Como apagão de dados sobre vacinação no Brasil traz de volta ameaça de doenças já controladas

Entenda o que está por trás do problema e como ele prejudica as estratégias de saúde pública do país

Não há dúvidas entre os profissionais de saúde e pesquisadores que as taxas de vacinação vêm caindo de forma consistente no Brasil durante os últimos anos. Na avaliação deles, porém, há um problema pouco discutido nesse setor que complica ainda mais as coisas: a falta de dados confiáveis e atualizados sobre quantos brasileiros realmente tomaram as doses dos imunizantes disponíveis na rede pública de cada município.

Na base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), o DataSUS, é possível encontrar mais de uma dezena de cidades cuja cobertura vacinal nem chega aos 10% — em mais de 900 delas, o indíce não alcança os 50%.

Problema ainda maior

Os gestores de saúde desses locais, porém, argumentam que as estatísticas oficiais não correspondem à realidade e que essa taxa, na prática, é bem maior.

O problema, dizem eles, está no excesso de burocracia, na falta de equipes e nas falhas de conexão com a internet ou acesso aos sistemas de informática mais modernos e conectados.

“É pouco provável que um município brasileiro tenha apenas 3 ou 5% de cobertura vacinal. O registro de dados simplesmente não funciona nesse país”, atesta a médica e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai.

O que dizem os especialistas

Os especialistas apontam que esse descompasso entre os números oficiais e a realidade prejudica a tomada de decisões e a criação de políticas públicas mais certeiras na área de saúde — o que aumenta a ameaça de surtos de doenças erradicadas, controladas ou com poucos casos, como poliomielite, sarampo e febre amarela.

“Sem esses dados consolidados, não conhecemos a realidade do país e não é possível fazer o planejamento ou elaborar o orçamento”, pontua, então, o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Freire.

Ou seja: se os dados sobre a cobertura vacinal das cidades não batem, fica mais difícil para os governos municipais, estaduais e federal reforçarem as campanhas de comunicação, enviarem mais doses para um lugar específico, conversarem com os profissionais daquele local…

“Sem informações fidedignas, não temos condições de tomar decisões em tempo hábil”, ele chama a atenção.

E um apagão de dados, por sua vez, abre a possibilidade de doenças que estão erradicadas, como a poliomielite, ou relativamente controladas, como o sarampo, voltem a representar uma ameaça.

O processo

O presidente do Conasems explica os detalhes do processo de vacinação no país.

“A pessoa chega no posto, é acolhida e conferimos se ela possui o Cartão Nacional de Saúde. Se tem, segue em frente. Se não, esse documento precisa ser produzido ali na hora.”

“Após a vacinação, os dados daquele indivíduo e das vacinas que ele tomou devem ser inseridos no sistema”, continua Freire.

E é justamente aí que começa o problema. “Às vezes, pelo acúmulo de trabalho, a equipe deixa para atualizar todos os dados só no final do dia”, relata.

Ainda de acordo com o presidente do Conasems, muitos postos de saúde também têm dificuldades nessa etapa por falta de internet ou conexão lenta.

“Daí todas aquelas fichas de papel são encaminhadas para a sede da secretaria de saúde, e um técnico fica responsável por inserir os dados, paciente por paciente, no sistema”, diz.

“E isso quando ele consegue fazer esse trabalho. Não raro, o sistema trava, não abre no tempo adequado, não se comunica com outras bases…”, lista.

Willames diz que, “como a prioridade das equipes é vacinar”, muitas vezes essa tarefa burocrática de compilar os dados fica em segundo plano e não é feita a tempo.

“Nas primeiras fases da vacinação contra a covid-19, vi alguns municípios com mais de 100 mil fichas paradas que precisavam ser digitalizadas”, lembra.

A realidade

Um sistema do DataSUS, disponível online, para conferir a cobertura vacinal dos mais de 5.500 municípios do país em 2021.

Foram considerados todos os imunizantes disponíveis na rede pública, que protegem contra doenças como poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola e pneumonia, por exemplo.

No dia 7 de setembro de 2022, os dez municípios que apareciam com as piores taxas de imunização no ano passado eram:

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