Aumento do ICMS afetará preço dos medicamentos

Doze estados aumentaram a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o que vai encarecer o produto ao consumidor. Especialistas debatem alternativas à elevação de taxas

O ano iniciou com aumentos de impostos. Perdas na arrecadação resultantes da crise econômica e de descontroles das contas públicas fizeram com que a União, os estados e muitos municípios promovessem elevação das alíquotas. 

Em que pese os medicamentos terem no Brasil uma das mais altas cargas tributárias do mundo, 12 estados decidiram aumentar o percentual de um dos principais impostos do setor, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que incide sobre todos os medicamentos comercializados no Brasil. A maioria dos reajustes gira em torno de 1% de alíquota, o que gera um aumento no preço de tabela de 1,2%. Com isso, no Rio de Janeiro, que já tinha uma das mais altas alíquotas do País, o imposto passou de 19% para 20%. 

Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), a majoração nas alíquotas deve diminuir os descontos dos medicamentos vendidos ao cliente final. “Acho difícil que não haja um repasse ao consumidor. Nos aumentos de impostos, especialmente o varejo não consegue absorver”, observa o diretor da Interfarma, Pedro Bernardo. “Quando o aumento do imposto acontece, o medicamento muda de lista. Existem listas para 17% e listas para 18% de impostos. Então, o preço máximo que pode ser praticado pelas farmácias varia de acordo com o imposto de cada estado.” 

Funciona assim

Nas vendas dentro do estado, o ICMS é cobrado de acordo com a alíquota prevista na legislação estadual (que varia de 12% – em SP e MG – a 20%). Quando um medicamento é vendido para outro estado, na primeira transação, é preciso verificar a alíquota interestadual, que é o ICMS próprio. 

“Suponhamos que, na origem, seja 7%, então a fábrica recolhe 7%. Mas é preciso olhar o ICMS do estado para o qual o medicamento será vendido. Por exemplo, no Rio de Janeiro, que agora passou para 20%. Então, é preciso dar a diferença (13%) em desconto, para funcionar como um crédito. No Rio, recolhe-se a diferença. Vai ser faturado com a tabela do destino”, explica Bernardo. 

Eventual desequilíbrio decorrente da diferença de alíquotas entre estados deve ser ajustado por meio de repasse. Atualmente, o repasse está regulamentado em resoluções da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que exigem que a indústria e os distribuidores repassem obrigatoriamente a unidades varejistas a diferença de alíquotas de ICMS entre o estado de origem e o de destino.

O diretor regional do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Alexandre Buzato Fiorot, lembra que o aumento anunciado pode ser ainda maior no bolso dos consumidores. “Haverá impacto direto sobre o preço final de venda dos produtos, com reflexo no aumento não só no ICMS, mas também em outros tributos, já que no Brasil temos a multi-incidência tributária ou efeito cascata. Isto é, tributo que incide sobre ele mesmo. É o famoso cálculo por dentro, no caso do ICMS que, a título de exemplo, faz com que a alíquota de 18% represente um custo efetivo de 21,95%. Como no caso do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) que incidem sobre o valor do ICMS e vice-versa.” 

Aportes para a indústria

Não é apenas no varejo que o impacto é imediato, os fabricantes também estão sendo pressionados. De acordo com levantamento da Interfarma, os medicamentos no Brasil têm 34% do preço composto por tributos, e a indústria farmacêutica também está sendo impactada por outros custos, como a desvalorização do real e o preço da energia. 

“Se os descontos ao consumidor forem reduzidos e, por consequência, o preço do medicamento subir, há o risco de perder mercado”, afirma o presidente executivo da Interfarma, Antônio Britto. 

“Nesta conjuntura, a elevação de impostos poderá inibir investimentos, retardar o lançamento de produtos e interferir no mercado de trabalho setorial”, acrescenta o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini. 

Considerado o panorama econômico pelo qual passa o País, o aumento da carga tributária pode trazer consequências indesejadas, avalia o presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), Paulo de Barros Carvalho, “que vão desde a redução do consumo dos produtos onerados, até, em decorrência deste fator, o encerramento das atividades de algumas empresas. Além disso, a alta da carga tributária pode implicar aumento dos índices de sonegação e crescimento das atividades realizadas na informalidade”.

Prática mundial

Diferentemente do Brasil, em muitos países, os impostos variam entre 5% e 10%, sendo que algumas nações chegam a isentar tal cobrança dos medicamentos, diante da essencialidade do produto, lembra Bernardo. “Mesmo quando olhamos para o mercado interno, notamos o quão injusta é a cobrança sobre medicamentos: até biquínis e bichinhos de pelúcia são menos taxados. Hoje, cerca de metade da população brasileira não consegue realizar todos os tratamentos de que precisa e pelo tempo necessário, justamente pelo excesso de impostos.” 

Para Mussolini, a queda de arrecadação é um péssimo argumento para justificar a elevação de impostos, especialmente de medicamentos. “Se os governos federal e estaduais querem arrecadar mais, precisam instaurar ambientes favoráveis à retomada da atividade econômica e não onerar as empresas e os consumidores ainda mais. Além disso, aumentar o imposto incidente nos medicamentos é um grande equívoco, que custa caro aos estados e à população. Pois, ao fazê-lo, os estados dificultam o acesso aos tratamentos e, como consequência, gastam mais em internações, cirurgias e absenteísmo.” 

Segundo a Interfarma, pelo menos 75% da população conta apenas com os próprios recursos para a compra de medicamentos, sendo que cerca de metade dela não consegue custear todas as terapias de que precisa, pelo tempo necessário. “Com o envelhecimento da população, as doenças crônicas e complexas, como diabetes e câncer, estão se tornando mais frequentes. E isso aumenta o gasto com saúde”, aponta Britto. 

