Plantas medicinais ou fitoterápicos: saiba diferenciá-los

Embora estejam associados, os conceitos são distintos e é importante saber explicar ao consumidor no ponto de venda

utilização de plantas como base para tratar doenças é um hábito milenar, seja por meio do uso de chás, outros preparos caseiros ou até, mais recentemente, os medicamentos fitoterápicos. Entretanto, é importante que se esclareça de que forma as plantas in natura se diferenciam dos medicamentos.

Segundo explica a farmacêutica com habilitação em indústria, especialista em Gestão Farmacêutica, Atenção Farmacêutica e Farmacoterapia Clínica, doutora em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos (área Farmacologia) e professora adjunta da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Dra. Camila de Albuquerque Montenegro, as plantas medicinais são as espécies vegetais, cultivadas ou não, em geral, tradicionalmente utilizadas com o propósito de aliviar sintomas e/ou promover a cura de afecções.

“Para que o uso das mesmas seja racional, recomenda-se que se saiba onde a planta foi cultivada e coletada, além de identificá-la e prepará-la corretamente. Normalmente, a população faz uso por meio de infusões, decocções, macerados, alcoolaturas, tinturas, constituindo exemplos de derivados vegetais”, esclarece.

Processo de desenvolvimento de um Fitoterápico

1º. Seleção da planta, colheita, identificação, estabilização da planta (secagem, congelamento, liofilização, etc.) e depósito no herbário. Também fazem parte desse processo a moagem; a análise qualitativa dos extratos; o isolamento dos componentes ativos; e a purificação.

2º. Estudos de caracterização fitoquímica. Que apontam quais são as substâncias e os metabólitos secundários (flavonoides, taninos, terpenos) existentes na planta. O objetivo é o de estipular qual classe de metabólitos é a marcadora da espécie e, assim, atribuir a ela o efeito farmacológico constatado nos testes.

3º. Ensaios não clínicos para determinar toxicidade e investigar efeitos biológicos farmacológicos (in vitro e in vivo). Por exemplo, se in vitro (com cultura de células ou microrganismos), o extrato da planta foi capaz de matar ou inibir a bactéria Staphilococcus aureus, atribui-se um efeito farmacológico chamado de antimicrobiano; quando há a morte da bactéria, cita-se que a espécie apresenta um efeito bactericida; se inibe o crescimento, é bacteriostática. Os ensaios in vivo, por sua vez, são realizados em animais (camundongos, ratos, coelhos…).

4º. Determinação da forma farmacêutica (padronizar e validar). Esta é a etapa em que uma matéria-prima precisa ser inserida em uma forma farmacêutica (comprimido, cápsula, solução, emulsão, suspensão, xarope, pomada, gel, etc.). Para isso, é necessário pesquisar qual é a forma mais adequada, bem como os adjuvantes (veículos).

5º. Estudos de estabilidade. Que submetem o medicamento a alterações, como, por exemplo, aumento de temperatura, expondo-o por vários dias ou meses. Observa-se o quanto ele resiste ou se degrada, com o intuito de determinar o prazo de validade do produto.

6º. Estudo farmacocinético. Para verificar quanto tempo, após a administração daquele medicamento, o princípio ativo atinge a corrente sanguínea pelo processo farmacocinético de absorção e como será distribuído pelo organismo até o sítio/local de ação dessa substância. Avalia-se, ainda, como se interage com esse sítio (proteína = receptor, canal iônico, enzima, transportador), para então ser metabolizado (geralmente no fígado) e ser excretado do organismo (pela urina, principalmente, mas também podendo ser eliminado pelas fezes, suor ou leite materno).

7º. Ensaios clínicos de fase 1 a 3. Os ensaios da fase 1 consistem em testar pacientes sadios para identificar reações adversas; da fase 2, os pacientes são acometidos com a doença para a qual o medicamento está sendo desenvolvido para constatar efetividade; e, na fase 3, amplia-se o número de pacientes submetidos a este teste.

8º. Realização do Controle de Qualidade do produto e do processo.

9º. Desenvolvimento de bula e embalagem.

10º. Credenciamento da empresa na Vigilância Sanitária e nas Boas Práticas de Fabricação.

11º. Registro Fitoterápico na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e patente.

12º. Aprovação do registro.

13º. Comercialização, entrando na fase 4 do ensaio clínico. Que consiste na farmacovigilância e comercialização do produto.

Fonte: farmacêutica com habilitação em indústria, especialista em Gestão Farmacêutica, Atenção Farmacêutica e Farmacoterapia Clínica, doutora em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos (área Farmacologia) e professora adjunta da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Dra. Camila de Albuquerque Montenegro

Já os medicamentos fitoterápicos são aqueles obtidos a partir das plantas medicinais (drogas ou derivados vegetais), as quais passam por operações farmacotécnicas ou de tecnologia farmacêutica para ser inseridas em uma forma farmacêutica.

“Todo fitoterápico deve ter sua ação comprovada por meio de ensaios farmacológicos e toxicológicos, que garantam eficácia, segurança e qualidade, para ser registrados e utilizados com o fim profilático, curativo ou paliativo”, mostra a Dra. Camila.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforça que quando a planta medicinal é industrializada para se obter um medicamento, tem-se como resultado o fitoterápico.

