Por que não há avanços no Brasil?

Burocracia, distância entre universidades e iniciativas privadas, falta de investimentos são alguns dos motivos pelos quais a inovação não deslancha
como deveria no País. Mas existem iniciativas auspiciosas

De acordo com a Federação Internacional de Empresas Farmacêuticas (IFPMA, na sigla em inglês), o Brasil é a nação que mais investe em pesquisa biofarmacêutica na América Latina.
Nos últimos dez anos, segundo o Ministério da Saúde (MS), o País respondeu por quase 50% de todas as pesquisas clínicas realizadas na América do Sul. “A saúde representa 52% da produção científica nacional. Tal desempenho é decorrente do crescimento do número de publicações superior a 74% entre os quinquênios de 2004-2008 e 2009-2013 e do aumento dos projetos de pesquisas médicas no Brasil”, afirma o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Augusto Grabois Gadelha.

Segundo o executivo, em 2013, foram analisados pelas entidades que compõem o sistema de ética, em pesquisa, 55.650 projetos. Estudo da Thomson Reuters, empresa que possui um dos maiores bancos de dados científicos do planeta, destacou que, em número de publicações, o Brasil saltou da 24ª para a 13ª posição no ranking mundial em 20 anos. Já a revista Nature revela que o País quintuplicou o número de publicações científicas e triplicou os recursos financeiros no setor no mesmo período.

Apesar dos avanços acadêmicos e aportes de recursos, por que o País não deslancha na área? Especialistas avaliam que existem obstáculos importantes a ser vencidos. “A saúde é um sistema articulado, interdependente, em que as pesquisas devem estar relacionadas à indústria. O País precisa desenvolver uma estratégia que fortaleça a capacidade produtiva e o aprimoramento da assistência farmacêutica”, diz Gadelha

Acordos necessários

De fato, a parceria entre academia e meio empresarial em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) é um dos principais complicadores para o desenvolvimento da pesquisa científica no País, dizem os especialistas. “Um dos principais entraves brasileiros na área de inovação é a absoluta distância entre as universidades e as empresas privadas”, afirma o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Britto. “Ao contrário do que ocorre nos países bem-sucedidos em inovação, nem a universidade brasileira tem por hábito a cultura de pesquisa aplicada, nem a iniciativa privada cultiva o risco.”

“O conhecimento gerado nas universidades tem de ir para a sociedade”, salienta o diretor do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (Cienp), professor João Batista Calixto. “É preciso destravar o País para inovação, criar marco regulatório, desburocratizar, para que os recursos empregados sejam mais bem aproveitados. O Brasil precisa parar de depender apenas de commodities para crescer.”

Os bons exemplos são exceções, adiciona Britto. Algumas poucas universidades e faculdades tentam se aproximar do setor privado para, sem prejuízo da sua função acadêmica, contribuir com a transformação de conhecimento e geração de patentes. Mas o problema não se restringe apenas a uma ponta. “Do outro lado, poucas empresas, geralmente com suporte financeiro do governo federal, trilham o caminho nem sempre confortável do risco que é implícito à inovação”, observa Britto. “Para que o Brasil saia da posição que ocupa na matéria de patentes, a questão central é revisar a forma como não funciona hoje a relação entre iniciativa privada e universidade.”

Números mundiais

Estudo do ViS Research Institute aponta que a participação global do Brasil em estudos clínicos atinge 1,2%. A indústria farmacêutica instalada no País aplica somente 10% do faturamento em pesquisa – cerca de R$ 4 bilhões anuais –, a metade do que é colocado nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que aplicam 20% todos os anos em P&D.
Ao se comparar a proporção do investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, das nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de outros países da América Latina e dos Brics (sigla usada para os países emergentes, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), percebe-se que o País só está acima de México, Argentina, Chile, África do Sul e Rússia, ficando muito distante da China e Coreia do Sul, nações que iniciaram mais recentemente o salto de desenvolvimento industrial.

A China tornou-se, em 2011, o segundo maior investidor mundial em P&D. A principal diferença entre o Brasil e os demais países desses grupos é o volume de investimento em P&D feito pela iniciativa privada. As empresas arcam com até 75% do investimento em pesquisa no mundo, enquanto, no Brasil, elas aplicam pouco menos do que a metade (47%), segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, em inglês) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O valor aplicado pelas companhias no Brasil corresponde a 0,55% do PIB e está longe dos 2,68% investidos pelo setor privado na Coreia do Sul ou do 1,22% revertido na China. Quando se comparam os investimentos públicos, os gastos do Brasil estão mais próximos das nações mais desenvolvidas: 0,61% do PIB brasileiro contra 0,69% do conjunto dos países da OCDE. “De fato, houve avanços em termos de financiamento público nos últimos anos, com participação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de outros órgãos. Mas ainda é preciso mais, incluir a iniciativa nessa conta”, afirma o professor Calixto.

