A regulamentação que assegura a distribuição de cannabis pelo SUS de São Paulo, assinada em 31 de janeiro pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), será finalmente publicada nos próximos dias, ainda que com um atraso de 4 meses depois do prazo máximo de publicação, que venceu em 1º de maio. Isso é o que assegura José Luiz Gomes do Amaral, coordenador da Comissão de Trabalho para a regulamentação da Lei n° 17.618 de 2023, que falou com exclusividade a esta coluna.
Segundo ele, a redação do decreto acaba de ser concluída e, antes de vir a público, será submetida a uma revisão pelo departamento jurídico da Secretaria de Saúde até o fim desta semana. Em seguida, voltará às mãos do Grupo de Trabalho liderado pelo autor da proposta, o deputado Caio França, para apreciação final.
Há poucos dias, o GT divulgou nota pública pressionando por um posicionamento do governo, já bastante atrasado no compromisso de oferecer cannabis no sistema público de saúde.
José Luiz admite estar constrangido pela lentidão exacerbada do processo e tenta explicá-la com o que, para ele, é um “excesso de cuidados necessários para não desgastar uma alternativa de tratamento”, garantindo, assim, um protocolo suficientemente sólido para aguentar os ataques que certamente virão.
“Seria muito ruim apresentarmos um protocolo ao governador que tivesse falhas e depois tivéssemos que retroceder. Isso seria ruim para todos, mas, principalmente, para os pacientes”.
DA FARMÁCIA PARA O SUS
O início da distribuição de cannabis pelo governo paulista no SUS de São Paulo tem um ritmo novelesco, lento e ansiogênico, parecido com o da decisão sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal no STF. É um tal de vai-não-vai, de avança-mas-para, resultando num grande desrespeito com boa parte da sociedade, que acompanha o enredo de perto e aguarda ansiosamente por tais avanços sociais. Afinal, o que anda travando essas questões?
No caso do STF, é mais compreensível. Ter no cangote um Senado aloprado e ignorante, que, em vez de apoiar o crescimento do Brasil como nação (na economia, saúde e segurança pública, eixo primordial da descriminalização), se agarra a pautas de costumes –coisa que em países desenvolvidos nem existe– não é tarefa fácil.
Os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber e Roberto Barroso, durante a retomada da votação do recurso extraordinário 635.659 na 5ª feira (24.ago.2023), dedicaram-se a explicar publicamente que a acusação de uma suposta invasão de competências do Legislativo pelo Judiciário é um tema delicado em todo o mundo, bastante comum em vários processos de descriminalização de drogas, em diversos países. Ainda mais com a chegada de tantos recursos de habeas corpus nas Cortes Supremas. Aí é que o Judiciário realmente não pode se furtar à pauta.
Mais complicado, no entanto, é explicar o que provocou a lentidão e a falta de comunicação do governo paulista nos últimos 2 meses e ½ desde a última reunião com o GT, que foi realizada em 14 de junho. Diante de tanta demora e tão pouca informação, os integrantes mais otimistas do GT especulavam a possibilidade de o governo já estar buscando cotações das licitações ou elencando as empresas que poderão participar. De fato, o governo definiu recentemente as regras para as empresas interessadas em participar da licitação para a compra de medicamentos à base de cannabis e, pela primeira vez, confirmou que o processo de licitação será aberto imediatamente à publicação do decreto.
De acordo com José Luiz, só as empresas autorizadas a comercializar cannabis nas farmácias brasileiras poderão participar do processo de licitação para a compra da substância pelo SUS. Isso porque essas empresas, autorizadas pela RDC 327, são acompanhadas mais de perto pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do que aquelas que importam os produtos por meio da RDC 660.
FICA PARA A PRÓXIMA
O coordenador não quis adiantar, no entanto, se apenas o CBD isolado ou também formulações full spectrum serão contempladas no edital de compra. Esse foi um dos pontos levantados durante as discussões do GT por Cida Carvalho, fundadora da Cultive, associação de pacientes que acumula anos de experiência no contato com outras famílias que utilizam o óleo de cannabis no tratamento de seus filhos.
Cida sabe que a formulação full spectrum apresenta melhores resultados terapêuticos graças ao chamado efeito comitiva, que ocorre da sinergia entre todos os compostos da planta, como outros canabinoides, terpenos e flavonoides.
Evitar o monopólio no processo de compra, outro tema que levanta preocupação no grupo, parece ter encontrado consenso dentro do governo. “Partimos do princípio de que, quando se pode envolver várias empresas, é sempre melhor do que restringir a uma. Até porque você tem que dar mais segurança para a população, garantindo que não vai faltar remédio mesmo que haja uma falha na entrega. Não seria correto limitarmos a apenas uma empresa”, discorre Gomes do Amaral.
Outra confirmação foi sobre as patologias atendidas: as síndromes de Dravet e de Lennonx-Gastaut, além da esclerose múltipla. Acabou-se a esperança que pairava no ar, de que a dor crônica pudesse ser incluída ainda na primeira versão da regulamentação, embora seja bem provável que entre em uma próxima atualização.
Atualmente, o protocolo para a inclusão da dor crônica está sendo estudado pelo governo, que entende que não há evidências que justifiquem o emprego generalizado de cannabis para essa condição. Deixa o caminho aberto, porém, para algumas situações em que não haja resposta de outros medicamentos.
Embora o argumento governamental seja que a inclusão de dor crônica atrasaria ainda mais a publicação do decreto de lei, tendo em vista o atraso já contabilizado, não faltaria tempo de incluir não só a dor crônica, como também epilepsia refratária, que deve ser a 5ª a entrar. Sem mais escusas, espera-se que o governo paulista cumpra, enfim, com o compromisso assinado em janeiro não só com os milhares de pacientes, mas também com toda uma sociedade ávida por avanços em meio a tantos retrocessos.
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Fonte: Poder 360
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