Cuidado farmacêutico na terceira idade para a segurança na interação de plantas medicinais com medicamentos para depressão e ansiedade

As plantas medicinais são muito importantes quando bem empregadas, mas é necessário o diagnóstico, a orientação e o acompanhamento durante a proposta terapêutica

Os transtornos mentais são patologias muito frequentes em nossa população e sua prevalência (baseada em critérios da CID-10) no Brasil é de 45% ao longo da vida. A depressão é o mais comum dos distúrbios afetivos (do humor, e não desequilíbrios do pensamento ou da cognição); pode variar de alteração muito leve, beirando a normalidade, até a depressão grave (psicótica), acompanhada de alucinações e delírios. É uma desordem heterogênea cujos pacientes apresentam um ou mais sintomas centrais, e, geralmente, está associada a outras condições psiquiátricas, incluindo ansiedade, distúrbios alimentares e dependência de fármacos.

A ansiedade é a denominação atribuída a uma experiência subjetiva universal do ser humano em situações de perigo ou risco de desfechos negativos das mais diversas naturezas, ou seja, é um conjunto de reações comportamentais, fisiológicas, cognitivas percebida pelo sujeito que está numa situação aversiva. Tanto a depressão como a ansiedade precisam ser diagnosticadas e ter acompanhamento médico para a segurança do paciente.

Muitas vezes as pessoas acham que é algo passageiro e começam a se automedicar com plantas medicinais que tenham ação sobre essas enfermidades sem, entretanto, terem sido diagnosticadas, o que poderá agravar a condição já presente, além de comprometer a sua segurança e a qualidade de vida das pessoas. As plantas medicinais são muito importantes quando bem empregadas, mas é necessário o diagnóstico, a orientação e o acompanhamento durante a proposta terapêutica.

A seguir estão abordadas quatro plantas medicinais e suas características (ANVISA. Memento fitoterápico. Farmacopeia Brasileira, 1.ed. 2016) para que possam ser utilizadas com segurança sem comprometer a qualidade de vida do indivíduo. Com o conhecimento do paciente, bem como, de sua história medicamentosa podemos e devemos evitar inúmeros problemas que são previsíveis, como as interações medicamentosas.

Hypericum perforatum (Erva de São João)

  • Recomendação:

Em estados depressivos leves a moderados.

  • Mecanismo de ação:

Em ensaios não-clínicos, apesar das inibições das enzimas monoaminoxidase (MAO) e catecol-orto-metiltransferase (COMT) terem sido demonstradas em ensaios in vitro com frações de extratos, hipericina e flavonas, com os estudos concluiu-se que o efeito antidepressivo do H. perforatum não pode ser explicado por inibição da MAO. Possíveis outros mecanismos incluem a ação do extrato em modular a produção de citocinas, a expressão de receptores serotoninérgicos e o eixo hipotálamo-pituitário-adrenal. Estudo de metanálise em ensaios clínicos considerando pacientes com depressão leve a moderada concluiu que a eficácia do H. perforatum foi significativamente superior ao grupo placebo, com poucos efeitos adversos em relação aos antidepressivos padrões.

  • Interações medicamentosas

Interage com: ciclosporina, anticoagulantes cumarínicos, anticoncepcionais orais, teofilina, digoxina, indinavir e, possivelmente, outros inibidores de protease e transcriptase reversa não nucleosideos, prejudicando o efeito desses, em razão da indução pelo H. perforatum da via metabólica envolvendo o citocromo P-450. Poderá resultar em concentrações subterapêuticas de fármacos antirretrovirais, e o desenvolvimento de resistência.

A administração de H. perforatum é contraindicada nas situações: em associação com inibidores da MAO, inibidores seletivos da receptação da serotonina. A combinação de H. perforatum com antidepressivos convencionais, como os antidepressivos tricíclicos ou fluoxetina, não é recomendada, exceto sob supervisão médica.

Passiflora incarnata (Maracujá)

  • Recomendação:

Ansiolítico e sedativo leve.

  • Mecanismo de ação:

Estudo in vitro concluiu que os efeitos farmacológicos de Passiflora incarnata são mediados via modulação do sistema GABA, incluindo afinidades aos receptores GABA A e GABA B, e sobre a receptação de GABA. Em estudo clínico com pacientes submetidos à anestesia raquidiana, o tratamento com P. incarnata suprimiu a ansiedade antes da aplicação da anestesia raquidiana de maneira estatisticamente significativa quando comparado ao placebo, demonstrando ser um medicamento ansiolítico efetivo e seguro. Em outro estudo de eficácia clínica em pacientes com ansiedade moderada, alta e severa de acordo com o escore de VAS, durante procedimento dentário foi observada diferença significativa nos níveis de ansiedade antes e depois da P. incarnata e o grupo placebo, indicando que a administração de passiflora, como pré-medicação, é significativamente efetiva na redução da ansiedade.