Cenário nacional

Ainda que um pouco tímidos, tem havido alguns avanços da participação privada em P&D. Segundo o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, as grandes empresas de capital nacional, que ganharam musculatura com o crescimento do mercado, mantêm projetos bem estruturados de inovação. “Algumas investem entre 10% e 12% do faturamento em P&D e já possuem medicamentos patenteados nos Estados Unidos e na Europa”, salienta Mussolini.
“Nós temos indústrias brasileiras trabalhando com nanotecnologia e biotecnologia”, acrescenta o coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo, professor Alexsandro Macedo Silva, destacando que a área mais estudada atualmente é o câncer. “Poderíamos ter mais avanços, temos potencial, tanto do ponto de vista tecnológico como de recursos humanos.”

O gerente executivo de marketing da Cimed, Peter Maurice Lay, aponta que existem iniciativas interessantes no campo de desenvolvimento de biossimilares e transferência de tecnologia. “Há ainda muitas oportunidades no campo de desenvolvimento de drogas inovadoras no Brasil”, acredita.

O gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Natulab, Olavo S. Rodrigues, sublinha que a indústria nacional tem se concentrado em ampliar sua atuação nos ramos da biotecnologia, dos sistemas inteligentes de liberação dos fármacos e nas abordagens em escala nanométrica. “Seguimos a tendência dos grandes laboratórios em atender a patologias específicas, para as quais não há tratamentos únicos ou que sirvam a todas as populações. Essas moléstias são em sua maioria de base genética, como as doenças reumáticas, patologias oriundas de erros metabólicos, manifestações autoimunes, bem como vários tipos de câncer”, revela Rodrigues.

Em 2014, os investimentos globais da Pfizer em P&D foram direcionados para doenças autoimunes, problemas cardiometabólicos, doenças neurológicas, dor e vacinas. “Nesse processo, a Pfizer conta com a parceria de mais de 260 instituições, entre universidades e centros de tecnologia em todo o mundo, inclusive no Brasil. Com presença importante na área de pesquisa clínica, o País desenvolve atualmente 52 estudos clínicos, que representam 31 moléculas e envolvem 279 centros em território nacional”, relata o diretor de Desenvolvimento de Negócios da Pfizer, Mario Levada, sublinhando que a companhia implementou, em 2012, uma nova estrutura de P&D no Brasil, com o objetivo de projetar uma participação ativa no incremento do portfólio global, com a descoberta de moléculas e tratamentos brasileiros.

“Por meio de parcerias, pretendemos viabilizar ideias e pesquisas pré-clínicas de universidades, empresas e laboratórios brasileiros, com foco no desenvolvimento de tratamentos inovadores”, diz Levada. A Pfizer conta com um pipeline global composto por 83 programas em fase de estudos clínicos ou em processo de registro, nas áreas de diabete, colesterol, artrite reumatoide, lúpus, Mal de Alzheimer, esquizofrenia, dor, malária, osteoporose, câncer e vacinas.

Limites preocupantes

Outro gargalo para o avanço da P&D no Brasil apontado pela maioria dos especialistas é o excesso de burocracia, com atraso importante na regulação para inovação. Entre as dificuldades mais comuns, está a importação de insumos e equipamentos. Segundo levantamento do neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Stevens Rehen, 46% dos cientistas já perderam material retido na alfândega, 95% deixaram de fazer ou alteraram estudo por problemas na importação e 51% modificaram ou cancelaram uma pesquisa por não conseguir substâncias controladas. 

