Dores de cabeça: ela deixa qualquer um louco!

A cefaleia está presente em quase toda a população, causando desconforto e incapacitando os acometidos de realizarem suas atividades cotidianas. Ter hábitos saudáveis e não abusar de medicamentos são aliados na prevenção

Quase 100% da população já se queixou de dores de cabeça; são 93% dos homens e 99% das mulheres nas estatísticas da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC), além de 76% do sexo feminino e 57% do masculino terem ao menos uma ocasião de dor por mês. A alta incidência não é por acaso.

De acordo com o neurologista do Centro de Dor e Neuro do Hospital 9 de Julho, Dr. Antônio Galvão, a “quantidade” de dor que uma pessoa sente em um determinado local tem relação direta com a “riqueza” de inervação e terminais sensitivos que uma determinada parte do corpo apresenta.

“Assim, por exemplo, a sensação táctil mais fina é percebida pela ponta dos dedos das mãos e não pela pele da perna ou pelos lábios, que também são muito sensíveis. Por exemplo, praticamente não sentimos dor na ponta do nariz ou no lóbulo das orelhas. O crânio, em geral, o couro cabeludo e a musculatura da nuca, tem uma rica inervação sensitiva e com muitas terminações dolorosas”, comenta ele.

Quase 100% da população já se queixou de dores de cabeça; são 93% dos homens e 99% das mulheres, além de 76% do sexo feminino e 57% do masculino terem ao menos uma ocasião de dor por mês.

Por isso, a cabeça dói mais que em outros locais do corpo que não são tão inervados. Além disso, os vasos do crânio apresentam um controle neurovascular diferente dos outros vasos do corpo, com uma neuroquímica específica e que está altamente envolvida na fisiopatogenia da enxaqueca e de outras cefaleias vasculares.

Mas além de saber o porquê da dor de cabeça ser tão recorrente, é preciso entender qual problema acomete cada paciente. Segundo a SBC, existem mais de 150 tipos de dor de cabeça, divididos em dois grandes grupos: primárias e secundárias.

As primárias são aquelas em que a própria dor é a doença e podem ser muito debilitantes, ainda que a maioria delas não ofereça nenhum risco à vida do acometido. Já as dores secundárias são causadas por outras doenças, sendo as mais comuns: Acidente Vascular Cerebral (AVC), tumores de Sistema Nervoso Central (SNC), trombose venosa cerebral, ruptura de aneurisma e aumento da pressão intracraniana.

“Dentro de um pronto-socorro geral, cerca de 90% das pessoas que são atendidas com dor de cabeça apresentam cefaleia primária. A mais comum nesse contexto é a enxaqueca, seguida da cefaleia tensional e da cefaleia em salvas. Entretanto, uma porcentagem importante (em torno de 10%) apresenta uma outra doença que é causadora da dor. Na maioria das vezes, trata-se de doença benigna, como a gripe ou a sinusite, mas pode-se tratar também de doença grave e ameaçadora à vida, como a hemorragia cerebral e a meningite”, alerta o neurologista do Centro de  Atenção à Cefaleia do Hospital Samaritano Higienópolis, Dr. Marcio Nattan.

A enxaqueca atinge em torno de 15% da população mundial, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apenas no Brasil, são mais de 30 milhões de pessoas.

As mais comuns

Ao focar somente nas dores de cabeça primárias, são quatro as que mais estão presentes na vida daqueles que sofrem com a patologia, ainda de acordo com a SBC:

Enxaqueca: dor pulsátil, de forte intensidade, podendo ser acompanhada de náuseas e vômitos ou intolerância à luz ou ao som. Geralmente unilateral (mas pode ser bilateral) e as crises duram de quatro a 72 horas.

Cefaleia do tipo Tensional: a mais frequente no mundo, é caracterizada por dor bilateral ou na parte da frente ou atrás da cabeça, de moderada intensidade, que não piora com esforço e dura de 30 minutos até sete dias.

Cefaleia em Salvas: é um tipo de dor intensa, unilateral, que dura de 15 minutos a 3 horas, geralmente no mesmo horário (maioria de madrugada) por vários dias seguidos. Além da dor, há lacrimejamento e corrimento nasal no mesmo lado da dor.

