Os medicamentos isentos de prescrição têm sazonalidade?

Apesar dos MIPs terem boa saída o ano inteiro, é no outono-inverno que as vendas atingem o pico; as farmácias precisam se planejar para aproveitar a época ao máximo

Quando chega o outono- inverno, não são somente as temperaturas que mudam. As demandas dos consumidores também são alteradas de acordo com a queda dos termômetros. O clima seco e frio promove uma agressão maior às mucosas das vias aéreas superiores e inferiores. Com isso, a ocorrência de casos de gripes e resfriados aumenta de maneira considerável, o que faz crescer a busca por tratamento desses males corriqueiros.

De acordo com o Departamento de Influenza e Virologia Clínica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), durante os meses mais frios do ano, a incidência das gripes e dos resfriados cresce de 5% a 7%. Como consequência, a média mensal do volume de unidades vendidas de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) relacionados a essas doenças é 43% maior no período de outono-inverno (abril a agosto), do que nos meses de primavera-verão (setembro a março), segundo dados fornecidos pela IQVIA.

Tamanha variação exige planejamento para que o ponto de venda (PDV) não seja surpreendido pelo aumento da demanda e sofra rupturas nas gôndolas.

“Para se preparar bem e aproveitar as vantagens que esse período traz naturalmente, o varejista precisa ficar atento a três fatores: sortimento (itens indispensáveis para a época, marcas representativas e ausência de ruptura), exposição (massiva, aproveitando não apenas o ponto natural da categoria, como também os pontos extras e categorias correlatas) e atividades promocionais (descontos, promoções que venham da própria indústria e contratação de atendente especializado)”, enumera a diretora da Mind Shopper, Alessandra Lima.

Entre tantas ações que devem ser executadas, o ponto de partida deve ser o preparo prévio do estoque. De acordo com a consultora especializada em varejo farmacêutico, Silvia Osso, antes de considerar exposição diferenciada dos produtos sazonais, é preciso garantir que a loja esteja bem abastecida.

“Há medicamentos típicos de inverno (antigripais, antitérmicos, xaropes, etc.) e típicos de verão (antiácidos, analgésicos e medicamentos para enjoo) –, a arrumação desses itens não precisa obedecer à sazonalidade e, sim, à indicação. O que acontece é que, no período de inverno, os produtos mais buscados devem estar presentes em maior quantidade, enquanto os de verão, em menor volume; mudando o período, as opções se invertem.”

O planejamento prévio de estoque é fundamental para evitar excedentes ou falta de produtos. Ele pode ser baseado na análise do histórico de vendas do período e também nas propostas dos fornecedores – lançamentos, apostas das indústrias, drivers direcionadores da categoria – ou seja, por onde os MIPs devem crescer.

Comportamento do ano em questão

Outro ponto importante é avaliar a sazonalidade do período vigente, pois em invernos mais rigorosos, o consumo de antigripais, antitérmicos e outros itens relacionados costuma ser ainda maior que a média histórica.

Para 2018, é esperado que, além dos vírus da gripe mais comuns, que são influenza A, B e C, a cepa H3N2 seja muito presente. Só no último inverno nos Estados Unidos, esse tipo específico de vírus infectou mais de 47 mil pessoas e provocou diversas mortes, principalmente de crianças e idosos.

Segundo informe epidemiológico divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (MS), 13 estados brasileiros já registraram casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave, (SARS, na sigla em inglês), causados pelo H3N2, resultando em dez mortes somente neste ano.

“É preciso acompanhar as tendências e avaliar aquelas que façam sentido de fato ao perfil de loja e público e que estejam alinhadas à estratégia”, lembra a diretora da Connect Shopper e consultora de varejo e shopper marketing, Fátima Merlin.

O bom aproveitamento dos pontos extras é importante para extrair o máximo do potencial sazonal dos MIPs.

“Ademais, para a composição do mix, é preciso conhecer o propósito da loja (razão de ser), do público-alvo (para quem), do mercado em que se atua, dos concorrentes para identificar oportunidades”, completa.

