas, Amazonas, Pará, Pernambuco, Piauí, Rondônia, Roraima e Sergipe.

A sanitarista Lígia Bahia, doutora em Saúde Pública pela Fiocruz e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que essas diferenças intensificam a desigualdade na forma como os remédios impactam a renda das famílias. Para ela, uma solução seria retomar redes próprias do programa pelo governo.

“As famílias com menor rendimento gastam quase seis vezes mais com medicamento que as de maior rendimento” diz, baseando-se em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, e acrescenta: “É importante diversificar a oferta desses medicamentos, que está muito concentrada nessas regiões de alta renda, nos estados do Sudeste. Os canais também têm que ser diversificados, como unidades básicas de saúde e farmácias públicas, além das privadas”.

O relatório mostra ainda que o Farmácia Popular chegou a beneficiar 33,44 milhões de brasileiros em seu ápice, mas que caiu para, em 2021, ter atendido apenas cerca de 20 milhões de pessoas no país.

Portfólio de medicamentos e uso de tecnologia

Outro ponto levantado pelo estudo é a revisão dos cerca de 50 medicamentos que são ofertados.

Os responsáveis apontam, por exemplo, que o tratamento da doença de Parkinson, embora responda por 45,9% dos investimentos, beneficia apenas 0,45% dos pacientes atendidos. Já os para hipertensão, que atingem 45,54% dos usuários, utilizam somente 21,4% dos recursos.

— É preciso pensar também na expansão desse portfólio pensando que a população está envelhecendo e tendo um aumento de doenças crônicas, muitas cujos medicamentos não estão incluídos ainda — cita Lígia.

A tecnologia também entra no relatório como um meio de revitalizar o programa pela coibição de fraudes e criação de mecanismos que aumentem a adesão dos usuários aos tratamentos – consequentemente provocando menos internações e mortes.

Em relação à fiscalização, a identificação de beneficiários por meio de bancos de dados públicos já existentes, como o ConecteSUS e o Cadastro Único, eventualmente aliada a um sistema de biometria, poderia diminuir os acessos ilegais.

Já estratégias mais simples, como o envio de mensagens e notificações aos telefones de pacientes lembrando sobre a retirada do medicamento, podem evitar que pessoas deixem o tratamento de lado.

“Como muitos remédios são de uso contínuo, é importante que essas tecnologias de informação consigam emitir esses avisos e acompanharem o desenvolvimento do paciente, até para assegurar que eles estão indo ao médico”, defende , então, a professora da UFRJ.

Para o secretário-executivo do Instituto Brasileiro de Saúde e Assistência Farmacêutica (Ibsfarma), também conhecido como Cuida Brasil, Gustavo Pires, esse acompanhamento a longo prazo é essencial e poderia envolver até mesmo consultas com farmacêuticos clínicos.

“Inserindo consultas farmacêuticas, entre uma retirada de medicamento e outra, poderíamos fazer o acompanhamento necessário de controle das patologias alcançadas pelo programa e até medir os resultados para verificar a eficiência e eficácia do programa”, pontua.

Além das citadas, a Abrafarma e o Insper sugerem como medidas o investimento em pesquisas que justamente comprovem a eficiência do programa e formas de reduzir os valores da aquisição dos medicamentos que fazem parte do PFPB, como a possibilidade de uma isenção do ICMS sobre eles e menores burocracias no processo de credenciamento e compra.

Entraves do orçamento

Um dos maiores fatores que levaram ao agravamento destes problemas nos últimos anos foi a queda no orçamento destinado ao programa. Os recursos, que haviam saltado de R$ 163 milhões para R$ 3,14 bilhões entre 2006 e 2015, caíram 17,3% desde então até chegar a R$ 2,6 bilhões em 2020.

Para 2023, a proposta enviada pelo então governo federal era ainda menor, de apenas R$1,02 bilhão para o Farmácia Popular – 60% a menos do que o aprovado para 2022. Na época, a perspectiva provocou alertas de especialistas, que temiam a insustentabilidade do programa neste ano.

“Seria de fato inviável. Com um orçamento que seria um terço do que pode ser com a nova proposta, em algum momento o governo iria parar de dispensar medicamentos, ia atingir a cota do ano e o programa ia acabar” diz Mena Barreto.

No fim do ano, o Cuida Brasil estimou que o valor tinha uma defasagem de ao menos R$ 1,8 bilhão para que o programa de fato funcionasse.

Porém, com as articulações da PEC da Transição, aprovada pelo Congresso Nacional, o PFPB deve garantir um orçamento de R$ 3,1 bilhão, dividido em 2,644 para os medicamentos gratuitos e 450 para os em esquema de co-pagamento.

“O orçamento estava sendo deteriorado nos últimos anos, mas conseguimos recompor com sucesso. O momento agora é de de propostas para o aprimoramento do programa”, diz Pires.

Fonte: O Globo

Foto: O Município

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