A força da indústria na pandemia

Mesmo com o mercado de genéricos em crescimento, a pandemia trouxe mudanças nas necessidades de compras do brasileiro. Adaptar-se a essa nova realidade foi e ainda é uma tarefa para as fabricantes pelo País

Em 2020, devido a pandemia o brasileiro iniciou uma verdadeira corrida às farmácias e drogarias em busca não apenas de medicamentos de uso contínuo para o tratamento de doenças crônicas, mas também em busca de outras categorias, como vitaminas e suplementos.

Além disso, com a alta no desemprego, o acesso a medicamentos com segurança e eficácia comprovadas e custo reduzido foi essencial para que a população pudesse se cuidar, mantendo-se saudável e seguindo com tratamentos já em andamento.

A pandemia também provocou mudanças no comportamento da população, refletidas na busca por determinados medicamentos, conforme exemplifica o diretor comercial da EMS Genéricos, Aramis Domont.

“A classe terapêutica de macrolídeos (da molécula azitromicina, um antibiótico) apresentou uma evolução de demanda (em unidades) no primeiro semestre (janeiro a junho/2020) de 56% no segmento de genéricos e está entre os produtos que apresentaram alta no período. Em outras classes terapêuticas, no entanto, devido à queda nas prescrições médicas e à mudança na rotina dos consumidores por causa do isolamento social, observou-se que houve declínio na demanda.”

Para a EMS, a unidade de negócios de genéricos representou 32,9% do faturamento da empresa de 2020 e corresponde a 16% desse mercado. “A categoria é um importante aliado na promoção da saúde, permitindo a adesão e o acesso ao tratamento pela população”, analisa Domont.

Segundo ele, a categoria é aceita por praticamente 80% da população brasileira, representando 35% das vendas de medicamentos em unidades no País. “O fato de ainda ser um mercado relativamente novo, com somente 21 anos de comercialização no Brasil, também representa potencial de crescimento. Por isso, acreditamos que há espaço para esse segmento crescer ainda mais no Brasil”, diz.

A diretora-geral da farmacêutica Medley, Joana Adissi, afirma que apesar dos genéricos possuírem uma alta penetração nos lares brasileiros (estima-se que 80% já adquiriram medicamentos dessa categoria), se comparado a economias mais maduras, ainda existe um amplo potencial de expansão. “Enquanto representamos 16% no Brasil, na Europa e Estados Unidos caracterizam uma média de 30%”, mostra Joana.

Projeções mantidas

Além da pandemia ter alterado os números e projeções de todo o setor, o mix de produtos também mudou e, dessa forma, foi preciso adaptar-se a uma nova realidade que incluiu o impacto da desvalorização do real frente ao dólar.

Segundo o diretor da Unidade de Negócios Genéricos da Eurofarma, Donino Scherer Neto, por ser dependente de insumos importados, a empresa precisou fazer uma série de ajustes para suprimir gastos para mitigar os efeitos cambiais.

Mas mesmo que por caminhos diferentes daqueles inicialmente projetados, foi possível trabalhar com os mesmos números. “Apesar de termos registrado impacto nos produtos controlados com retenção de receita, já que houve isolamento e as pessoas reduziram suas idas ao médico, tivemos um crescimento exponencial em algumas classes de produtos, como analgésicos, anti-inflamatórios e alguns antibióticos”, conta Neto.

Ele destaca que um dos maiores desafios da indústria farmacêutica é ampliar o acesso da população a medicamentos de qualidade por preços mais baixos. “A atenção às necessidades do mercado e a liberação de patentes estão no topo de nossa estratégia. Assim, a além de Itapevi (SP), a Eurofarma está construindo uma nova unidade na cidade de Montes Claros (MG) para produção de medicamentos em geral. O investimento gira em torno de R$ 375 milhões e a previsão de operação está prevista para aproximadamente dois anos.”

Já para a Sanofi, o ano de 2020 foi bastante estratégico e a empresa conseguiu ampliar a sua presença no País. “Além de empreender esforços para compreender e solucionar as novas necessidades de saúde das pessoas, trabalhamos focados na continuidade de nossas operações, para garantir que a produção dos medicamentos que salvam milhões de vidas pudesse ser mantida durante o período”, comenta Joana Adissi.

Volta à normalidade

Se em 2020 houve uma corrida às farmácias, a situação atualmente está de volta à normalidade como conta a diretora da Unidade de Negócio de Cardiometabolismo e Comercial da Merck, Lucimara Bertozzi.

“O tratamento de doenças de maior complexidade, como esclerose múltipla e câncer, sofreu um impacto maior porque os pacientes ficaram longe dos centros de referência, clínicas de oncologia e hospitais. Com um isso, houve impacto significativo no diagnóstico e tratamento destes pacientes, o que é bastante preocupante”, comenta.

Lucimara acrescenta que a Merck tem participação relevante no mercado de genéricos do Brasil, com mais de 20 produtos comercializados no País. Fazem parte do portfólio da empresa produtos, como levotiroxina, metformina, sinvastatina, aciclovir, bisoprolol, pregabalina, entre outros.

“Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), os genéricos foram responsáveis por 15% do faturamento nas vendas de medicamentos das farmácias e 34,86% das unidades vendidas em 2020, e deve crescer mais este ano, puxando a alta das vendas de todo o restante da indústria farmacêutica brasileira. Nosso portfólio de genéricos representa mais de 15% do faturamento total da Merck”, diz.

Abastecimento garantido

A adoção de protocolos e medidas para que os funcionários pudessem trabalhar com segurança também causou impactos nas operações das farmacêuticas.

