Depressão: o novo mal do século

Tristeza profunda, pensamentos negativos, baixa autoestima, culpa, estresse e alterações no sono são sinais de uma doença silenciosa e que merece ser encarada com mais atenção pela sociedade

Os brasileiros acreditam, de modo geral, ter maior conhecimento sobre a doença do século: a depressão. Mas na realidade, falta informação e muitos possuem uma concepção equivocada do problema e seus sintomas. A depressão deve ser levada a sério e não encarada com preconceito, carregando rótulos como: “frescura”, “uma fase que logo passa” ou, ainda, “doença de preguiçosos”.

Trata-se de um distúrbio afetivo manifestado por sintomas emocionais e físicos. Há presença de apatia, pessimismo e baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si. Assim, interferem na habilidade do indivíduo não só para trabalhar, bem como para estudar, comer, dormir e apreciar atividades antes agradáveis.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 350 milhões de pessoas do mundo sofrem com depressão. Consiste, assim, em 5% da população mundial. “O brasileiro com mais acesso à informação de mídia (rádio, TV, internet) consegue obter mais informações sobre os sintomas da depressão, evidenciando a doença. Porém, ela sempre esteve presente, cercada de muito preconceito e desinformação. Dessa forma, entendendo-a como uma doença tal qual ela é, faz-se imprescindível o acompanhamento médico, tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento adequado”, informa o psicólogo do Hospital Israelita Albert Einstein, Thiago Amaro.

Estima-se que até 2030 a depressão será a doença mais comum do mundo, acometendo mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde. Ela sempre existiu, apenas não era devidamente diagnosticada”

Depressão: doença relacionada com a vida moderna

Estudos apontam que o aumento da depressão pode estar relacionado com a vida que se leva nas grandes cidades. Segundo a OMS, São Paulo é a cidade com maior índice de perturbações mentais no mundo. A depressão pode aparecer em todas as idades e em ambos os sexos e classes sociais. Os dados são da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata). A pesquisa foi realizada por meio do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), no estado de São Paulo. Foram entrevistados 793 homens e mulheres, com mais de 18 anos de idade. O objetivo era identificar a incidência de pessoas com depressão.

A pesquisa apurou que a doença é muito mais representativa nas pessoas mais jovens. Há maior incidência em 25% dos entrevistados na faixa etária de 18 a 29 anos. Este grupo é seguido por pessoas entre os 30 e 39 anos, que apresentam um índice de 23%. Porém, deve-se destacar que esses dados se referem à ocorrência do primeiro episódio.

Recomendações ao paciente da farmácia para prevenir a depressão

Manter hábitos saudáveis de vida

• Boa alimentação;

• Atividade física regular;

• Evitar álcool em excesso;

• Não utilizar drogas;

• Manter uma regularidade no ciclo de sono e vigília.

Ser sociável

• Buscar fazer e manter amizades;

• Procurar atividades prazerosas fora do ambiente de trabalho;

• Manter uma rede social ativa;

• Reservar momentos para o lazer.

No trabalho

• Avaliar quais são os limites;

• Não se esquecer de intercalar trabalho e lazer.

Fonte: médica psiquiatra pela Santa Casa de São Paulo e consultora da Libbs Farmacêutica, Dra. Giuliana Cividanes

 

Doença atinge crianças e adolescentes

A preocupação com a depressão em crianças e adolescentes é recente. Quando surge nesta faixa etária, afeta múltiplas funções e causa danos psicossociais significativos. As causas de quadros depressivos são as mesmas em todos os estágios da vida. Contudo, nessa fase em específico, é preciso observar como vivenciam situações de perdas, luto, mudanças, separações.

“Na adolescência, eles podem apresentar um comportamento agressivo, para camuflar os sintomas depressivos. Além disso, a passagem de uma etapa de vida para outra também acarreta mudanças. E toda mudança pode ser considerada uma crise em busca de uma nova identidade, deixando jovem adulto suscetível à depressão”, salienta a psicóloga do Hospital e Maternidade São Cristóvão, Luciana Sasso.

Foco no futuro

Segundo dados da OMS, estima-se que até 2030 a depressão será a doença mais comum do mundo, acometendo mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde. Ela sempre existiu, apenas não era devidamente diagnosticada.