“O governo precisa perceber que, além de financiamentos e programas, a mais importante contribuição que ele pode dar à inovação é não puni-la com burocracia desnecessária como ocorre, por exemplo, na tentativa de aprovação de estudos clínicos”, afirma Britto, da Interfarma, lembrando que a demora no País é mais do que o dobro da média mundial. “Também no depósito de patentes, o atraso é grande, chegando à vergonhosa marca de 12 anos de espera. Já no registro de produtos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), igualmente o tempo de aguardo não encontra similar em qualquer país moderno do mundo.”

quanto Quanto custa desenvolver um medicamento inovador

Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), a indústria farmacêutica mundial está próxima de alcançar um faturamento anual de US$ 1 trilhão e aplica entre US$ 160 bilhões e US$ 180 bilhões em pesquisas. A crescente complexidade para o desenvolvimento de novos medicamentos faz com que, de cada 10 mil tentativas de novas moléculas, apenas 1 chegue ao final do processo já transformada em medicamento, distribuída e comercializada no mundo. Portanto, esse único medicamento que dá certo, em 10 mil tentativas, tem de carregar o custo das 9.999 que não deram certo. “Por isso, estima-se que hoje, em média, um medicamento novo custe em torno de US$ 800 milhões. Cada medicamento deve passar por quatro fases de pesquisa, mas no Brasil, a média de tempo para que um cientista seja autorizado a realizar suas pesquisas é mais do que o dobro da média mundial”, afirma o presidente da Interfarma, Antônio Britto. Para se ter ideia do que representa o investimento em novos medicamentos, os laboratórios Roche, Novartis, Johnson & Johnson e MSD investiram juntos US$ 35,6 bilhões em inovação em 2014, quantia próxima ao faturamento de toda a indústria farmacêutica instalada no Brasil.

 

Posição temerosa

O Brasil, sexto mercado consumidor de medicamentos do mundo, está próximo da vigésima posição em pesquisa clínica de medicamentos. Boa parte do atraso se deve ao excesso burocrático. Enquanto no Brasil, para autorizar o início de uma pesquisa clínica, leva, em média, um ano, na Coreia do Sul esse prazo dura até um mês. Nos Estados Unidos, leva até dois meses; na Europa, dois meses e meio e na China, nove meses.

A Interfarma compilou a espera de outros pedidos de aprovação na Anvisa. Para os medicamentos novos, a demora é de 591 dias; para os similares, 543 dias; para genéricos, esperam-se 695 dias; e para medicamentos biológicos, 524 dias. “Com isso, o País acaba se concentrando nas pesquisas de fase 3 ou 4, que do ponto de vista da geração de conhecimento não são as mais essenciais”, observa Britto.

“A pesquisa clínica no Brasil é de fato burocrática, mas estamos caminhando para uma melhora do sistema”, acredita Silva. “Recentemente, foi divulgado que as agências de vigilância sanitária de diversos países estavam se reunindo para padronizar as informações sobre pesquisa clínica e criar a parceria de troca de informações. Com isso, se um medicamento for aprovado em um país-membro do grupo, poderá ser comercializado em outro, ou seja, não será necessário fazer a pesquisa clínica no país em questão e o registro seria facilitado.”
Também a indústria de fitoterápicos sofre com os trâmites burocráticos para poder realizar P&D. A discussão principal é como possibilitar a inovação em produtos utilizando a biodiversidade brasileira. Nesse contexto, os desafios são vários, como aponta a presidente do Conselho Diretivo da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa), Anny Trentini. Entre eles, a dificuldade para acesso ao patrimônio genético da flora nacional e para o estabelecimento de parcerias na cadeia produtiva, além da falta de apoio público para criação de centros de pesquisas que estejam de acordo com as boas práticas exigidas pela Anvisa.

Não por acaso, a indústria de medicamentos se vale principalmente de componentes sintéticos, somando cerca de 60% do total produzido. “A extração de plantas, além de cara, é ecologicamente inviável nos dias atuais no Brasil”, afirma o professor Calixto. “Desde que foi instituída medida provisória, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, de regulamentação do acesso, tornou-se praticamente impossível usar a biodiversidade brasileira. Assim, além de ter de comprar tecnologia no exterior, e pagar royalties por isso, também temos de importar plantas.”

Já a burocracia para o processo de importação cria obstáculos ao acesso a substâncias de referência para o controle de qualidade ou pesquisa clínica não existentes no País. Isso sem falar na lentidão do processo de análise e concessão de patentes. Segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 2013, foram realizados 33.989 depósitos de pedidos de patentes, mas somente 3.326 foram concedidas. “A distância entre a geração de conhecimento e sua transformação em produtos de valor para a sociedade, a inovação propriamente dita, contribui para os baixos índices de competitividade no País”, assinala Anny Trentini.

Autor: Marcelo de Valécio

Especial Anuário 2015

Essa matéria faz parte do Especial Anuário 2015.

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