Diabetes: Silenciosa e devastadora

O diabetes mellitus é uma doença crônica que atinge quase 17 milhões de pessoas só no Brasil. Quando descontrolada, pode trazer consequências sérias para os seus portadores

Ela pode ser devastadora e mudar totalmente a vida do portador e de quem está à sua volta. O diabetes mellitus é uma doença crônica grave, com consequências que podem levar desde à amputações até a morte.

De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e do Atlas do Diabetes da Federação Internacional de Diabetes (IDF), o Brasil é o quinto país em incidência da doença no mundo, ficando atrás de países, como China, Índia, Estados Unidos e Paquistão.

Atualmente, são 16,8 milhões de diabéticos no País. A estimativa é de que, em 2030, sejam 21,5 milhões de brasileiros portadores da doença. “Desses 16,8 milhões de diabéticos que temos no Brasil, 90% são do Tipo 2, sendo que 46% deles não sabem que são diabéticos”, revela o endocrinologista e metabologista, presidente da SBD, Dr. Levimar Araújo. A projeção do IDF é de que, em 2025, haja cerca de 463 milhões de diabéticos no mundo todo.

O diabetes é uma doença crônica em que há uma produção insuficiente de insulina pelo pâncreas ou há uma resistência à ação da insulina. Em qualquer dessas situações, se não for feito o tratamento adequado, pode ocorrer o aumento dos níveis de açúcar no sangue.

“Isso pode levar o indivíduo a manifestar sintomas, como cansaço excessivo, aumento da frequência urinária, aumento da sede, perda de peso involuntária, visão embaçada, dificuldade na cicatrização de feridas e formigamento nos membros. No entanto, na maior parte dos casos, o diabetes é uma doença silenciosa, que precisa ser avaliada em exames laboratoriais de rotina para ser detectada”, explica o endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP), Dr. Fernando Valente.

Diabetes Tipo 1 x Diabetes Tipo 2

Existem mais de 50 tipos de diabetes, mas os mais frequentes são o Tipo 2 (90% dos casos), o Tipo 1 (5-10%), além do diabetes gestacional, que acontece durante a gravidez pela produção de hormônios placentários que aumentam a resistência à insulina.

“O diabetes Tipo 2 resulta de um aumento da resistência à insulina, desencadeada pelo excesso de peso, envelhecimento, sedentarismo e hábitos alimentares inadequados, que gradativamente levam à falência pancreática e causam elevação do açúcar no sangue em pessoas geneticamente predispostas”, explica o Dr. Valente.

Em geral, o diabetes Tipo 2 surge após os 45 anos de idade e não causa sintomas em um primeiro momento pela existência de alguma reserva de insulina pelo pâncreas ainda preservada. “Nesse estágio, é grande a possibilidade do tratamento com comprimidos, estilo de vida saudável e perda de peso serem suficientes para melhorar os níveis glicêmicos. No entanto, quando os sintomas aparecem, a reserva de insulina é menor e, por vezes, é necessário fazer uso de insulina. Assim, exames regulares são importantes para identificar a doença em fases mais precoces para que o tratamento seja facilitado e o risco de morte e complicações seja menor”, alerta.

Ainda de acordo com ele, o diabetes Tipo 2 acontece, principalmente, secundário a um declínio da capacidade de secreção de insulina, tanto por conta do envelhecimento, quanto pelo excesso de peso, especialmente excesso de gordura em região abdominal.

Já o Tipo 1 é uma doença autoimune, em que anticorpos da própria pessoa se voltam contra o pâncreas e promovem uma perda acelerada da capacidade de produzir insulina. “Acomete, principalmente, crianças, adolescentes e adultos jovens, mas pode aparecer em qualquer idade. São pessoas que, em geral, manifestam o diabetes com muitos sintomas devido à pequena reserva de insulina remanescente. O tratamento é invariavelmente com insulina”, conta o Dr. Valente.

Impactos na vida do portador

O diabetes sem controle ou muitas vezes desconhecido pelo portador pode trazer consequências graves e irreversíveis. O Dr. Valente destaca que a doença pode causar complicações agudas e crônicas. “Agudamente, o diabetes descontrolado pode provocar mal-estar, náuseas e vômitos, fraqueza, desorientação e até coma. Pode ainda aumentar o risco de infecções, como candidíase ou infecções dentárias”, diz.

Já as complicações crônicas mais temíveis são infarto do miocárdio, derrame cerebral, cegueira, falência renal e amputações de membros. “Mas existem outras, como a insuficiência cardíaca, hepática, o aumento do risco de câncer, de fraturas e de demência. Além disso, doses de medicamentos acima do necessário podem levar à queda de glicose para níveis perigosos (hipoglicemia) e consequente perda de consciência, caso a hipoglicemia não seja identificada e devidamente tratada”, conta.

Além das complicações já citadas, pessoas com diabetes Tipo 2 podem desenvolver outras doenças desencadeadas pela obesidade, como o aumento de colesterol e triglicérides (dislipidemia); da pressão (hipertensão); do ácido úrico (podendo levar à gota); da gordura no fígado (esteatose hepática, que pode até levar à cirrose); de problemas articulares (artrose); psíquicos (ansiedade e depressão); câncer; entre outros. “Já as com diabetes Tipo 1 têm maior risco de outras doenças autoimunes, como distúrbios da tireoide, das suprarrenais e doença celíaca”, acrescenta o Dr. Valente.