“A elevação de um imposto indireto, como o ICMS, acaba por encarecer o preço final do medicamento, dificultando o acesso a ele, atingindo, em especial, o seguimento da população mais carente”, completa o professor e supervisor de Economia da ESPM-SP, Orlando Assunção Fernandes.

Argumentos governamentais

Existe a consideração de que os mais pobres recebem os medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por isso não são penalizados. Fernandes não concorda com essa tese. “O SUS, como concepção de um modelo de acesso universal à saúde, é louvável e merece elogios. Há, sem dúvida, um papel social desempenhado pelo SUS de extrema relevância, não só no acesso ao diagnóstico e ao tratamento, mas também na distribuição de medicamentos de uso contínuo. Todavia, sabemos que nem todos os pacientes têm acesso, no momento e na quantidade necessária, aos medicamentos de que necessitam e que, muitas vezes, precisam adquiri-los da rede particular de farmácias.” 

O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio diretor da Data Custos Assessoria e Consultoria, Nelson Bruxellas Beltrame, também não acredita que todos sejam alcançados pela gratuidade. “O governo não distribui gratuitamente todos os medicamentos consumidos pela população, mesmo de baixa renda, além de toda a burocracia, há falta constante de produtos e dificuldades na sua obtenção. Vale lembrar que o programa Farmácia Popular deve sofrer cortes devido à falta de orçamento por parte da União.” 

Carvalho faz coro aos especialistas. “Justificativa dessa natureza parece-me completamente descabida. O SUS configura apenas um dos mecanismos de concretização do direito constitucional à saúde, não esgotando, contudo, o âmbito de medidas para assegurar amplo acesso aos serviços e produtos de saúde. Medicamentos, estando relacionados intrinsecamente ao direito à saúde, compõem o conjunto dos produtos de suma relevância para toda a população, circunstância que afasta as justificativas que têm sido feitas pelos estados para fins de aumento do ônus fiscal.” 

Bernardo pondera também que a queda de arrecadação não foi gerada pela venda de medicamentos, é um problema de desaquecimento econômico geral. “Aumentar a alíquota neste momento é um tiro no pé. As pessoas estão com menos renda, por isso pagam menos impostos. Aí, você aumenta a alíquota de quem está pagando para não perder arrecadação, o que gera um ciclo negativo que vai piorando a situação, agravando-se a crise.” 

O aumento de tributos é uma medida fácil e cômoda para os estados, na opinião de Fiorot. “A alternativa primeira deveria ser a urgente redução das despesas públicas pelos estados e, se ainda assim, o aumento do ICMS fosse inevitável, que ele se desse apenas sobre os produtos supérfluos e não sobre medicamentos.”

“É conhecido por todos que o gasto público é, por vezes, mal destinado, gerenciado e aplicado”, adiciona Fernandes. “O equilíbrio das contas públicas, das várias esferas governamentais (União, estados e municípios), deve ser perseguido e obtido não somente via criação de novos tributos ou majoração das alíquotas de impostos existentes, mas, principalmente, por maior controle, eficiência e racionalidade na utilização do dinheiro dos contribuintes, especialmente com cortes nos chamados gastos administrativos.” 

Carvalho acredita que seja perfeitamente possível aumentar a arrecadação sem a correspondente elevação da carga tributária. “Isso pode ser operacionalizado com a realização de um intenso processo de racionalização do sistema. Racionalizando podemos, em médio prazo, conseguir incrementar a arrecadação sem aumento dos tributos. Por outro lado, caso os estados considerem indispensável o aumento da arrecadação do ICMS, seria recomendável que tal medida se operacionalizasse quanto a produtos não essenciais.”

Na visão dos analistas do setor, na verdade, a redução dos tributos é que seria desejável em um momento como agora, beneficiando o acesso da população aos medicamentos, que consumiria mais e, por extensão, faria crescer o bolo da arrecadação. 

“Reduzir a carga tributária dos medicamentos é antes uma solução e não um problema, além do que seria uma atitude de bom senso. Ao permitir que as pessoas tenham mais acesso aos medicamentos e cuidem melhor de sua saúde, prevenindo enfermidades, controlando e curando doenças, União, estados e municípios teriam despesas menores com internações, exames, pensões, etc. Ou seja, a eventual perda de receita seria amplamente compensada pela expressiva redução de custos do sistema de saúde público e privado”, afirma Mussolini. 

Bernardo endossa essa opinião. “O medicamento é um bem essencial para que as pessoas tenham boa saúde e sejam mais produtivas. A União depende de produtividade e quanto mais saudável for a sua força de trabalho, com menos dias de trabalhos perdidos por problemas de saúde, melhor para a luta contra o momento difícil em que o País vive. É por isso que muitos países não taxam medicamentos. A Grécia, quando entrou em crise, não aumentou os impostos sobre medicamentos porque queria aumentar a produtividade da população.” 

Se tivéssemos uma redução na carga fiscal dos medicamentos, no Brasil, o consumidor, principalmente o de baixa renda, teria o benefício imediato em seu orçamento pessoal, podendo, como consequência, liberar recursos que seriam consumidos em outros itens, como alimentação, transporte ou moradia, pondera Beltrame. “Como o governo também recolhe impostos sobre esses outros itens, não haveria queda na arrecadação de impostos como um todo e todos ganhariam.” 

Autor: Marcelo de Valécio

Aumento de imposto

Edição 280 - 2016-03-01 Aumento de imposto

Essa matéria faz parte da Edição 280 da Revista Guia da Farmácia.

Deixe um comentário