O que é o uso off label de medicamentos?

O termo off label refere-se ao uso de medicamentos de maneira diferente daquela descrita em bula aprovada pela agência regulatória ou o uso de produtos não aprovados pela agência regulatória

Antes de entender o que significa o uso off label de medicamentos, é importante compreender as etapas que envolvem o desenvolvimento de medicamentos inovadores.

O processo e o tempo requeridos desde o início da investigação para a descoberta de um fármaco pelos Centros de Pesquisa (ou mais de um), até a aprovação do medicamento para comercialização à população ou distribuição pelo Sistema Público de Saúde, podem ser variáveis.

Entretanto, normalmente longo, em razão da necessidade do cumprimento das inúmeras etapas do desenvolvimento que o processo deverá cumprir, para o registro do medicamento que, aqui no Brasil, é realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

De uma maneira muito simplificada, pode-se estruturar as diferentes etapas do processo de desenvolvimento como:

  • Fase 1: características física e físico-química das moléculas.
  • Fase 2: estudos pré-clínicos de curta duração em animais com a avaliação farmacológica e comparação com outros fármacos já existentes para verificação da potencialidade terapêutica, entendimento das fases farmacocinética e farmacodinâmica das moléculas, toxicidade, estabelecimento de doses, vias de administração, formas farmacêuticas e proposição de pré-formulação e estudos de estabilidade.
  • Fase 3: continuidade dos estudos pré-clínicos de longa duração em animais. Se após a avaliação rigorosa dos resultados obtidos as moléculas apresentarem-se promissoras, a próxima fase será a dos Ensaios Clínicos em humanos.
  • Fase 4: Ensaios Clínicos em três fases. Cada fase, apresenta um delineamento específico em relação ao número e características de voluntários. Após os estudos clínicos onde são avaliadas a eficácia e a segurança da nova molécula inovadora que dará origem a um medicamento inovador, onde se comprova a segurança, eficácia e qualidade no registro sanitário como medicamento, ou seja, após sua aprovação pela Anvisa e lançamento para comercialização, começa uma nova fase.
  • Fase 5: farmacovigilância é a continuidade do monitoramento da qualidade, segurança e efetividade a ser realizado – o termo “eficácia” é utilizado quando se tem um grupo controle onde você conhece e monitora as variáveis nos voluntários durante os estudos clínicos e, após a comercialização do medicamento, o termo passa a ser denominado de estudo de “efetividade”. Portanto, após a sua aprovação pela agência regulatória e o medicamento estar disponível para a população, o termo utilizado passa a ser denominado é avaliação de “efetividade” do medicamento, razão pela qual é tão importante os relatos de suspeita de reação adversa a medicamentos à agência regulatória e para que sua qualidade possa também ser monitorada. Então, o medicamento com o seu registro sanitário é disponibilizado acompanhado de sua bula, que é um documento legal sanitário que serve para obter informações e orientações sobre medicamentos necessárias para o uso seguro e o tratamento eficaz.

Mas, afinal, o que é o uso off label de medicamentos?

O termo off label refere-se ao uso de medicamentos de maneira diferente daquela descrita em bula aprovada pela agência regulatória ou o uso de produtos não aprovados pela agência regulatória.

São exemplos de uso díspar do previsto na bula a indicação terapêutica da aprovada pela Anvisa, a administração de diferente posologia, a escolha da via de administração não usual ou a indicação para a faixa etária/grupo diferente (Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias e Insumos Estratégicos.  Uso off label: erro ou necessidade? Revista Saúde Pública. v.46, n.2, p.395-397, 2012).

A Resolução da Diretoria Colegiada n. 200, de 26 de dezembro de 2017, visa garantir a segurança, a qualidade e a eficácia dos medicamentos. Apresenta como exigência a apresentação de relatórios dos ensaios não clínicos e ensaios clínicos de três fases para cada indicação terapêutica no momento da submissão (Fonte: BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada RDC n.200, de 20 de dezembro de 2017. Dispõe sobre os critérios para a concessão e renovação do registro de medicamentos com princípios ativos sintéticos e semissintéticos, classificados como novos, genéricos e similares, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 26 de dezembro de 2017).

De acordo com a Anvisa, cada medicamento registrado no Brasil recebe aprovação da agência para uma ou mais indicações, as quais passam a constar na sua bula.

O registro de medicamentos novos é concedido desde que sejam comprovadas a qualidade, a eficácia e a segurança do medicamento, sendo as duas últimas baseadas na avaliação de estudos clínicos realizados para testá-lo para essas indicações.

Quando um medicamento é aprovado para uma determinada indicação, isso não implica que esta seja a única possível, e que o medicamento só possa ser usado para ela.

Outras indicações podem estar sendo, ou vir a ser estudadas, as quais, se submetidas à Anvisa quando terminados os estudos, poderão vir ser aprovadas e passar a constar da bula.

O que o uso off label de medicamentos permite?

Estudos concluídos ou realizados após a aprovação inicial podem, por exemplo, ampliar o uso do medicamento para outra faixa etária, para uma fase diferente da mesma doença para a qual a indicação foi aprovada, ou para uma outra doença, assim como o uso pode se tornar mais restrito do que inicialmente se aprovou.

Uma vez comercializado o medicamento, enquanto as novas indicações não são aprovadas, seja porque as evidências para tal ainda não estão completas, ou porque a agência reguladora ainda as está avaliando, é possível que um médico já queira prescrever o medicamento para um seu paciente que tenha uma delas.

Podem também ocorrer situações de um médico querer tratar pacientes que tenham uma certa condição que, por analogia com outra semelhante, ou por base fisiopatológica, ele acredite possam vir a se beneficiar de um determinado medicamento não aprovado para ela.

Quais são os profissionais que podem permitir o uso off label?

A responsabilidade sobre a prescrição de qualquer medicamento e sobre os eventos adversos da terapêutica prescrita são do médico prescritor, não podendo ser delegada a outro profissional.

A indicação de uso é considerada off label principalmente porque as evidências para tal ainda não estão completas, ou porque se estiverem em estudo, ainda não foram completamente avaliadas.

A recomendação de medicamentos em indicações, usos e finalidades diferentes do aprovado no registro sanitário, muitas das vezes considerada necessária, dá-se por conta e risco do prescritor, no exercício de sua liberdade terapêutica, prerrogativa de sua inteira responsabilidade (Fonte: ANICETO, D.L.F.P. ANVISA e o uso off label de medicamentos: as relações entre evidência e regulação. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Medicina. 2019).

Quando o medicamento é empregado nas situações descritas anteriormente está caracterizado o uso off label do medicamento, ou seja, o uso não aprovado, que não consta da bula.

O uso off label de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico.

Situação de extrema gravidade que deve ser combatida é o uso de automedicação (decorrente de fake news, indicações de pessoas leigas etc), onde o indivíduo sequer tem noção de sua suscetibilidade ao medicamento, posologia, interações medicamentosas, contraindicações e das possíveis e inúmeras reações adversas que poderão ocorrer em níveis diferenciados podendo haver o comprometimento da saúde e da qualidade de vida, sendo muitas vezes irreversíveis dependendo do dano causado ao indivíduo. Assim, o farmacêutico não pode ser responsável pelo uso de medicamentos off label, mas possui papel essencial alertando a população sobre os perigos dessa prática.

 

Foto e fonte: Farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Maria Aparecida Nicoletti

Não se automedique, consulte um profissional de saúde.

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