Desafios na adesão ao tratamento

São vários os motivos para uma baixa aderência ao tratamento do diabetes. Uma doença sem cura, como é o caso do diabetes, demanda um cuidado permanente, aceitação da doença, apoio da família e de amigos, aquisição de conhecimento, mudança de hábitos alimentares e do estilo de vida, uso contínuo de medicamentos, monitorização da glicemia por meio de exames de ponta de dedo, visitas regulares e frequentes ao médico e outros profissionais de saúde.

“É um fardo muito grande tanto do ponto de vista de saúde física, mental e financeira, que requer uma mudança imediata de postura e de prioridades, para tratar de uma doença que carrega estigmas e é silenciosa. O número de comprimidos em geral é grande, pois frequentemente se faz necessário tratar não apenas a glicemia, mas também alterações na pressão arterial e nos níveis sanguíneos de colesterol”, analisa o Dr. Valente.

Para o Dr. Araújo, é preciso motivar o paciente diabético a aderir ao tratamento. “Entre os portadores do Tipo 2, 90% são obesos, então, é fundamental estimular a reeducação alimentar para que essa pessoa perca peso. É preciso atenção de uma equipe interdisciplinar que converse entre si, trocando informações para melhorar a adesão e realizar um trabalho de prevenção. Essa equipe deve ser composta por médico, farmacêutico, educador físico, nutricionista, psicólogo e enfermeiro”, afirma.

Porém, não é somente a falta de estímulo ou de adesão que comprometem o tratamento do diabetes. No Brasil, ainda existem grandes disparidades em relação ao acesso ao tratamento e aos medicamentos necessários para controlar a doença e evitar complicações.

“O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece um tratamento eficiente tanto para o diabetes Tipo 1 quanto o Tipo 2 voltado ao controle glicêmico, porém são medicamentos que podem levar à hipoglicemia mais frequentemente e não tratam complicações do diabetes. Existem medicamentos mais modernos não disponibilizados no SUS (ou disponibilizados apenas para uma população específica) e de custo elevado com ações que vão além do tratamento da glicose”, pondera o Dr. Valente.

Além disso, apenas as pessoas que utilizam insulina têm acesso à monitorização da glicose por meio da ponta de dedo. “Existe também um sensor de glicose que é aplicado na parte posterior do braço, que é uma forma mais moderna, confortável e completa de monitorização, mas de alto custo”, comenta.

Segundo o Dr. Araújo, é preciso conscientizar a população em relação ao diagnóstico precoce. Só assim é possível evitar o desenvolvimento das complicações.

Reduzindo riscos

O diabetes Tipo 2 está intimamente ligado aos hábitos de vida. De acordo com o endocrinologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Dr. Roberto Abrão Raduan, a relação entre atividade física e alimentação são a chave para prevenção do diabetes Tipo 2.

“O diabetes é uma doença traiçoeira e que afeta o organismo inteiro. A presença de glicose em excesso no sangue é tóxica para as células do corpo. Então, é preciso encontrar o equilíbrio entre a doença, a alimentação e a prática de atividade física”, comenta.

Segundo ele, a primeira fase do Tipo 2 é a resistência à insulina. Na segunda, o pâncreas já começa a secretar insulina em maior quantidade, tentando evitar a hiperconcentração de glicose no sangue. Porém, com o passar do tempo, isso faz com que o pâncreas perca essa capacidade, por isso é tão importante manter o peso corporal adequado e adotar um estilo de vida saudável, com prática de exercícios, boas noites de sono, cessação de tabagismo, redução do estresse e com uma alimentação balanceada, evitando-se o excesso de calorias, as bebidas adoçadas e alimentos ultraprocessados. A prioridade fica para alimentos naturais e ricos em fibras.

“Além disso, é fundamental que pessoas de maior risco façam exames periódicos para identificar o diabetes em fases iniciais ou até mesmo um estágio anterior, que é o pré-diabetes, uma condição de alto risco para evoluir para o diabetes. São pessoas de maior risco as acima de 45 anos de idade, independentemente do peso, ou as com excesso de peso somado a qualquer um dos seguintes fatores de risco: pressão alta; colesterol ou triglicérides altos; infarto ou derrame prévios; sedentarismo; HIV; síndrome dos ovários policísticos; antecedente de diabetes na gestação; etnia negra ou indígena; ter parente de primeiro grau com diabetes”, alerta o Dr. Valente.

Influência da alimentação

No diabetes Tipo 1, a alimentação está diretamente relacionada com o índice glicêmico dos alimentos. Quanto mais rápido o alimento é absorvido, mais rápido ele chega na corrente sanguínea e eleva a glicose no sangue, necessitando de doses maiores de insulina.

“Além disso, se o paciente diabético Tipo 1 ganhar peso, o organismo apresenta também dificuldade de utilizar a insulina exógeno, a que ele aplica, o que dificulta ainda mais o controle da glicose”, diz a endocrinologista com especialização em transtornos alimentares, obesidade e diabetes, Dra. Deborah Beranger. Segundo ela, o diabético Tipo 2, em mais de 90% dos casos, apresenta sobrepeso e obesidade.

Fonte: Guia da Farmácia
Foto: Shutterstock

Fidelização Inteligente

Edição 372 - 2023-11-08 Fidelização Inteligente

Essa matéria faz parte da Edição 372 da Revista Guia da Farmácia.