Atualidades: Evolução necessária

Pacientes com doenças crônicas e graves têm pressa na liberação de novos genéricos para patologias, como esclerose múltipla, por exemplo. No Brasil, espera-se uma mudança na legislação para aumentar o acesso

A legislação brasileira contempla um vasto rol de doenças graves. Segundo o Instituto Oncoguia, entre elas, estão patologias como AIDS; alienação mental; cardiopatia grave; cegueira; contaminação por radiação; Doença de Page em estados avançados (oesteite deformante); Doença de Parkinson; esclerose múltipla; espondiloartrose aniquilosante; fibrose cística (mucovicidose); hanseníase; nefropatia grave; neoplasia maligna (câncer); paralisia irreversível e incapacitante; e, por fim, tuberculose ativa.

Considerando este universo, muitas dessas enfermidades têm poucas opções terapêuticas acessíveis e o avanço em ampliar essas opções vem acontecendo ao longo dos anos, mas ainda aquém do necessário.

Um dos exemplos de novos medicamentos para essas doenças aconteceu em 2020, quando houve a aprovação de um genérico inédito indicado no tratamento de pacientes adultos com esclerose múltipla recorrente-remitente.

“Isto representa redução do custo de um tratamento, seja pela disponibilidade de um medicamento com menor preço, que deve ser, no mínimo, 35% mais barato que o de referência, seja pela própria redução do preço do medicamento de referência frente à concorrência e, mais ainda, o recurso terapêutico chegando a quem necessita”, comentam Marina Moreira e Bruna Oliveira do setor Regulatório da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina).

Brasil entre os países líderes

Hoje, o País responde por aproximadamente por 2% do mercado mundial de genéricos, sendo o 7º em faturamento no ranking das 20 principais economias e projeção de 5º para 2023.

“Depois de 22 anos de legislação sanitária brasileira, que criou condições normativas para o registro de medicamentos genéricos, temos mais de 3.700 registros válidos no País. Isso reforça que, ao longo dos anos, houve avanços na disponibilidade de novas opções para a população. Mas a legislação também pode ser aperfeiçoada e é este esforço que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em conjunto com o setor regulado, vem fazendo atualmente, buscando modernização e alinhamento internacional às práticas regulatórias adotadas pelo Brasil, garantindo cada vez mais medicamentos de qualidade, seguros e eficazes”, comenta o presidente executivo da Abifina, Antonio Carlo Bezerra.

Novos medicamentos

A entrada de novos genéricos no mercado depende da queda de patentes. Um assunto que vem sendo amplamente discutido por entidades junto ao poder público.

De acordo com o porta-voz do Movimento Medicamento Acessível e presidente do Grupo Farma Brasil, Reginaldo Arcuri, a extensão de patentes – permitida atualmente pelo parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) – tornou-se uma regra no Brasil e impacta diretamente o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que impede a entrada de genéricos/biossimilares no mercado brasileiro.

“Entre as consequências diretas, retarda-se a incorporação do conhecimento ao domínio público; beneficiam-se grandes grupos farmacêuticos; inibe-se a concorrência; cria-se um desafio maior de enfrentamento à pandemia de Covid-19; priva-se os consumidores de acesso a medicamentos em razão dos altos preços praticados sem concorrência; geram-se gastos públicos com saúde, retirando recursos que poderiam ser investidos em outras ações na área; e debilitam-se incentivos à pesquisa nacional”, analisa Arcuri.

Segundo ele, no setor farmacêutico, a distorção na duração das patentes é grave, pois 96% daquelas concedidas entre 2000 e 2016 têm duração superior a 20 anos.

“Segundo cálculos feitos pela equipe de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), apenas no que se refere a medicamentos adquiridos pelo Ministério da Saúde (MS), os efeitos da ampliação do prazo concedido pela patente podem ter alcançado R$ 1 bilhão entre 2010 e 2019. Quanto mais extenso é o período de exploração exclusiva pelo detentor da patente, mais é onerado o poder público, que é o maior comprador desses medicamentos”, ressalta.

Realidade internacional

Em relação a outros países, um levantamento feito junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que as nações integrantes, em geral, não adotam a prorrogação da patente.

“Os Estados Unidos têm um sistema que prevê prorrogação, mas que não se compara ao brasileiro. Não existe, em outros países, uma extensão de validade decorrente da inércia de concessão. O que alguns sistemas incorporam, mas não o Brasil e muitas outras nações em desenvolvimento, é uma extensão de proteção exclusiva para os registros sanitários de certos produtos farmacêuticos, veterinários, etc., submetidos ao exame de agências nacionais do gênero da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, esclarece Arcuri.

Ele explica que tais extensões se denominam, usualmente, de PTA (Patent Term Adjustment), PTE (Patent Term Extension) e SPC (Supplementary Protection Certificates). “Se a Food and Drug Administration (FDA) ou European Medicines Agency (EMA) demoram a conceder o registro, uma extensão de prazo proporcional à demora é de, no máximo, cinco anos concedida ao produto da patente”, completa.

Para Bezerra, existem alguns caminhos para reduzir ou mesmo eliminar os danos da extensão de patentes. “Um deles é o combate ao backlog de patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), mas este deve ser feito mantendo-se a qualidade no exame dos pedidos de patentes. O caminho mais efetivo é a revogação do parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96, proposto por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529”, comenta. O backlog de patentes é o passivo gerado pelo atraso nos exames dos pedidos de patentes depositados no INPI.

Recentemente, no dia 7 de abril último, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, concedeu liminar suspendendo o parágrafo único do artigo 40 da LPI, que previa a prorrogação automática dos prazos de patentes no País para produtos farmacêuticos e equipamentos de uso de saúde. A decisão atendeu ao pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e aguarda julgamento.

“A liminar corrige uma distorção na legislação e é um importante avanço, com certeza. Espero, agora, que o plenário confirme essa decisão, o que vai facilitar a competição no setor farmacêutico e aumentar o acesso da população a medicamentos modernos a preços mais baixos”, afirma Arcuri.

Apesar disso, a consultora da Abifina para assuntos de Propriedade Intelectual, Ana Claudia Oliveira, o cenário brasileiro ainda é desanimador, uma vez que diversos documentos de patentes aguardam a fila de exames no INPI para haver uma decisão, seja de indeferimento ou de deferimento e concessão da patente.

“Essa indefinição gera insegurança jurídica para as indústrias produtoras de medicamentos genéricos, para o Sistema Único de Saúde (SUS) e, consequentemente, para a sociedade que aguarda a queda de preços cobrados pelo mercado”, comenta.

Ana Cláudia diz que essa situação fica ainda pior quando se tratam de pedidos de patentes de medicamentos de interesse do SUS, os quais precisam passar pela etapa de anuência prévia da Anvisa, de acordo com o disposto no artigo 229-C, da LPI, para depois ser examinado ou arquivado pelo INPI.

Em 23 de março último, data da última atualização do backlômetro do INPI, a autarquia possuía 64.365 documentos de patentes na fila de exame, sendo 11.104 documentos de patentes que aguardam a anuência prévia da Agência.

“Alguns exemplos não limitantes de medicamentos que aguardam expiração de patentes no Brasil são golimumabe (imunossupressor), daclatasvir (medicamento para hepatite C) e dasatinibe (medicamento para tratar leucemia mieloide crônica e leucemia linfoblástica aguda), todos com patente vigente até 2028”, finaliza.

Fonte: Guia da Farmácia
Foto: Shutterstock