“Tivemos muitas mudanças para continuar produzindo saúde, justamente agora o que a população mais precisa é de profissionais da saúde, hospitais e medicamentos. Manter o abastecimento das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e das farmácias é nosso maior objetivo”, comenta o diretor presidente da Prati-Donaduzzi, Eder Fernando Maffissoni.

A empresa é fabricante de azitromicina, um dos medicamentos usados na linha de frente no combate a Covid. “Neste momento, também oferecemos à população dipirona, ibuprofeno, paracetamol e outros medicamentos bastante utilizados, que registraram aumentos de procura”, diz Maffissoni.

O executivo afirma que a empresa precisou solucionar os problemas com a logística, cotação do dólar e o aumento de custo e carência de matéria-prima. “Como grande parte de nosso insumo é importado, tivemos de sacrificar nossa rentabilidade para não enfrentarmos o desabastecimento”, diz.

Expectativas para 2021

Se 2020 foi um ano positivo para o mercado de genéricos, 2021 não deve ser diferente, de acordo com as projeções de expectativas da indústria farmacêutica. Segundo Lucimara, a projeção da Merck está em crescer perto de dois dígitos na linha de genéricos.

“Este crescimento virá de opções genéricas para tratamento do hipotireoidismo e diabetes”, conta. Ela revela que a farmacêutica recebeu aprovações recentes de novos tratamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para esclerose múltipla, câncer renal e de bexiga, controle do colesterol e diabetes, que inclusive tiveram lançamento comercial durante o período da pandemia.

“Em dezembro de 2020, na área de Oncologia, tivemos a notícia da aprovação de mais um tratamento para pacientes adultos com carcinoma urotelial (UC) localmente avançado ou metastático, o tipo mais comum de câncer de bexiga”, diz.

Além disso, no ano passado, a Merck lançou o genérico da molécula ciproterona + etinilestradiol, que é utilizado no tratamento de doenças relacionadas aos hormônios andrógenos na mulher, como acne, etc. “Esse lançamento, inclusive, é uma das promessas para o contínuo crescimento em vendas da nossa linha de genéricos”, comenta Lucimara.

A EMS Genéricos também projeta um crescimento agressivo para 2021. Segundo Domont, a farmacêutica tem apresentado evolução constante nesse segmento, crescendo mais do que o mercado nos últimos cinco anos.

“De 2019 para 2020, apresentou um aumento de 15,6% de vendas e, para 2021, a empresa projeta um crescimento arrojado de 20%”, diz. Domont reforça que a empresa lançou, recentemente, novos medicamentos como a trimebutina [medicamento para Síndrome do Intestino Irritável (SII)]e do aciclovir 400 mg (antiviral).

“Além dos produtos citados, a EMS ainda prevê lançar em 2021 novas moléculas para o tratamento da dor crônica, osteoporose, além de um anti-inflamatório”, revela.

Nova relação com a saúde

Joana, da Medley, destaca que, em 2020, a empresa esteve bastante atenta à demanda do mercado e aos novos comportamentos do consumidor. “Uma pesquisa encomendada pela empresa, realizada pela MC153, mostrou que 73% da população pretende incrementar o consumo de produtos para imunidade, sendo a vitamina C e os multivitamínicos os principais meios buscados nos últimos meses para reforçar a capacidade natural do sistema imunológico”, conta.

Essa realidade também se confirma pela pesquisa Shopper VMS Sanofi – IPSOS4, que indica que o perfil de consumo dos multivitamínicos inclui pessoas que estão buscando por mais energia, imunidade e saúde. O estudo mostra, igualmente, que a compra de vitaminas é algo planejado e que, em 35% dos casos, é indicada por um especialista.

“Tais dados impulsionaram o lançamento da linha VitaMedley. O portfólio chegou ao mercado em agosto de 2020 com cinco produtos, atendendo às necessidades de diferentes públicos e faixas etárias”, comenta Joana.

 Inovação constante no mercado

Com os vencimentos de patentes importantes se aproximando, a Eurofarma aguarda tais liberações para implantar em seu portfólio diversos medicamentos genéricos para atender à demanda da população.

“Esperamos manter esse crescimento, fruto dos investimentos em pesquisa para novos produtos”, Donino Scherer Neto, da Eurofarma.

Em 2019, por exemplo, foram 18 medicamentos em 24 novas apresentações. Já em 2020, a companhia continuou com seu incremento de portfólio, lançando 20 novos medicamentos genéricos e um total de 29 novas apresentações.

O crescimento do portfólio de genéricos da Prati-Donaduzzi também foi expressivo no ano passado. Maffissoni conta que foram mais 52 opções. Destas, 17 são da área de prescrição médica.

“Esse aumento significativo está respaldado em nosso esforço para continuarmos crescendo no mercado farmacêutico. Boa parte das apresentações lançadas está inserida no segmento de Sistema Nervoso Central (SNC). Prevemos aumentar as possibilidades de tratamento, principalmente para enfermidades que acometem essa área”, completa.

Ainda segundo ele, 2021 reserva muitos desafios. “Temos previsão de aumentar nosso portfólio e esperamos lançar aproximadamente 107 apresentações. Também trabalhamos para fortalecer nossa atuação junto à classe médica com medicamentos de prescrição. A atuação na prescrição médica está focada na área de SNC. Grande parte dos nossos lançamentos previstos será para tratar patologias dessa área”, finaliza.

Fonte: Guia da Farmácia
Foto: Shutterstock