A falta de vínculos afetivos deixa as pessoas mais suscetíveis a transtornos mentais, com menos tempo para usufruir do convívio com as pessoas de quem gostam, somado a outros problemas naturais (desemprego, falecimento de pessoas próximas, mudanças repentinas), e uma vida cada vez mais exigente por sucesso, por dinheiro, por destaque, entre outros, aumentando muito o nível do estresse.

“Existe uma regra básica em medicina para se manter a saúde, seja física ou mental, que é a de se ter uma alimentação equilibrada, atividade física regular e equilíbrio entre os períodos de sono e vigília e de atividade e repouso. No caso da depressão, outro fator importantíssimo é a rede afetiva e social. Sabemos que indivíduos casados, que constituem família, que possuem amigos, que têm atividades sociais, adoecem menos de depressão. Isso talvez seja um dos motivos que cause a impressão de que as pessoas estão mais doentes nos grandes centros urbanos, pois, além de estarem mais estressadas pelos fatores ambientais, elas estão mais solitárias”, aponta a médica psiquiatra pela Santa Casa de São Paulo e consultora da Libbs Farmacêutica, Dra. Giuliana Cividanes.

ESTÁGIOS DA DOENÇA

Não existe um consenso para os estágios da depressão. Ela pode se manifestar de formas diferentes em cada indivíduo, contudo há algumas similaridades da intensidade. Dessa forma, a depressão pode acontecer em três níveis:

Considerada leve, quando a pessoa sofre com os sintomas e diminui seu rendimento, mas, com grande esforço, consegue manter suas atividades sociais e seu trabalho.

 

 

É a depressão moderada, que conduz ao isolamento; a pessoa falha em seus compromissos, pode faltar ao trabalho e evita ocasiões de lazer e contato social.

 

 

Na forma profunda, o paciente abandona qualquer tipo de atividade, isola-se totalmente e permanece sentado ou deitado.

 

 

Fonte: psicólogo do Hospital Israelita Albert Einstein, Thiago Amaro

 

Atenção às recaídas

De acordo com os especialistas, fazer um trabalho mental é fundamental e significante. Isso porque na depressão, normalmente, os pensamentos são sempre pessimistas. Desta forma, domar a imaginação e usar a lógica pode ajudar na negatividade antes de perder o controle. Ainda é muito importante ressaltar que a depressão afeta todas essas situações. Dependendo da gravidade dos sintomas, o paciente não vai conseguir executar essas alternativas. Segundo informa a médica, comunidades menores tendem a ser mais acolhedoras com seus membros. As pessoas se conhecem mais intimamente, sabem o nome do seu vizinho, por exemplo, e tendem a ser mais solidárias, aumentando o suporte e a rede social do indivíduo.

“É difícil falar de cura no transtorno depressivo, o objetivo central do tratamento é a remissão (melhora completa dos sintomas depressivos), pois mesmo quando tratada de forma adequada, cerca de 80% das pessoas com diagnóstico de depressão devem apresentar um ou mais episódios de recaídas, dessa forma, devemos ver como uma doença crônica, como diabetes e hipertensão, e o uso de medicamentos, combinado com uma abordagem psicológica (psicoterapias) e alterações de hábitos, comportamentos e ambiente quando necessárias podem levar o paciente a ter uma vida absolutamente normal”, ressalta Amaro.

Algumas alternativas naturais têm sido utilizadas como os medicamentos fitoterápicos e homeopáticos, que garantem menos efeitos colaterais.

Atenção aos sinais

O principal sintoma da doença é o desinteresse pela vida, que pode ser expresso por uma tristeza profunda pelo acometido, sem nenhum motivo aparente ou uma perda de prazer por todas as coisas que antes gostava de fazer; uma sensação imensa de tudo ter ficado cinza ao redor; além de alterações cognitivas, como pensamento lentificado, dificuldade para raciocinar e tomar decisões, visão extremamente negativa de si, do mundo e do futuro, um sentimento de culpa persistente, pessimismo e pensamentos negativos que podem, inclusive, contemplar a ideia de “não mais existir” ou de se suicidar.

“Sintomas físicos também acompanham a síndrome, como sensação de dificuldade para respirar, como se o ar faltasse e a respiração ficasse curta, dor com aperto no peito (que chamamos de angústia) e dores generalizadas pelo corpo. É comum o paciente desenvolver alterações de sono e apetite. Insônia e dificuldade para se alimentar, como se a comida ‘não descesse’, são as alterações mais comuns, porém alguns pacientes podem apresentar sonolência excessiva e aumento de apetite, com preferência para doces e carboidratos”, alerta a Dra. Giuliana.