Outra dica importante antes de definir o mix e o tamanho do estoque é ter clareza do papel dos MIPs dentro do PDV. Há farmácias em que a categoria é destino, em outras, é medicamento de rotina, há lojas em que a saída é basicamente sazonal ou até pura conveniência. É o papel da categoria que definirá a estratégia do sortimento a ser oferecido em todos os aspectos: número de itens, variedade, profundidade e amplitude.

Por isso, o varejista precisa ter dados para conhecer a fundo os hábitos do cliente que, certamente, é diferente do cliente da concorrência. “Diferentes shoppers possuem diferentes necessidades e diferentes momentos de compra (abastecimento, reposição, necessidade específica, consumo imediato, emergências, etc.). Essas variáveis devem ser levadas em conta e estudadas com afinco na hora de definir o sortimento e a execução dele no PDV, sob as perspectivas de preço, promoção, exposição”, orienta Fátima.

Exposição sazonal

O ponto natural dos MIPs não precisa ser alterado e pode seguir com a mesma organização o ano todo: para a frente do balcão – nas grandes redes, já é regra, mas em pequenos varejos, há quem não tenha se adaptado –, de preferência, expostos em gôndolas laterais, próximo ao balcão de medicamentos, agrupados por indicação e separados por subgrupos que delimitam o espaço e colocação nas prateleiras.

“É preciso manter o ponto natural bem abastecido e bem exposto. Ainda é na gôndola que ocorre o maior índice de conversão de vendas para a maioria das categorias”, alerta Alessandra.

Ainda assim, o bom aproveitamento dos pontos extras é importante para extrair o máximo do potencial sazonal dos MIPs. A orientação básica é aproveitar a superfície do balcão e a área de checkout, mas é possível ir um pouco além.

“É importante avaliar as categorias correlatas, ou seja, quais categorias alavancam as vendas das categorias sazonais e vice-versa. Um bom exemplo é a vitamina C, que vende mais no inverno e, normalmente, é comprada junto com um multivitamínico, ou seja, o suplemento vitamínico pode pegar carona nas vendas da vitamina C”, sugere a especialista.

A tática é válida de acordo com dados da IQVIA, que apontam que somente a vitamina C tende a ter um crescimento de 9% nas vendas durante o outono-inverno.

Quando começar a se planejar?

Entre os especialistas em varejo, não há um consenso sobre quanta antecedência é necessária no planejamento de um período sazonal. O mínimo indicado são três meses antes, para que seja possível preparar a loja e ainda aproveitar as vendas fora da época específica. No entanto, algumas variáveis, como estratégia, capital de giro, logística de abastecimento, localização e perfil da loja, podem alterar essa previsão.

“Na prática, o que observamos é uma contínua antecipação desse prazo. Hoje, dependendo da categoria e características citadas, gira em torno de quatro a cinco meses entre o primeiro contato com fornecedores para o processo de introdução, compra, entrega”, conta a diretora da Connect Shopper e consultora de varejo e shopper marketing, Fátima Merlin.

A localização da loja também deve ser levada em consideração na hora de pensar em exposições diferenciadas para períodos sazonais. Lojas de shopping ou de rua, principalmente aquelas situadas em locais de alto fluxo de passagem, podem colocar as categorias sazonais na entrada da loja para chamar a atenção do shopper e lembrá-lo da necessidade de reforçar a “farmacinha” caseira de maneira preventiva.

“É importante frisar que o trabalho na sazonalidade precisa ‘aparecer’ na loja, porque tem de causar ao shopper a sensação de que a estação chegou. Do contrário, não surte o efeito esperado”, alerta Alessandra.

O uso de folhetos de ofertas, folders orientadores e aproveitamento de mídias sociais para conscientizar os clientes da importância de prevenção às gripes e aos resfriados também ajudam a movimentar o fluxo sazonal.

Destacar que o consumidor pode contar com serviços de Atenção Farmacêutica é outra forma de atrair e fidelizar clientes, além de ajudar no uso responsável de MIPs.

“Períodos como o inverno podem e devem ser usados para trazer inovação ao PDV e alavancar vendas e resultados. Devem-se explorar ações de comunicação e marketing dentro e fora da loja, seja na ambientação da loja, seja no sortimento ou nos serviços”, afirma Fátima.

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