Cefaleia Crônica Diária: é uma situação que se caracteriza por dores de cabeça em ao menos 15 dias ao mês. É uma evolução de outras formas de dor, que aumentam de frequência gradativamente por uso exagerado de analgésicos para dor.

O estresse e a ansiedade são os principais fatores desencadeantes de ambas as doenças e estão presentes na vida de quase todas as pessoas. Mas no caso da enxaqueca, outros agravantes pioram a patologia.

Entre os gatilhos mais comuns, segundo o Dr. Nattan, estão: estresse emocional; alterações climáticas; privação ou outros distúrbios do sono; uso de álcool ou tabaco; alguns alimentos, como comidas ricas em gorduras, refrigerantes e chocolates; exposição excessiva à luz ou aos odores intensos; e o período perimenstrual. São os hormônios femininos, inclusive, que causam a maior parte das dores de enxaqueca em mulheres do que em homens.

“O hormônio feminino é um fator agravante para a dor. Por isso, também há piora do quadro com o uso de anticoncepcionais. Na cefaleia tensional, não há diferença significativa por sexo”, revela o neurocirurgião do Hospital CEMA, Dr. Joel Teixeira.

Por outro lado, o neurologista do Hospital 9 de Julho acredita que, de um modo geral, as mulheres sentem mais dores (e não apenas dor de cabeça) que os homens. Talvez pela prevalência de ansiedade e depressão ser maior entre elas, influenciando em sintomas dolorosos.

Segundo ele, a cada três mulheres, um homem sofre de enxaqueca. A cefaleia tensional mostra maior equilíbrio, mas é um pouco mais frequente também entre o público feminino. Já a incomum cefaleia em salvas é mais frequente em homens.

Ter dor nem sempre é normal. O neurologista do Núcleo de Neurologia e Neurociências do Hospital Sírio-Libanês, Dr. Eduardo Mutarelli, aconselha os pacientes que têm dor regularmente ou quando a dor for mais intensa a buscar um médico. O mesmo acontece quando a pessoa tiver febre, alteração da consciência, sonolência, confusão, vômitos ou se suspeitar de que existe uma doença que está provocando a dor de cabeça.

Contra o mal

A prescrição do fármaco correto depende da intensidade, origem, localização da dor, entre outros. Mas, em geral, os analgésicos não opioides são os usados para as dores menos intensas e mais corriqueiras, durante um curto período. Eles possuem propriedades analgésica, antipirética, antitrombótica e anti-inflamatória. Entre os princípios ativos mais comuns estão o ácido acetilsalicílico, ibuprofeno, dipirona sódica e paracetamol.

O neurocirurgião do Hospital CEMA diz que os analgésicos comuns e anti-inflamatórios podem ser usados para a maioria dos tipos de dor. Porém, algumas medicações agem para um tipo específico de patologia. Alguns antidepressivos, por exemplo, podem ser usados como medicação profilática para enxaqueca e cefaleia tensional.

Ainda que os medicamentos possam ajudar quem está em uma crise, é essencial que haja a orientação correta para o uso dos fármacos. “Todos os portadores de dores de cabeça crônicas devem ser orientados a não abusar de analgésicos (mais do que três comprimidos por semana) porque isso, em longo prazo, piora a cefaleia”, adverte o neurologista do Hospital 9 de Julho.

Mais do que tratar, é importante conscientizar o paciente a evitar as dores de cabeça. Para isso, são necessárias algumas mudanças no dia a dia, conforme enumera o Dr. Mutarelli:

  • Beber líquidos com frequência;
  • Ter horário para dormir e acordar ao menos seis vezes por semana;
  • Não dormir nem de mais, nem de menos;
  • Fazer exercícios físicos ao menos cinco vezes por semana, por 40 minutos;
  • Comer de duas em duas horas;
  • Evitar alimentos como queijo curado, salgadinhos, chocolate, embutidos e sais para sabor;
  • Evitar bebidas alcoólicas, principalmente vinho;
  • Não tomar mais do que três xícaras de café por dia.