“O processo de industrialização evita contaminações por microrganismos e substâncias estranhas, além de padronizar a quantidade e a forma certa que devem ser usadas, permitindo uma maior segurança de uso. Os fitoterápicos industrializados devem ser regularizados na Anvisa antes de ser comercializados”, explica a agência.

Custo elevado

O processo de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) de um medicamento fitoterápico leva, em média, de dez a quinze anos para se concluir e, assim, exige-se uma quantia significativa de investimento, tempo, disposição e equipe competente.

“Não é um processo rápido e simples porque a planta apresenta inúmeros componentes que poderão ser necessários para a produção da resposta farmacológica e será preciso identificá-los e isolá-los. Esse estudo demanda concentração de esforços no sentido das dificuldades normalmente presentes para o isolamento do(s) ativo(s), sua comprovação farmacológica, segurança e eficácia terapêutica, e quais os benefícios adicionais estariam vinculados à sua utilização”, aponta a farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti.

Dúvidas frequentes

Os fitoterápicos só têm vegetais na sua composição?

Por definição, fitoterápico é um produto composto exclusivamente com substâncias de origem vegetal. Quando se acrescentam outras substâncias (inclusive substâncias químicas de origem vegetal, mas isoladas quimicamente), deixam de ser assim considerados.

O tratamento com fitoterapia tem contraindicação?

Pode ter. Dessa forma, faz-se necessário observar o paciente: quais tipos de hipersensibilidade ele apresenta, idade, enfermidades crônicas e comprometimento fisiológico dos sistemas para poder atribuir contraindicação.

Quais fitoterápicos podem ser contraindicados?

São exemplos Aesculus hippocastanum L. (castanha-da-índia), que tem contraindicações para gestantes, nutrizes, crianças; Piper methysticum G. Forst (Kava-Kava), que não deve ser utilizada por mulheres grávidas ou amamentando e crianças, em pacientes com doença de Parkinson, psicose ou depressão; Centella asiática, que não deve ser usada por grávidas e por lactantes, pessoas com insuficiência renal ou hepática, pessoas com gastrite e úlcera; e Ginkgo biloba, que é contraindicado no uso concomitante com aspirina, ticlopidina, antiagregante plaquetário e anticoagulantes, por apresentar um risco potencial de provocar uma hemorragia.

Quais as diferenças entre a fitoterapia e a homeopatia?

A fitoterapia só utiliza plantas, enquanto a homeopatia usa também elementos de origem mineral ou animal, considera o indivíduo como um todo e o seu tratamento para restabelecimento da saúde visa ao equilíbrio de energias.

Para isso, utilizam-se medicamentos com princípios ativos diluídos e dinamizados, usados segundo o princípio de que semelhante cura semelhante.

Por exemplo: para um paciente com febre, será administrado um medicamento com uma substância que ocasione febre. Já o tratamento por meio da fitoterapia segue a alopatia, com o princípio dos contrários: se alguém está com febre, utiliza-se um antitérmico.

Pode-se tomar um fitoterápico sem receita médica, só lendo a bula?

Pode-se utilizar um medicamento fitoterápico sem prescrição médica, desde que a espécie vegetal que componha o produto conste na lista das isentas de prescrição [Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 10, de 9 de março de 2010].

Mesmo que o medicamento seja isento de prescrição médica, é recomendado e necessário o acompanhamento de um profissional da área da saúde para garantir a utilização correta e segura, ao eliminar as dúvidas do usuário e para que o objetivo terapêutico seja alcançado.

Fontes: farmacêutica com habilitação em indústria, especialista em Gestão Farmacêutica, Atenção Farmacêutica e Farmacoterapia Clínica, doutora em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos (área Farmacologia) e professora adjunta da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Dra. Camila de Albuquerque Montenegro; farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti; e vice-presidente da Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito), Dra. Ceci Mendes de Carvalho Lopes

Como a planta se constitui em um complexo de substâncias presentes, o estudo é moroso, considerando todo o processo necessário para identificar quais ativos e em quais ações estão relacionados. “Essa é uma situação diferente de quando o pesquisador está trabalhando com uma molécula única e estruturalmente elucidada. Nesses casos, o que é obtido como resposta diz respeito somente a essa molécula e, portanto, muito diferente da situação de uma planta, que contém inúmeros componentes presentes”, comenta Maria Aparecida.

Portanto, todo o processo envolve custo elevado e, no País, a disponibilidade de recursos financeiros para todas as fases que envolvem o desenvolvimento de medicamento, particularmente no que diz respeito às pesquisas científicas realizadas nas universidades, está muito prejudicada.

“O custo de estudos envolvendo plantas deve ser estimulado e entendido em relação à sua importância, considerando que a nossa biodiversidade, ainda, em sua grande parte, não está estudada em relação às propriedades farmacológicas, além do que, a cultura indígena sobre o conhecimento do uso de plantas medicinais está sendo perdida porque as novas gerações querem viver em cidades e não mais em aldeias, onde as tradições poderiam ser perpetuadas”, pondera a especialista da USP.

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