Sinais de alerta

Perda de produtividade, choros imotivados, excesso de emoção negativa e isolamento social são sinais que podem ser observados por familiares e amigos e servem de alerta para buscar ajuda profissional. Um ponto importante é diferenciar tristeza de depressão, tristeza isolada não é depressão, apenas um sentimento universal, assim como a ansiedade. Logo, não é necessariamente patológico. Normalmente, o indivíduo que está triste correlaciona o sentimento a algum evento. Já na depressão, pode ser devido a vários fatores ou nenhum em específico. Não necessariamente existe um nexo causal.

10 mitos e verdades sobre a depressão e o uso de antidepressivos

Para ampliar o diálogo sobre essa temática, o psiquiatra diretor técnico do Hospital do Arsenal do Rio de Janeiro e professor da pós-graduação em Psiquiatria na Pontifício Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Dr. Roberto Miotto, estimula esse debate listando e esclarecendo os dez principais mitos associados ao tratamento com antidepressivos.

1. Depressão é uma herança genética?

Verdade. Existe, sim, um componente genético, embora este não seja um fator determinante. “Costumo dizer que genética não é destino. Percebemos que alguns indivíduos com alto grau de depressão incidente na família evoluem de forma melhor quando começam a ser tratados desde cedo”, afirma.

2. Antidepressivos causam dependência?

Mito. De acordo com o psiquiatra, não existem evidências de que os antidepressivos causem dependência. Por outro lado, como a depressão é crônica, o tratamento farmacológico pode ser mantido por toda a vida. “Na maioria dos casos, o uso dos antidepressivos será necessário durante a vida toda, assim como se dá com o diabetes, a hipertensão ou qualquer outra doença crônica. A diferença é que não existe um estigma associado ao uso contínuo de uma medicação para hipertensão arterial, por exemplo”, esclarece o Dr. Miotto. “Só sairemos desse julgamento preconceituoso relacionado à depressão com informação e educação da nossa sociedade”, completa.

3. Antidepressivos podem afetar o ciclo menstrual?

Parcialmente verdade. Durante o ciclo menstrual, os níveis de hormônios como estrógeno e progesterona, por exemplo, mudam constantemente. “Esse fato parece exercer um poderoso efeito sobre os estados de humor das mulheres. Assim, considerando também a terapêutica antidepressiva, algumas vezes, pode-se ter alterações na prolactina, o que pode levar a mudanças no ciclo menstrual, atrasando e até bloqueando a ovulação”, esclarece o Dr. Miotto. De qualquer forma, de acordo com o psiquiatra, apenas algumas classes de antidepressivos podem interferir na produção hormonal e no ciclo menstrual.  Por isso, é importante que a mulher discuta o assunto com seu médico.

4. O uso de antidepressivos é relacionado à sonolência e à letargia, o que poderia interferir na concentração e no trabalho. Isso é verdade?

Mito. De acordo com o médico, é comum que o paciente relate esses efeitos apenas no início do tratamento. “Após esse período, essa sintomatologia não é admissível, uma vez que se busca o efeito contrário no tratamento, que é a funcionalidade plena do paciente”, afirma o psiquiatra.

5. Antidepressivos causam ganho de peso?

Parcialmente verdade. Existem, hoje, no mercado três gerações de antidepressivos. Os mais antigos estão, de fato, mais associados ao ganho de peso, entre outros efeitos. Contudo, nem por isto são menos eficazes. Já os mais modernos, que apresentam ação dual, como a desvenlafaxina, possuem um perfil metabólico diferente. Não há impactos significativos sobre o peso. São medicamentos que conseguem equilibrar a disponibilidade de dois neurotransmissores importantes e diretamente relacionados aos quadros depressivos: a noradrenalina e a serotonina. Contudo, essa escolha depende do perfil de cada paciente. “Se temos um paciente anoréxico, por exemplo, ele pode se beneficiar, mesmo que por um curto período de tempo, de um antidepressivo mais antigo, associado ao ganho de peso”, pondera o Dr. Miotto. “Não deixamos de prescrever os antidepressivos mais antigos. Muitas vezes, a associação com os medicamentos mais modernos é uma combinação benéfica”, completa.

6. Muitas pessoas deixam de procurar tratamento da depressão por sentirem vergonha e acabam escondendo a doença o quanto podem de amigos e até mesmo de seus familiares.