“Há uma série de medidas possíveis. As principais são: o controle de fatores de risco (emocionais, alterações do sono e obesidade, entre outros). O tratamento adequado de cada crise e o tratamento profilático, quando indicado. Os riscos de se tornar crônica e a transformação em cefaleia quase diária são altos nos pacientes com enxaqueca.”, resume o neurologista do Hospital Samaritano.

Seus gatilhos

De acordo com a pesquisa A Dor no Cotidiano 2017, realizada por Advil com o apoio do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) Conecta, a maior parte dos entrevistados (82%) disse que o estresse era a principal causa das dores, além da falta de sono (73%). Por isso, o equilíbrio entre a vida pessoal, profissional e familiar, uma boa alimentação, descanso e atividade física adequados são a chave para proteger-se das dores de cabeça.

Apesar disso, 63% dos brasileiros dizem que mudar a sua situação é muito difícil. O excesso de trabalho e estudo (61%) e o trânsito (60%) são outros gatilhos que os entrevistados consideram complicados de modificar.

A vida moderna, sem dúvidas, revela novos responsáveis pelas dores. Ao menos é o que demonstra a pesquisa O futuro da dor de cabeça, realizada por Neosaldina® e conduzida pela WGSN Mindset. Segundo o estudo, cinco gatilhos são os impulsionadores do incômodo:

Ansiedade: cerca de 9,4% da população sofre de ansiedade no Brasil, de acordo com a OMS, sendo o País com mais casos da patologia no mundo.

“O transtorno de ansiedade é marcado por sintomas como a dificuldade de concentração, problemas no sono, preocupação excessiva e uso da alimentação como válvula de escape. Também pode causar dores sem justificativa física, como a própria dor de cabeça”, ensina a psicóloga especialista em cefaleias e doutora pelo departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Juliane Peres Mercante.

Para combater esse cenário, é importante que o paciente invista em interações sociais que proporcionem calma, espaços que propõem a diminuição da ansiedade e técnicas para relaxar e aprimorar a qualidade do sono.

Os vilões da cefaleia

  • Desidratação: é necessário ingerir líquidos durante todo o dia.
  • Jejum prolongado: comer de duas em duas horas faz a diferença.
  • Tensão e nervoso: controlar situações de estresse e ansiedade é fundamental.
  • Dormir demais ou de menos: ter horário para dormir e acordar e descansar tempo suficiente são essenciais.
  • Bebida alcoólica: exagerar no consumo de álcool pode causar a dor de cabeça.

Fonte: neurologista do Núcleo de Neurologia e Neurociências do Hospital Sírio-Libanês, Dr. Eduardo Mutarelli

Esgotamento cerebral: em um mundo conectado, o foco torna-se um desafio. Para a diretora da SBC e vice-coordenadora do Departamento Científico de Cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia, Dra. Célia Roesler, a sobrecarga de informações pode ocasionar esgotamento do cérebro e o aumento do estresse, desencadeando a dor de cabeça. Eles devem ser combatidos por meio de uma aposta em um estilo de vida mais saudável e equilibrado.

A dor da pós-verdade: a busca incessante pelo o que é “real” pode criar momentos de estresse e tensão. Ou seja, cada vez mais, as pessoas tratam fatos como opiniões, descartando aqueles que não gostam.

Autoexigência: o perfeccionismo constante contribui para o aumento da ansiedade na população. Além disso, a população passa a associar o excesso de atividades e a produtividade ao sucesso pessoal e profissional.

“A autoexigência tem relação direta com a alimentação e no fluxo de ‘preciso ser bom em tudo’, o conceito do se alimentar bem é constantemente confundido. Comer saudável contempla consumir o que gostamos e de forma equilibrada. Na falta de algum nutriente, em dietas restritivas ou com o mau funcionamento do intestino e na presença de problemas digestivos, o corpo pode reagir e desencadear uma dor de cabeça”, alerta a nutricionista Marcia Daskal.

Barulho 2.0: os ruídos aumentam exponencialmente e, como consequência, a angústia e o estresse pioram. O barulho pode ocasionar distúrbios de sono, estresse e problemas psicológicos.

Foto: Shutterstock

Polêmica nos fármacos

Edição 306 - 2018-05-01 Polêmica nos fármacos

Essa matéria faz parte da Edição 306 da Revista Guia da Farmácia.