  • Interações medicamentosas:
  1. incarnata potencializa os efeitos sedativos do pentobarbital e hexobarbital, aumentando o tempo de sono. Há indícios que as cumarinas presentes apresentam ação anticoagulante potencial e possivelmente interagem com varfarina. Também, o uso de P. incarnata associado a fármacos inibidores da MAO (isocarboxazida, fenelzina e tranilcipromina) pode potencializar o efeito.

Piper methysticum Forst (Kava-kava)

  • Recomendação:

Indicado para o tratamento sintomático de estágios leves a moderados de ansiedade e insônia, em curto prazo (1-8 semanas).

Observação: vários casos de toxicidade hepática foram relatados na Europa após uso de produtos à base de plantas contendo extratos de P. methysticum.

  • Mecanismo de ação:

Em estudos in vitro não ocorreram o bloqueio da receptação de serotonina por kavalactonas de forma significativa, entretanto, verificou-se o bloqueio para a noradrenalina por três lactonas, descrevendo-se assim outro possível mecanismo de ação. Em modelos animais P. methysticum inibe convulsões induzidas experimentalmente, e esse efeito anticonvulsivo pode ser mediado por receptores de canal de Na+ locais, que são alvos comuns de fármacos antiepiléticos.

Estudo de metanálise para demonstrar a eficácia terapêutica e a segurança de extratos padronizados de Kava-kava no tratamento de ansiedade sugeriu redução significativa no score total da escala de ansiedade de Hamilton, nos pacientes tratados com extrato padronizado de P. methysticum, em relação àqueles tratados com placebo. Outros estudos também evidenciaram que os pacientes tratados com Kava-kava diminuíram de maneira significativa os sintomas de ansiedade medidos na escala de ansiedade de Hamilton.

  • Interações Medicamentosas:

Interage (poderá potencializar os efeitos) com medicamentos e drogas de ação central como álcool, barbitúricos e outros psicofármacos. Também há interação com alprazolam, cimetidina e terazosina.

  • Valeriana officinalis

  • Recomendação:

Usado como sedativo moderado, hipnótico e no tratamento de distúrbios do sono associados à ansiedade.

  • Mecanismo de ação:

Em experimento animais, foram observadas as ações: depressora central, sedativa, ansiolítica, espasmolítica e relaxante muscular.  Os ácidos valerênicos in vitro diminuíram a degradação do ácido gama aminobutírico (GABA). Também, em experimentos em animais, houve aumento do GABA na fenda sináptica via inibição de receptação e aumento da secreção do neurotransmissor, podendo ser esse um dos efeitos que causam a atividade sedativa. Outro mecanismo é a presença de altos níveis de glutamina no extrato, que tem a capacidade de cruzar a barreira hematoencefálica, sendo captada pelo terminal nervoso e convertida em GABA.

  • Interações medicamentosas:

Em geral, pode potencializar o efeito de outros depressores do SNC. Em estudos animais foi verificado que V. officinalis possui efeito aditivo quando utilizada em combinação com barbitúricos, anestésicos ou benzodiazepínicos e outros fármacos depressores do SNC. Extratos de V. officinalis contendo valepotriatos poderão auxiliar na síndrome de abstinência pela retirada do uso do diazepam.

Fontes consultadas:

  • Aslanargun P et al. Passiflora incarnata Linnaeus as an anxiolytic before spinal antesthesia. J Anesth.2012;26:39-44
  • Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Cartilha de orientações sobre o uso de fitoterápicos e plantas medicinais
  • Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Memento terapêutico. Farmacopeia Brasileira. 1. ed. Brasília: ANVISA, 2016.
  • Nicoletti MA. et al. Principais interações no uso de medicamentos fitoterápicos. Infarma. 2007;19(1/2):32-40.
  • Nicoletti MA. et al. Fitoterápicos. Principais interações medicamentosas. São Paulo: Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais – Brasil, 1.ed. (2012) 118p.
  • Rang HP, Dale MM, Ritter JM, Flower RJ, Henderson G. Rang & Dale Farmacologia. 7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

 plantas-medicinais

Fonte: Farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Maria Aparecida Nicoletti, com exclusividade para o portal Guia da Farmácia.

Fotos: Shutterstock e Divulgação

 

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