Verdade. O Dr. Miotto observa que a depressão ainda é, muitas vezes, percebida como um sinal de fraqueza pela sociedade, principalmente entre os homens. “A vergonha e os aspectos sociais e educacionais fazem com que os pacientes tardem muito na busca por ajuda, primordialmente o público masculino”, esclarece o médico, ressaltando que as taxas de suicídio são mais elevadas justamente entre os homens, embora a depressão seja mais frequente entre as mulheres.

7. Antidepressivos estão associados à perda da libido?

Parcialmente verdade. Decerto a depressão pode levar ao desinteresse pelo sexo. Contudo, em relação à medicação, é importante compreender que os antidepressivos atuam de forma diferente em cada um dos pacientes. De qualquer forma, os medicamentos de ação dual, já citados, não costumam exercer impacto significativo sobre o desejo sexual, ao contrário de alguns antidepressivos mais antigos. “Cabe, então, a avaliação diagnóstica criteriosa por parte do médico, que saberá delimitar o perfil de cada paciente e ajustar o antidepressivo adequado, de modo a minimizar os efeitos indesejados”, destaca o Dr. Miotto.

8. O diagnóstico é uma das principais dificuldades no tratamento adequado da depressão?

Verdade. De fato, o diagnóstico precoce é, certamente, um desafio no Brasil. “É o médico, por meio de uma análise precisa e criteriosa, que poderá diferenciar uma tristeza, como um período de luto, de um quadro com componentes orgânicos, cerebrais e comportamentais, que traz prejuízos funcionais prolongados”, explica. Vale destacar que a depressão, quando não tratada adequadamente, pode trazer sequelas importantes. Entre elas, a diminuição do número de células nervosas. Com o passar do tempo, também reduz o volume de algumas regiões cerebrais de modo irreversível. Isso pode levar a déficits cognitivos significativos, ou até mesmo, a tentativas de tirar a própria vida.

9. É verdade que antidepressivos podem ser ingeridos juntamente com outros medicamentos sem prejudicar o mecanismo de ação deles?

Parcialmente verdade. O perfil de interação medicamentosa é variável entre as diferentes classes de antidepressivos. Em geral, na comparação com indivíduos saudáveis, os pacientes com quadros depressivos apresentam maior probabilidade de interações medicamentosas, uma vez que os antidepressivos costumam ser prescritos por um longo período de tempo, muitas vezes por anos¹. A literatura médica descreve interações medicamentosas de significativa importância entre algumas classes de antidepressivos e outros medicamentos comumente utilizados por idosos, como analgésicos, anestésicos, anticoagulantes, anticonvulsivantes e anti-hipertensivos². Por isso, é importante discutir com o médico qual a medicação mais indicada para cada caso. “Os antidepressivos mais novos apresentam melhor interação medicamentosa e mecanismos metabólicos diferenciados, que permitem o tratamento com vários outros medicamentos associados”, destaca o Dr. Miotto.

10. Os antidepressivos mais modernos, que apresentam menos efeitos colaterais, também são menos eficazes?

Mito. A evolução no entendimento da depressão e o conhecimento cada vez mais aprofundado dos fatores relacionados à doença têm possibilitado o desenvolvimento de tratamentos cada vez mais modernos, eficazes e seguros, como os antidepressivos de terceira geração. Com ação dual, esses medicamentos equilibram a disponibilidade de dois neurotransmissores importantes. Eles estão diretamente relacionados aos quadros depressivos: a noradrenalina e a serotonina. “Na verdade, com essa nova classe de antidepressivos, conseguimos mais sucesso terapêutico, até mesmo com alguns pacientes que não reagiam às medicações já existentes até então. Foi uma grande evolução”, afirma o médico.

Referências:
1. ERESHEFSKY, L. Drug-drug interactions with the use of psychotropic medications. Question & Answer Forum, v. 14(8), p. 1-8, 2009.
2. Ciraulo DA, Shader RI, Greenblatt DJ, Creelman W. Drug interactions in psychiatry. 2nd ed. Baltimore (Maryland): Williams & Wilkins; 1995.

 

Foto: Shutterstock

Depressão e ansiedade podem ser tratadas com medicamentos fitoterápicos

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Edição 299 - 2017-10-23 Passagem obrigatória

Essa matéria faz parte da Edição 299 da Revista Guia da Farmácia.